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Quinta-feira, Novembro 21, 2024

Atentado suicida na escola mata educação por gerações

João Vasco AlmeidaA escola portuguesa está pior do que o laboratório onde a Bial testa medicamentos. Os professores, os alunos, os pais e o meio são submetidos a testes que os deixam, devagarinho, em morte cerebral. A festa dos ministros continua, sem preocupação aparente, porque os efeitos das políticas não se topam no dia seguinte.

Se a educação fosse uma obra, a construção de uma ponte, já tinha ruído ou sido demolida umas dez vezes, sem nunca se completar a travessia. Vamos ao concreto, então.

Há uma falsa discussão à volta dos exames, sejam eles em que ano calharem. Discutir a pimenta enquanto se prepara o peru de natal é ignorar o peru. Há anos que não sabemos para que prepara o ensino. Se prepara cidadãos com forte cultura geral, se prepara cidadãos com cada vez mais conhecimentos técnicos ao longo do percurso, se prepara cidadãos com competências sociais fortes, se prepara alunos para o real, independentemente de uma educação continuada ao longo da vida… O ensino passou a ser discutido entre a ideologia e o dinheiro.

educação_ensinoSe és de direita, tentas regressar aos mapas do caminho de ferro, às batas e ao exames. Folclore. Se és de esquerda, queres uma escola que lembre a festa inicial do Hair. Folclore outra vez.

Durante os debates das legislativas e das presidenciais a educação não esteve lá, como se fosse o menor dos problemas do país. Sabe-se, infelizmente, que quer o desaproveitamento quer o abandono precoce da escola crescem  a números assustadores.

O ensino tem outros problemas graves. Um deles, por exemplo, é chegarem ao professorado pessoas que já foram alunos do caos e a quem a escola nunca deu instrumentos como a curiosidade, a abertura e o humanismo necessário. Há professores que já não querem saber. Despejam matéria e ignoram o mundo. Eu percebo alguns: todos os dias passam 14 horas fora de casa, levando mais de cem quilómetros para ir trabalhar, entrar na escola e aturar miúdos que também não se interessam por coisa nenhuma. No fim do mês, estes docentes levam 650 euros para casa, ou 800, vá, sem terem prazer nenhum no que fazem.

O Ensino está desentregue. Temo que a demonização de Nuno Crato, justa em muito, justifique agora tudo e o seu contrário. Mário Nogueira nunca me falou de ensino, de uma visão do que é a escola, do que sonha. Só horas, dinheiro e direitos.

educação_ensinoEm vez do fim dos exames na quarta classe era melhor que um ministro acabasse de vez com a vergonha do preço dos livros escolares e fizesse cumprir a lei. Que legislasse para estabilizar os quadros-escola e percebesse que as aulas do tamanho de um jogo de futebol são ineficazes, até para adultos. Que retirasse aos professores a carga burocrática que agora sofrem. Que acabasse com os rankings pelas notas e impusesse um ranking pelo aproveitamento, sim, mas também pelo grau de curiosidade, de diversidade de temas extra-currículo, pela qualidade das dinâmicas sociais criadas, pelo envolvimento da escola com o meio.

Desejamos todos que o novo ministro saiba disto e trate de tudo. A pobreza absoluta do caminho que nos trouxe até aqui é um atentado contra o país, uma bomba que nos explode nas mãos a cada geração que passa. Este vosso escriba lembra-se bem de sair das aulas pela janela e de ter aprendido que havia uma Escola de Sagres… A solução não é voltar atrás.

É pensar bem e ter a escola como a base de uma sociedade, a base que nunca se desliga da família e do meio.

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