Representantes de 70 países e organizações internacionais concluíam a Conferência de Paris sobre a Paz no Oriente Médio e análises do papel do novo presidente estadunidense, Donald Trump, já retomavam a possibilidade de os EUA transferirem sua Embaixada em Israel de Tel-Aviv para Jerusalém. Seria mais uma medida provocativa e disruptiva de qualquer possibilidade diplomática, enquanto se intensifica a colonização da Palestina ocupada.
A Conferência de Paris sobre a Paz no Oriente Médio – que o premiê israelense Benjamin Netanyahu taxou de “inútil” – foi concluída em 15 de janeiro com mais uma afirmação e apelo ao compromisso com a chamada solução de dois Estados, Palestina e Israel, como a única rota para a paz em toda a região. Embora o presidente francês François Hollande tenha convocado a Conferência, seu chanceler, Jean-Marc Ayrault, interveio como “amigo de Israel”, segundo a CNN, e disse que não se discutiu o reconhecimento do Estado da Palestina pela França, já que o propósito era o retorno ao (infindável) processo diplomático.
Não bastasse a contínua expansão das colônias israelenses na Palestina ocupada – uma violação do Direito Internacional Humanitário, como previsto na Quarta Convenção de Genebra (1949) – Netanyahu também afirmou, uma semana após a Conferência que boicotou, que “os palestinos podem ter um Estado rebaixado”. Este é o seu “compromisso”.
Em reunião com seu gabinete de Governo ultranacionalista e de extrema-direita no domingo (22), Netanyahu, citado pelo diário Times of Israel, disse: “O que estou disposto a dar aos palestinos não é exatamente um Estado com autoridade total, mas um Estado rebaixado. Por isso é que os palestinos não concordam.”
Entre 2013 e 2014, a mediação estadunidense de um conturbado período de negociações propunha um “plano de segurança” e um projeto de Estado palestino desmilitarizado, que deveria permitir a presença de soldados israelenses, pendente ainda do reconhecimento de Israel como “Estado Judeu”. São condições inaceitáveis que violam o direito do povo palestino à autodeterminação e à soberania, defendido em inúmeras resoluções das Nações Unidas e que, no último caso, referendaria a situação de segregação ou exclusão da população palestina de Israel, cerca de 20% do total.
Um entre vários exemplos é a investida de sucessivos governos para destruir a vila beduína de Um Al-Hiran, na região do Negev – ou Naqab, em árabe –, sul de Israel. De acordo com o Fórum do Negev de Coexistência pela Igualdade Civil, centenas de pessoas vivem na vila estabelecida em 1956, após repetidos deslocamentos forçados pelo Estado, que tampouco provê à população serviços essenciais como o abastecimento de água, eletricidade, saúde ou educação.
Os habitantes vêm travando uma batalha judicial contra novas ordens de despejo, já que um plano de 2003 pretende substituir a vila beduína por uma judia. O despejo e a demolição de Um Al-Hiran são promovidos ao tempo em que, como apontou a organização Adalah de defesa dos direitos da minoria árabe, o Governo Netanyahu promove a legalização da colônia de Amona, na Cisjordânia palestina, considerada irregular até mesmo pela lei israelense.
Em vídeo recente, o secretário-geral do Partido Comunista de Israel Adel Amer condenou a política de demolição de residências palestinas: 11 foram destruídas na cidade de Qalansawa e mais 10 em Um Al-Hiran, onde o professor Jacob Musa Abu el-Qiaan foi morto pela polícia israelense que acompanhava as retroescavadeiras. Outros presentes, como o deputado comunista Ayman Odeh, foram feridos com balas de borracha.
