Inicialmente “economista” era um doutor em Ciências Jurídico-Económicas. Por exemplo na sua comunicação sobre “redução das despesas públicas” apresentada em Dezembro de 1923 ao Congresso das Associações Industriais e Comerciais de Portugal, Oliveira Salazar dá-se como economista(i).
As Ciências Jurídico – Económicas
Duas grandes divisões orçamentais comportam porventura reduções sensíveis, mas esta parte não compete propriamente aos economistas resolvê-la mas aos políticos e aos técnicos: são as despesas pelos orçamentos da guerra e da marinha.
Num curioso apontamento auto-biográfico, igualmente Marcelo Caetano se considera economista na altura em que defendera a sua tese de doutoramento sobre depreciação da moeda, mas ter deixado de o ser depois da sua reconversão como administrativista, apesar de ter estudado depois da guerra o keynesianismo e a planificação soviética. Nomeado ministro da Presidência e não existindo máquina de planeamento teve de assegurar praticamente sozinho muito do trabalho técnico do II Plano de Fomento.
…eu fui, mais do que o Ministro orientador, o funcionário principal da elaboração do Plano. Lendo todas as contribuições chegadas, analisando todos os relatórios. Como disse, não havia serviços de planeamento. A máquina burocrática dos Ministérios não estava preparada para responder convenientemente ao que lhe se pedia (salvo a das Obras Públicas). Ajudado por meia dúzia de pessoas, pagas pela verba destinada a “estudos” do Orçamento apresentados, discutindo com Ministros, técnicos e empresários, arrumando as ideias e metodizando os elementos dispersos, escrevi pelo meu próprio punho centenas de páginas, reuni e conferi números, organizei material para publicação, revi mesmo provas tipográficas(ii)
Hoje em dia diríamos ser um trabalho de economista, na época talvez de técnico-economista ou técnico-económico, ou mesmo técnico-administrativo. como se pensou que deveria denominar-se a profissão para efeitos de denominação de sindicato ou ordem.
No entanto em termos de história de pensamento, “economista” é tomado numa acepção diferente, como se vê no Dicionário Histórico de Economistas Portugueses, coordenado por José Luís Cardoso, onde tem lugar António de Oliveira Salazar mas não Marcelo Caetano.
Dos comercialistas aos economistas
Quem quiser compreender a Emergência e Consolidação dos Economistas em Portugal deve ler atentamente a tese de doutoramento de Carlos Manuel Gonçalves, editada com este nome pela Afrontamento(iii), e que pelo menos a Ordem dos Economistas deveria divulgar entre os seus membros e convinha estivesse presente no espírito dos membros do Conselho Estratégico cuja criação se anuncia. Livro utilíssimo para perceber a criação, reestruturação e extinção de escolas, nos desfasamentos entre Porto e Lisboa, e as tentativas de organização profissional centrada na ligação a diplomas académicos e na existência talvez de uma validação profissional específica. O Ministério das Corporações chegou a tentar extinguir o Sindicato Nacional dos Comercialistas – cuja denominação estava ligada aos antigos Institutos Superiores do Comércio – não dando sequência à pretendida transformação em Ordem dos Técnicos-Economistas, não conseguiu que a extinção passasse no Supremo Tribunal Administrativo, e passou a recusar a homologação das direcções sindicais sucessivamente eleitas.
Em algumas das visões propostas, de que Carlos Manuel Gonçalves procurou dar conta, os Economistas ou Técnicos Economistas abrangeriam várias especialidades, sendo uma delas a dos Comercialistas.
Qual poderia ser o elemento comum? João César nas Neves, num livro que escreveu sobre os laureados do Prémio Nobel da Economia(iv), e de que foi distribuída, após a instalação da Ordem dos Economistas, aos membros desta, uma edição especial, explica que a Economia é a Ciência da Escolha. Julgo a fórmula interessante, e talvez seja aplicável a toda a gama de actividades exercida por economistas, mas coloca-se no plano teórico e no plano prático a necessidade de ter em conta que toda uma série de profissionais com outras formações académicas também sabem preparar escolhas.
