O termo “Economia do Mar” entrou hoje no nosso léxico e é, por direito próprio, uma área estratégica e de forte crescimento. Mas, talvez mais importante, este é um sector económico com grandes perspectivas de futuro e onde Portugal já desenvolveu know-how próprio e possui capacidade para acrescentar valor
O que torna a Economia do Mar – muitas vezes também designada por “Economia Azul” – numa área com um potencial estratégico tão interessante é o seu próprio carácter transversal e multidisciplinar, crucial para o desenvolvimento de outras áreas económicas.
Aqueles que são os seus pontos de partida, designadamente a informação e previsão do ambiente marinho, são factores fundamentais para, entre outros, a concepção de instalações, para o planeamento de actividades, para a minimização de riscos e para o planeamento de operações de socorro.
Os vectores de informação e previsão ganharam ao longo dos últimos anos uma importância que extravasa a simples necessidade de recolha de dados para uma melhor compreensão dos oceanos; existem hoje necessidades acrescidas de ordenamento do meio marinho e da sua protecção como consequência da intensificação das actividades antropogénicas, seja por via da exploração de recursos minerais, seja pelo uso de tecnologias mais sofisticadas na exploração de recursos vivos, de que são exemplos as actividades da pesca e, mais recentemente, da aquicultura.
Desde as indústrias da energia – que fazem exploração petrolífera (e instalam “wind farms”) off-shore – até aos que investigam os seus impactos através do estudo das alterações climáticas, há um leque muito alargado de sectores que tiram partido dos avanços e serviços oferecidos pela Economia do Mar.
Mas não só. Neste contexto, vale a pena recordar a Directiva Quadro Estratégia Marinha, que determina o quadro de acção comunitária no domínio da política para o meio marinho, no âmbito do qual os Estados-membros devem tomar as medidas necessárias para um bom estado ambiental no meio marinho até ao ano 2020.
Sem dados de suporte, dificilmente seria possível a Portugal (ou a qualquer outro estado-membro) propor até 2015, como define a Directiva, “a conclusão da elaboração de um programa de medidas destinado à prossecução ou à manutenção do bom estado ambiental e, até 2016, iniciar a execução do programa de medidas.”
Dos satélites à matemática
A Economia do Mar não seria certamente aquilo em que hoje se transformou sem a contribuição dos dados de monitorização dos oceanos baseada em satélites. Ao longo das últimas décadas, instituições como a Agência Espacial Europeia (ESA) e a NASA tornaram possível uma recolha de dados à escala global, informação essa que tem sido disponibilizada rapidamente e de forma barata – na verdade, frequentemente gratuita. Estes dados obtidos a partir do espaço são depois complementados com informação recolhida in-situ e, sobretudo, por modelos matemáticos de forma a colmatar as limitações em termos de resolução espacial e de variáveis. Estes modelos matemáticos (que mais não são do que produtos de software) são hoje também uma ferramenta barata, uma vez que correm em computadores cujo custo é cada vez mais baixo.
O ingrediente com maior custo, na verdade, é o conhecimento: ou seja, saber como criar os melhores modelos matemáticos de forma a obter o melhor valor possível a partir dos dados em bruto.
É esta poderosa combinação entre os dados de satélite, recolha in-situ e modelos matemáticos que traz grandes oportunidades para as empresas tecnológicas portuguesas que colaboram com as universidades que estão a desenvolver investigação nestas áreas. E tanto assim é que uma boa parte destas empresas são efectivamente spin-offs dessas mesmas universidades.
Da escala global aos problemas locais
Para estas empresas, as oportunidades derivam da forma como os dados são recolhidos e, ao mesmo tempo, da forma como são aplicados no terreno.
Hoje dispomos de dados à escala oceânica global que, como tal, têm necessariamente baixa resolução. Contudo, fornecem as condições de fronteira para modelos de maior resolução, de escala regional; e, por seu lado, estes fornecem depois condições de fronteira para modelos de escala local, num processo de zooming idêntico ao que se faz em fotografia.
É este refinamento da informação que permite resolver problemas em várias escalas – oceânica, regional e local. Os modelos de escala oceânica são os mesmos para todos os países que partilham um oceano; como tal devem ser desenvolvidos à escala de um continente. Cabe assim às empresas que estão a desenvolver valor sobre estes dados a concretização deste zooming de forma a criar produtos e soluções específicas para cada indústria, sector e/ou região.
Na Europa, os dados – de satélite e outros – e um modelo de previsão à escala global são fornecidos pelo serviço europeu de monitorização do ambiente marinho Copernicus (CMEMS) através da Mercator Ocean, empresa francesa que tem um Acordo de Delegação com a Comissão Europeia para a implementação e gestão do CMEMS. Entre nós, foi já desenvolvida a tecnologia necessária ao downscaling destes produtos à escala regional e local (www.mohid.com) que está a ser usada em Portugal e noutros países.
O MOHID é um modelo matemático de domínio público e código aberto utilizado em mais de 40 países. O grupo de desenvolvimento recolhe benefícios desta utilização aberta através da construção e promoção da imagem do modelo e por intermédio de projectos desenvolvidos em conjunto.
Anualmente são organizados quatro a cinco cursos sobre o modelo (para 2016 estão já calendarizados dois cursos, um na Costa Rica e outro na Argentina) com utilizadores espalhados por todo o mundo – os países com mais utilizadores são o Brasil, a Espanha e a França; já a Coreia do Sul tem o mais importante utilizador institucional (o KORDI), que utiliza o modelo como uma das componentes do seu sistema de previsão e gestão emergências no mar.
Ainda na lógica da promoção da prestação de serviços à escala local inseridos num sistema de downscaling, serão iniciados mais dois projectos em 2016: a plataforma “+Atlântico”, financiada pela FCT e que pretende promover a cooperação entre Portugal, os Estados Unidos, a América Latina (com ênfase para o Brasil) e a costa ocidental de África; e o projecto MARPOCS, financiado pela União Europeia, que envolve Portugal, Espanha, França e Marrocos e que tem como objectivo a criação de um sistema conjunto de resposta a situações de emergência.
Todas estas iniciativas e projectos, que podemos enquadrar como fazendo parte da chamada Economia do Mar, só são possíveis através desta “tempestade perfeita” formada pela confluência entre a recolha de dados de satélite e os modelos matemáticos, mas também entre o valor criado nas universidades e transferido para a sociedade através de empresas de âmbito local mas com ambição global.
Ramiro Neves, Director do MARETEC
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