Como esperado Emmanuel Macron segurou uma vitória a que não deverá ter sido estranha alguma concentração de votos contra a NUPES e até os bons resultados económicos (crescimento de 7% do PIB, em 2021, contra a queda de 8% registada um ano antes) a par com a queda da taxa de desemprego para 7,4%, no quarto trimestre de 2021, um número que não se via desde 2008, mas perdida que está a maioria absoluta, o resultado do dia 19 constitui a mais amarga das vitórias onde até quatro membros do governo se viram preteridos na escolha eleitoral.
Com apenas 246 deputados eleitos – longe dos necessários 289 para garantir a maioria absoluta e ainda mais dos 361 eleitos há cinco anos –, com a NUPES (Nouvelle Union Populaire Écologique et Sociale) num confortável segundo lugar, com 146 deputados, e a populista RN (Rassemblement National), de Marine Le Pen, a conseguir uns inesperados 89 assentos e a relegar a coligação LR-UDI (Les Republicains – Union des Démocrates et Indépendants) para a quarta posição, com 64 eleitos, a situação política francesa afigura-se por demais complicada, pois as conhecidas contradições internas e divergências no seio da LR-UDI não auguram a necessária estabilidade para transformar os seus 64 lugares no garante necessário para uma maioria estável e duradoura. Assim, ainda mal começara o rescaldo eleitoral e já o campo de Emmanuel Macron falava em paralisia política e num cenário de dissolução da assembleia no prazo de um ano.
Com a abstenção a crescer mais de um ponto percentual, passando dos 52,5% da primeira volta para os 53,7% na segunda, confirmam-se as dificuldades das formações políticas em mobilizar o eleitorado e a tendência para uma apatia e desinteresse que de modo algum ilustra o processo democrático.
Assim, de volta ao fenómeno da abstenção e afinando a análise ao caso português, graças ao estudo Abstenção e participação eleitoral em Portugal: diagnóstico e hipóteses de reforma elaborado por dois investigadores (João Cancela, da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, em colaboração com Marta Vicente, da Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa) e apresentado em 2019, comprova-se que passámos de uma situação, na década de 1970, em que apresentávamos valores de participação que se inscreviam entre os mais elevados no plano global para uma situação de baixa participação semelhante ao das novas democracias da Europa de Leste. Este aumento da abstenção observa-se quer se tome por base o universo de eleitores recenseados quer seja o da população com idade para votar e é mais acentuado no caso das eleições nacionais e europeias e menos notório nas eleições para o poder local.
De um modo geral têm ganho relevo as explicações do fenómeno da crescente abstenção que assentam nas diferenças geracionais e na menor mobilização dos eleitores de menores rendimentos (talvez pela desilusão trazida pelo sistemático incumprimento das promessas eleitorais que lhes seriam mais favoráveis), embora alguns países, nomeadamente aqueles onde se regista o voto obrigatório, a realização simultânea de eleições para diferentes órgãos e a simplificação do exercício do direito de voto, escapem a esta tendência.
Reconhecendo que o fenómeno da abstenção tem diversas e variadas explicações e que ainda não se logrou uma forma de o resolver, admite-se que opções possíveis para aumentar os níveis de participação eleitoral, como o voto obrigatório (que, sem nunca se explicar cabalmente, se diz de difícil adopção em Portugal), a flexibilização do exercício do voto, a possibilidade votar em vários dias e a realização de eleições simultâneas para diferentes órgãos, possam contrariar a actual tendência. Outra opção, não consensual e quase nunca abordada, mas possivelmente até a mais relevante, é a da preparação escolar para a cidadania, incluindo nos currículos da escolaridade obrigatória uma clara aposta na formação cívica e política das gerações mais jovens.
Tudo o que se possa fazer para aumentar a participação política dos cidadãos, incluindo a dinamização do associativismo e do activismo político e social, deveria ser encarado por aqueles que, no rescaldo de cada acto eleitoral, se dizem penalizados pela falta de participação dos eleitores e se apresentam contritos e prenhes de intenções (quase nunca levadas à prática, porque afinal a abstenção nem sequer penaliza devidamente o status quo político-partidário, antes lhes garante a necessidade de menos votos para assegurarem a eleição) e qualquer apreciação relativa aos custos orçamentais (algo particularmente agradável à onda neoliberal que percorre o ambiente político actual) e políticos associados às diferentes medidas sugeridas deveria ponderar a importância da recuperação destes eleitores para a participação política e cívica.