De qualquer forma chegámos ao 25 de Abril que restabeleceu a liberdade sindical, mas também exclui a filiação nos sindicatos dos pequenos patrões e dos profissionais liberais. Quanto à constituição de sindicatos na função pública, ficou apontada para lei própria e os direitos conquistam-se exercendo-se. O que ficou frequentemente em causa em certos ciclos políticos, é se um sindicato poderia representar trabalhadores do sector público e do sector privado.
O Sindicato Nacional dos Comercialistas converteu-se em Sindicato dos Economistas, virado para as empresas, tendo acabado por se inscrever na UGT. Não sei quantos sócios tem nem quantos perdeu com os movimentos de verticalização. Vejo-o unicamente referenciado na comunicação social a propósito dos processos da TAP. Deve-se-lhe o arranque do processo de criação da Associação Portuguesa de Economistas que veio a usar a sigla APEC, constituída em 1976 numa base origem de licenciatura e aprovou os seus Estatutos numa série de Assembleias Gerais. Na sua primeira Direcção ficou integrado um licenciado recente do então Instituto Superior de Economia..
Da Associação Portuguesa de Economistas à Ordem dos Economistas
Julgo que muitos dos associados da APEC entretanto transformada em Ordem dos Economistas pelo Decreto-Lei nº 174/98 de 27 de Junho(v), autorizada no ano anterior pela Assembleia da República, sempre terão partilhado a ideia de que a estrutura é pouco activa e pouco útil, e, no caso da Ordem, que a quota é muito cara para a sua utilidade. A propósito das recentes eleições foi-me dito que a Ordem teria chegado a ter 15 mil membros, agora reduzidos a 10 mil, dos quais só 6 mil com as quotas em dia. Os outros mostraram dominar a “Ciência da Escolha” não se inscrevendo, saindo, ou deixando de pagar quotas até que a dívida prescreva por efeito do disposto no Código Civil.
Os primeiros tempos mostraram que a APEC era capaz de organizar debates, de contratar a publicação de uns “cadernos” periódicos(vi) e que as listas directivas formadas se tendiam globalmente a eternizar. A certa altura sucedeu um pequeno escândalo porque a candidatura de Manuela Morgado e de outro economista à Direcção havia sido apresentada quando ainda não tinham sido admitidos como sócios. O processo foi reaberto, tudo correu nos conformes. Ficou-me a má opinião sobre uma pessoa que parece só se lembrou de inscrever numa associação para ser sua Presidente da Direcção
De qualquer forma a classe tinha os seus líderes mediáticos a que se aplica a noção de “economistas de referência”, identificados num interessante trabalho da equipa de jornalistas da revista. Exame(vii) e que felizmente só muito recentemente começaram a falecer.
Fui participando nas Assembleias Gerais da APEC onde assisti a uma alteração estatutária que obrigava a incluir nas listas para corpos gerentes cinco membros de antigos corpos gerentes e onde a certa altura apareceu um jovem colega a dizer que se tinha de criar uma Ordem. Para quê? “Para que ninguém pudesse dizer que era economista sem estar inscrito na Ordem.“
Pela minha parte tinha as maiores dúvidas: a lecionação de sucessivas anos de finalistas no Instituto Superior de Gestão (estabelecimento superior privado), vinha-me mostrando que estes nem sequer se viam como futuros “economistas”. Pois se estavam a estudar para ser “gestores”!
A criação da Ordem foi criando apoios e não havendo quórum em Assembleia Geral foi efetuado um referendo onde pelo menos eu votei contra.
A criação da Ordem e a eleição do primeiro Bastonário, António Simões Lopes, introduziram uma ruptura positiva. No entanto seria exequível o propósito enunciado no preâmbulo que transformou a APEC em Ordem?
“Com efeito, a multiplicidade de licenciaturas na área da ciência económica e a acentuada indefinição que marca, hoje, o exercício da actividade de economista, dispersa por funções, sectores de actividade, tipos de entidades e organizações empregadoras, justificam a necessidade de uma regulamentação e de um controlo unitários do acesso e exercício da actividade profissional de economista. “
Uma auto-biografia do Bastonário seguinte, Francisco Murteira Nabo, assistida na redacção pela também economista Albertina Dias, (viii)sugere que não: por um lado, quando a lei, em casos aliás muito restritos exige que seja nomeado um economista não se consegue impor que o instrumento de nomeação contenha o número da sua cédula profissional, por outro haviam sido e continuam a ser criadas outras estruturas profissionais com poderes regulamentares ou simplesmente funções de formação: a Ordem, por exemplo, dotou-se de um Colégio de Especialidade de Auditoria mas já existem a Ordem dos Revisores Oficiais de Contas e o Instituto Português de Auditoria Interna, que incluem também economistas.
