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Terça-feira, Julho 16, 2024

Egito Gonçalves

Helena Pato
Helena Pato
Antifascistas da Resistência

(1920 – 2001)

Democrata, antifascista, poeta. 

Data de 1952 o seu poema «Notícias do Bloqueio», escrito nos Açores, que se torna emblemático, atravessa a fronteira e é o mais traduzido da sua obra poética.

Sobre ele, escreveu Domingos Lobo:

Pode ser-se poeta, um sonhador de liberdades, fechado nas masmorras do fascismo? É possível construir, com a volátil argamassa das palavras, um país outro, apenas inventado, livre e liberto? Foi possível, mesmo que por instantes breves e supremos, sair dessa noite para se juntar às vozes de outros homens e resistir à realidade opressiva dos dias ignaros? Sim, foi possível a (…) companheiros de luta, de combate e de versos, viver e denunciar a realidade político-social desses dias, mesmo no silêncio isolado das celas, mesmo com o coração esmagado de silêncio, mesmo se as ferramentas de tecer as palavras lhe eram, pelos verdugos, negadas».[1]

Participação activa…

Na Cultura

José Egito de Oliveira Gonçalves, conhecido por Egito Gonçalves, nasceu em Matosinhos no ano de 1920 e morreu a 28 de Janeiro de 2001. Incorporado no serviço militar em 1941, foi colocado nos Açores, e é em Ponta Delgada que escreve os primeiros poemas.

Notícias do Bloqueio

Aproveito a tua neutralidade,
o teu rosto oval, a tua beleza clara,
para enviar notícias do bloqueio
aos que no continente esperam ansiosos.

Tu lhes dirás do coração o que sofremos
nos dias que embranquecem os cabelos…
tu lhes dirás a comoção e as palavras
que prendemos – contrabando – aos teus cabelos.

Tu lhes dirás o nosso ódio construído,
sustentando a defesa à nossa volta
– único acolchoado para a noite
florescida de fome e de tristezas.

Tua neutralidade passará
por sobre a barreira alfandegária
e a tua mala levará fotografias,
um mapa, duas cartas, uma lágrima…

Dirás como trabalhamos em silêncio,
como comemos silêncio, bebemos
silêncio, nadamos e morremos
feridos de silêncio duro e violento.

Vai pois e noticia com um archote
aos que encontrares de fora das muralhas
o mundo em que nos vemos, poesia
massacrada e medos à ilharga.

Vai pois e conta nos jornais diários
ou escreve com ácido nas paredes
o que viste, o que sabes, o que eu disse
entre dois bombardeamentos já esperados.

Mas diz-lhes que se mantém indevassável
o segredo das torres que nos erguem,
e suspensa delas uma flor em lume
grita o seu nome incandescente e puro.

Diz-lhes que se resiste na cidade
desfigurada por feridas de granadas
e enquanto a água e os víveres escasseiam
aumenta a raiva
e a esperança reproduz-se

 

1952

Egito Gonçalves
O Pêndulo Afectivo – Antologia Poética, 1950-1990
Porto, Afrontamento, 1991

Depois, publicou os primeiros livros na década de 1950. Teve como actividade profissional a administração de uma editora. Escreveu mais de vinte livros de poesia.

Na Política

Participou em vários movimentos antifascistas, quer no plano cultural, quer na acção política. Participou na campanha do General Humberto Delgado para Presidente da República (1958). Pertenceu ao MUD e às Comissões Nacional e Executiva do III Congresso da Oposição, realizado em Aveiro (1973).

A sua intensa actividade de divulgação cultural e literária concretizou-se, a partir dos anos 50, na fundação e/ou direcção de diversas revistas literárias, como A Serpente (1951), Árvore1 (1951-53), Notícias do Bloqueio (1957-61), Plano (1965-68, publicada pelo Cineclube do Porto) e Limiar.

Desenvolveu actividades de animação cultural no Porto, tendo pertencido à direcção do Teatro Experimental do Porto, do Cineclube do Porto, da Cooperativa Árvore e da Associação de Jornalistas e Homens de Letras do Porto. Integrou também a Sociedade Portuguesa de Escritores (Delegação Norte), a Associação Portuguesa de Escritores, a Sociedade Portuguesa de Autores e o PEN Clube Português.

Na Sociedade

Internacionalmente, participou no “Congresso para a Liberdade da Cultura” (França) e na “Comunitá Europea degli Scrittori” (Itália). Foi membro da “Hispanic Society of America” (Nova Iorque) e correspondente do “Centre International d’Études Poétiques” (Bélgica). Dedicou-se também à tradução de poesia e foi autor de uma Antologia da Poesia Espanhola do Após-Guerra (1962).

Em 1977 foi-lhe atribuído o Prémio de Tradução Calouste Gulbenkian, da Academia das Ciências de Lisboa pela selecção de Poemas da Resistência Chilena e, em 1985, recebeu o Prémio Internacional Nicola Vaptzarov, da União de Escritores Búlgaros.

Em 1995 obteve o Prémio de Poesia do Pen Clube, o Prémio Eça de Queirós e o Grande Prémio de Poesia da Associação Portuguesa de Escritores com o livro E No Entanto Move-se. A sua obra encontra-se traduzida em francês, polaco, búlgaro, inglês, turco, romeno, catalão e castelhano.

Faleceu em 2001, e o seu último livro, «Entre Mim e a Minha Morte Há Ainda um Copo de Crepúsculo», foi editado cinco anos depois.

Poesia de Egito Gonçalves

Alguns destaques na poesia de Egito Gonçalves:

  • Um Homem na Neblina (1950)
  • A Viagem com o Teu Rosto (1958)
  • Os Arquivos do Silêncio (1963)
  • Falo da Vertigem (1993)
  • E no Entanto Move-se (1995)
  • O Mapa do Tesouro (1998)
  • A Ferida Amável (2000)

 

[1] Domingos Lobo in Avante!  Clausura, silêncio e resistência – o universo poético de Luís Veiga Leitão


Dados biográficos:

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