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Sábado, Novembro 16, 2024

Em situações de catástrofe iminente há três fases de resposta

Beatriz Lamas Oliveira
Beatriz Lamas Oliveira
Médica Especialista em Saúde Publica e Medicina Tropical. Editora na "Escrivaninha". Autora e ilustradora.

Negação, Enfrentamento, Momento de decisão.

Na primeira fase, fase de Negação, as pessoas não conseguem lidar com a ameaça iminente e ficam sem recursos internos para se defenderem e defenderem os seus próximos.

Nesta fase, o processamento da informação, que é invasiva, turbulenta, incompreensível fica em curto circuito. Os novos dados não conseguem ser analisados pelo sistema nervoso central, a pessoa fica bloqueada.

Na fase de Enfrentamento, as diferentes pessoas vão decidir o que fazer de acordo com uma “plataforma” constituída, entre outros, pela sua personalidade de base, as suas capacidades, os seus conhecimentos, as suas vantagens e desvantagens psicológicos, a sua fragilidade, o seu medo e vulnerabilidade, aquilo que imagens do passado lhe fornecem como comportamentos seguros possíveis.

Fazer um plano para enfrentar a demasiada realidade pode tornar-se inviável para muitas pessoas. Fazer um plano pode ser vital.

No Momento de Decisão individual, uma pessoa deveria agir rápida e decisivamente, reorganizando-se para enfrentar a ameaça.

Pesquisas sobre funcionamento cerebral sugerem que, mesmo quando uma pessoa está calma, o cérebro leva de 8 a 10 segundos para processar novas informações. O stress atrasa este processo e, quando o cérebro não consegue encontrar uma resposta aceitável a uma dada situação, fixa-se espasmodicamente (milling around) numa solução única que, pode ou não, estar adequada à situação. Por exemplo, a reação de paralisia seria uma reação arcaica, pois no reino animal, ao ser atacada, a imobilidade da presa pode resultar no momento que a salva. Outra reação espasmódica pode ser por exemplo pesquisar mais e mais informação, atulhando o sistema nervoso central com dados e mais dados, impossíveis de analisar, que se transformam em lixo tóxico.

Cerca de 70% das pessoas tem respostas não adequadas a situações em que a sobrevivência devia ser o objetivo, mas em que o pânico prevalece.

De forma geral os países mesmo desenvolvidos, têm planos inadequados de abrigo, fornecimento de bens de primeira necessidade, falham na evacuação dos vulneráveis, idosos, mulheres, crianças, feridos, doentes. Em situações de catástrofe natural, como terramotos, deslizamentos de terras, cheias, maremotos, muitas pessoas recusam a deixar as suas casas provavelmente porque o lar representa a imagem profunda da segurança e de um possível futuro.

Quando a ameaça é uma epidemia as pessoas podem reagir mal à situação de quarentena (aqui, o lar deixa de representar a tal imagem profunda da segurança e de um possível futuro) e iniciam um processo de moer e esmoer soluções alternativas, que lhes parecem muito mais lógicas e racionais do que as indicadas pelas autoridades de saúde e pelos investigadores.

Colocar em dúvida a capacidade de autoridades, técnicos, profissionais de saúde, epidemiologistas, é de certo modo “natural”, pois mesmo quando os órgãos de soberania foram eleitos, não foram eleitos para enfrentar catástrofes. Quanto aos órgão técnicos, a capacidade destes não foi validada pelo publico, mas sim pelas respetivas carreiras, diplomas, e competências sobre as quais os público tem muitas dúvidas, reticências, desconfianças e não sabe como validar. Comparando as respostas que ele próprio hipoteticamente daria, o cidadão comum confronta-se com uma resposta científica ou técnico normativa da qual desconhece a lógica.

As pessoas podem subestimar drasticamente o desastre e os efeitos do mesmo. Podem agravar a perspetiva da evolução do mesmo, por aquilo que classificam de incúria das autoridades. As pessoas oscilam entre o que lhes transmite segurança interna e aquilo que é transmitido pelo rádio, a televisão, os vizinhos, os gurus, e quem lhes alimenta a sensação de perigo. As pessoas são atraídas pela “informação” que lhes valida os medos, e rejeita a “informação” que lhes invalida as fantasias de omnipotência.

Alguns conseguem criar muralhas internas e limitar o desgaste emocional, recusando-se a acreditar em novos avisos, recusando-se a abandonar o lar ou recusando-se a manter-se no abrigo indicado, enquanto outros descarregam a ansiedade e o medo, acusando tudo e todos por não estarem a ser tratados de forma adequada. O surgir de teorias da conspiração eclode e eclodem os arautos da salvação, quer aqueles que vendem banha da cobra quer aqueles que já tinham tido avisos premonitórios da desgraça que vinha aí.

A teoria do cisne negro é uma metáfora que descreve um acontecimento inesperado, com grande impacto, racionalizado de maneira inadequada.

“Os cisnes negros não existem”.

Mas as dez pragas do Egito fazem parte do inconsciente coletivo.

Nassim Nicholas Taleb é um estudioso, estatístico, libanês-americano cujo trabalho trata de problemas de aleatoriedade, probabilidade e incerteza.

A teoria foi desenvolvida por este cientista para conceptualizar o papel fulgurante de acontecimentos imprevisíveis e raros na história, na ciência, nas finanças e na tecnologia. Acontecimentos de baixa probabilidade, como a queda de um meteoro gigantesco em Nova York, ou a inundação do Vale de Petra (Jordânia) por gafanhotos.

Tais eventos, considerados extremos, desempenham coletivamente papéis muito mais intensos que as ocorrências triviais. Na monografia científica “Silent Risk”, Taleb define matematicamente o problema do cisne negro como uma metaprobabilidade degenerada “.

Nas dez pragas do Egipto:

  • As águas do Rio Nilo tingiram-se de sangue e morreram todos os peixes.
  • Rãs cobriram a terra.
  • Piolhos atormentaram homens e animais.
  • Moscas escureceram o ar e atacam homens e animais.
  • Houve morte maciça dos animais.
  • Feridas purulentas cobriram homens e animais.
  • Chuva de granizo.
  • Nuvens de gafanhotos destruíram plantações.
  • A escuridão encobriu o Sol por três dias.
  • Os primogénitos de homens e animais morreram.

Estamos a viver uma pandemia, um acontecimento invulgar, inesperado, de desfecho imprevisível.

A luta entre o faraó (os poderes institucionalizados) e Moisés (representando o povo insubmisso) é eterna. Mas o desfecho desta luta simbólica. sempre incerto, é temido.

O medo é fulgurante. E nem todos têm uma revelação, nem todos vão a caminho de Damasco. Alguns sucumbem.

Tal como o meteoro gigante a colidir com o nosso planeta causaria estragos incalculáveis, para os quais nunca estaríamos preparados, assim também o Corona Vírus nos atingiu, desprevenidos, cobertos pela nudez de Job.

Assustados? Sim

Aterrorizados, melhor não.

Transformados todos em cientistas? Impossível. A Ciência não é infusa. Não se adquire sem estudo.

Meninas, ilustração de Beatriz Lamas Oliveira


Por opção do autor, este artigo respeita o AO90



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