Os recortes do novo levantamento CNI/Ibope sobre o governo Jair Bolsonaro (PSL), divulgado na quinta-feira (27), ficaram em segundo plano. A razão é que, em todos os segmentos pesquisados (como gênero, renda e região), a popularidade do presidente está em queda. Mas a insatisfação sobressai, particularmente, no universo feminino. Nove meses após a explosão, ainda nas eleições 2018, do movimento #EleNão, as mulheres continuam a ser o grupo que mais alavanca a rejeição a Bolsonaro.
Pela primeira vez desde a posse do presidente, o percentual de brasileiros que reprovam sua gestão alcançou, numericamente, o índice de pessoas que a aprovam. Em abril, 35% dos brasileiros avaliavam o governo Bolsonaro como “ótimo” ou “bom”, enquanto 27% o consideravam “ruim” ou “péssimo”.
Agora, esses dois polos – os pró-Bolsonaro e os anti-Bolsonaro – estão rigorosamente empatados: 32% a 32%. O Ibope ouviu 2 mil pessoas, em 126 municípios brasileiros, entre 20 e 23 de junho. A margem de erro é de dois pontos percentuais (para mais ou para menos).
No relatório em que apresenta os números do instituto, a Confederação Nacional da Indústria (CNI), contratante da pesquisa, informa que o aumento da insatisfação com o governo foi maior em quatro segmentos: “entre as mulheres, entre os respondentes com até a quarta série da educação fundamental, entre os brasileiros com menor renda familiar e entre os residentes nas regiões Norte/Centro-Oeste e Nordeste”.
O texto agrega que as oscilações se devem, acima de tudo, “à redução do percentual dos indecisos, ou seja, aqueles que não souberam ou não quiseram responder”. Os brasileiros que deram um tempo – ou uma trégua – a Bolsonaro, à espera de suas primeiras medidas, tendem agora a desaprovar a gestão. Praticamente não há estrato em que a popularidade de Bolsonaro tenha crescido, com a notória exceção da região Sul.
Homens e mulheres
Mas nenhum recorte chama mais atenção na sondagem da CNI/Ibope do que o fator gênero. Embora a “aprovação da maneira de governar” e a “confiança no presidente” tenha caído tanto entre os homens quanto entre as mulheres, os números de uma e outra faixa são muito distintos.
No universo masculino, o apoio a Bolsonaro ainda é elevado e majoritário. Em junho, segundo a pesquisa, “54% dos homens aprovam a maneira de governar do presidente e 42% desaprovam”. Os índices se assemelham quando se trata da confiança dos brasileiros do sexo masculino no presidente: 54% deles confiam, 44% desconfiam.
Já no estrato feminino, as inclinações se invertem. Uma maioria cada vez mais ampla de brasileiras rejeita Bolsonaro e seu governo, numa tendência similar à que houve em setembro e outubro do ano passado, na reta final das eleições presidenciais. Hoje, entre as mulheres, a gestão Bolsonaro nutre bem mais reprovação (54%) do que aprovação (39%). Da mesma maneira, 57% das mulheres desconfiam do presidente, ao passo que 39% confiam.
Possíveis causas
É fato que, em outubro passado, eleitores e eleitoras já não tinham votado de maneira simétrica para presidente – especialmente no segundo turno. Ainda assim, o Ibope nos deve uma explicação mais científica: afinal, se em quase todos os segmentos a rejeição a Bolsonaro é crescente, por que são as mulheres que, uma vez mais, impulsionam esse movimento? À falta de uma resposta oficial, tentemos cruzar outros recortes da pesquisa e especular algumas causas.
Desde janeiro, o Ibope tem medido a avaliação da gestão Bolsonaro em nove áreas com forte protagonismo do governo federal: combate à fome e à pobreza; combate à inflação; combate ao desemprego; educação; impostos; meio ambiente; saúde, segurança pública; e taxa de juros. Historicamente, as mulheres são mais sensíveis às chamadas “áreas sociais”, como educação e saúde. Foi justamente aí que Bolsonaro mais perdeu apoio e confiança no período de abril a junho.
O caso da educação ilustra a reviravolta. Há dois meses, tratava-se da área com a segunda melhor avaliação popular entre as nove analisadas pelo Ibope. Porém, com o anúncio de corte de verbas nas universidades por razões ideológicas – e com as constantes ameaças de perseguição a professores e alunos –, a rejeição à política educacional do governo saltou de 44% para 54% nestes dois meses. É provável que a fanfarronice do ministro Abraham Weintraub, no cargo desde 8 de abril, tenha ajudado a atrair ainda mais holofotes para os retrocessos anunciados pelo MEC.
Em mais três áreas, as taxas de desaprovação cresceram acima da margem de erro e superam, em muitos pontos percentuais, os índices de aprovação: no combate ao desemprego (55% rejeitam as ações do governo, 41% apoiam), na Saúde (56% de desaprovação, 40% de aprovação) e nos impostos (61% contrários, 33% favoráveis).
A força dos protestos
É preciso considerar também que, entre a penúltima e a última pesquisa, a gestão Bolsonaro foi alvo de massivos protestos, com bandeiras como a defesa da aposentadoria e da educação pública. Do 1º de Maio Unificado à Greve Geral de 14 de junho, passando por duas grandes manifestações contra cortes na educação (em 15 e 30 de maio), centenas de milhares de brasileiros saíram às ruas ou paralisaram suas atividades para denunciar os desmandos do governo.
Em que medida esses atos teriam “furado” a bolha dos movimentos sindical, social e estudantil, atingindo mais camadas da população? Os números do Ibope sugerem que os protestos surtiram, sim, efeito na avaliação do presidente e do governo. E sugerem, ainda, que esse efeito foi mais acentuado entre as mulheres. Evidência disso é a percepção dos brasileiros a respeito do noticiário envolvendo o governo, conforme frisa o instituto:
Os temas mais lembrados pela população são a reforma da previdência, o decreto sobre a posse/porte de arma, a divulgação da troca de mensagens entre os procuradores da força tarefa da Lava-Jato e o Ministro Sérgio Moro e as manifestações populares.
A reforma da previdência segue como uma das ações do governo mais lembradas pela população. Ela é citada de forma geral por 13% dos entrevistados e 1% cita notícias sobre alterações realizadas pela Comissão Especial. Os cortes/contingenciamentos de verbas na área de educação foram mencionados por 4% dos brasileiros.
É possível presumir, assim, que os temas das manifestações contra Bolsonaro – bem como a própria realização dos protestos – estão presentes e foram reforçados junto à opinião pública. A reforma da Previdência prejudica as mulheres em geral (por exemplo, com o aumento da idade mínima para a aposentadoria) e categorias majoritariamente femininas em particular (como o professorado e o funcionalismo público). Já nas mobilizações pela educação, a presença feminina prevaleceu, por meio de professoras, estudantes, mães de alunos e apoiadoras.
A crer na nova rodada da pesquisa CNI/Ibope, vivemos, de forma não planejada, uma espécie de renascimento silencioso do #EleNão. Tudo indica que as mulheres são, novamente, a força motriz da nova onda contra o bolsonarismo.
por André Cintra | Texto original em português do Brasil
Exclusivo Editorial PV / Tornado
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