Duas listas candidatas à Ordem
Com o Bastonário Rui Leão Martinho, que foi membro da equipa de Francisco Murteira Nabo a Ordem voltou a uma relativa modorra. É claro que se criaram mais colégios de especialidade e que as Delegações Regionais têm funcionado. Foi desatenção minha que só recentemente tenha percebido que a Delegação Regional do Centro e Alentejo (DRCA) abrangia Lisboa. Em todo o caso fui criando a impressão de que o presidente da DRCA, António Mendonça, poderia ter interesse em candidatar-se a bastonário.
Se era assim ou não, desconheço. Rui Leão Martinho declarou que não se recandidataria e – com o apoio da maioria da Direcção da Ordem, disse-se – declarou o seu apoio à candidatura de Pedro Reis- listas A – que toda a gente sabe ser economista mas que não estava inscrito na Ordem, e portanto nem poderia dizer que era economista … e teve de inscrever-se, o que conseguiu fazer a tempo.
Como pelos Estatutos da Ordem cada candidato a Bastonário tem de apresentar candidatos para todos os órgãos nacionais os boletins de voto traduziam – se numa razoável confusão embora se fizessem votações separadas para cada órgão. Como António Mendonça – listas B – teve de fazer o mesmo ficámos com não sei quantos candidatos que inundaram as caixas de correio electrónico dos membros, fizeram não sei quantas apresentações, prometeram não sei quantas medidas…e deve ter havido não poucas mensagens particulares porque a formação das listas mobilizou ligações profissionais e até amizades dos bancos da escola.
De modo geral a comunicação social registou o facto de António Mendonça ter ganho a eleição para bastonário com apenas 37 votos de vantagem sobre Pedro Reis (897 contra 860) mas poderia até ter “descoberto” o número de votos em branco (39) foi superior á diferença. 1796 votantes no total foi positivo mas muitos eleitores não votaram. Adiante-se que Pedro Reis conquistou algumas Delegações Regionais e quatro dos seis Conselhos de Especialidade empatando num quinto. Se tivesse ganho também o cargo de bastonário , sendo a sua lista conotada com a Direita, ainda viriam a haver leituras sobre a “inversão de ciclo”.
Tenho alguns amigos, com carreiras de muito mérito, nas listas e nos apoiantes de Pedro Reis mas outros que a ele se juntaram – falo de Augusto Mateus e de Fernando Ribeiro Mendes – não os situo no mesmo plano. De qualquer forma não aceito que o bastonário cessante tenha procurado suscitar um sucessor que não era sequer membro da Ordem.
O mesmo sucede de resto com as listas e os apoiantes de António Mendonça,. Reconheço que este fez um esforço notável na dinamização de uma candidatura em que partiu como challenger, e que necessitava do patrocínio de Manuela Morgado e de Murteira Nabo. Mas quanto à primeira já expliquei que o seu “histórico” da APEC, afinal semelhante ao episódio mais recente da candidatura de Pedro Reis, não me permitia apoiar um candidato por si patrocinado.
De forma que não votei para os órgãos nacionais da Ordem mas enviei o meu voto favorável às listas B – Mesa e Direcção – candidatas à Delegação Regional do Centro e Alentejo.
A minha filiação no organismo representativo dos economistas faz afinal parte da minha identidade, mesmo que não tenha utilidade.
Notas
(i) Manuel Braga da Cruz, Inéditos e Dispersos de Salazar, inserida no Vol. I – Escritos político-sociais e doutrinários, 1908-1928,
(ii) Minhas memórias de Salazar.
(iii) Em 2006.
(iv) Principia.
(v) Sumário “Transforma a APEC – Associação Portuguesa de Economistas, associação de direito privado, em Ordem dos Economistas, associação profissional de direito público, e aprova o respectivo Estatuto”. Legislação posterior veio a alterar os Estatutos das Ordens.
(vi) Que nunca me incomodei a assinar.
(vii) Memórias de Economistas, 2006
(viii) Segredos de Gestão Estratégica e Inovação, 2017.