Legitimar a ocupação
Desde a vitória de Donald Trump nas eleições presidenciais estadunidenses, análises e previsões sobre a sua posição em Israel e Palestina inundam os jornais israelenses, faltando cálculos sobre as previsões para o setor militar, talvez inibidos pelas promessas demagógicas do novo presidente de redução dos gastos dos EUA nesta frente, no exterior. De qualquer forma, em setembro de 2016 Barack Obama já garantiu um acordo para os próximos 10 anos. Trump, por sua vez, pode por exemplo dar força a planos de transferência da Embaixada dos EUA a Jerusalém, medida a ser interpretada como o reconhecimento da cidade histórica como capital de Israel – em acordo com as reivindicações do Governo israelense.
A controvérsia sobre a instalação de Embaixadas na cidade não é recente. Jerusalém é uma das questões mais empurradas no processo diplomático relativas ao “estatuto final” de uma eventual “solução”, como apontou Walid Khalidi, do Instituto para Estudos da Palestina (Institute for Palestine Studies, em inglês), ainda em 2000. Na década de 1980, o Governo de Israel elaborou uma lei que anexava Jerusalém Oriental – palestina, mas ocupada por Israel – ainda que evitando usar o termo “anexação”, para não causar reação internacional. Entretanto, não há legitimidade na medida, que viola o Direito Internacional.
Uma análise do Centro Al-Zaytuna explora possíveis cenários com alguma artimanha de Trump: realojar a Embaixada dos EUA em Jerusalém; transformar um dos serviços consulares em Jerusalém Ocidental (não na porção Oriental, palestina), em Embaixada; manter a Embaixada em Tel-Aviv, mas realojar o embaixador em Jerusalém; ou transferir a Embaixada a Jerusalém, mas “reconhecer o Estado da Palestina para absorver reações”. A análise pretende ser preventiva, para mobilizar esforço no sentido contrário a medidas que possam tensionar ainda mais a situação.
Nesta terça-feira (24), o diário israelense Haaretz citou o presidente da Organização Sionista da América (ZOA, na sigla em inglês), Morton Klein, sobre a esperança do embaixador nomeado por Trump, David Friedman, de “trabalhar de Jerusalém, e não Tel-Aviv”.
Segundo o Haaretz, Klein foi o primeiro representante de qualquer grupo judeu a se reunir com membros da equipe de Trump na segunda-feira (23), seu primeiro dia de trabalho. A ZOA é um grupo de direita que apoia a expansão de colônias israelenses na Cisjordânia palestina, ocupada por Israel desde 1967, opondo-se ao estabelecimento do Estado da Palestina.
Ao mesmo tempo, a extrema-direita israelense promove a anexação de uma das maiores colônias na Palestina ocupada, Ma’ale Adumim. Próxima a Jerusalém e nascida de um antigo programa paramilitar colonizador, Ma’ale Adumim tem estatuto de “cidade”, alcançando mais de 30 mil habitantes em 2015. Além disso, na terça-feira (24), Netanyahu e o ministro da Defesa Avigdor Lieberman liberaram a construção de mais 2.500 casas em colônias israelenses na Cisjordânia, sendo Ma’ale Adumim a segunda maior beneficiada da leva que será negociada imediatamente, com 90 casas, e Givat Ze’ev, que também fica próxima a Jerusalém, a primeira, com 552.
Enquanto Netanyahu é investigado em ao menos dois casos de vantagens ilícitas ou negociações escusas com o gigante da mídia Rupert Murdoch, uma análise do Haaretz publicada no dia da posse de Trump avalia que o premiê está aliviado a nível pessoal pela saída de Barack Obama da Casa Branca – embora Obama, como repetia seu Governo, tenha sido um dos melhores amigos de Israel, principalmente no setor militar.
Netanyahu deverá lutar para se manter no cargo sob condições aparentemente mais favoráveis em relação aos EUA. Mesmo assim, ainda há preocupação e expectativa da direita israelense por um posicionamento mais contundente de Trump, em apoio incondicional a Israel. Esta é certamente a agenda do premiê para sua visita a Trump já em fevereiro. Não há tempo a perder: o aprofundamento da ocupação israelense da Palestina é contraposto com o fortalecido movimento internacional de solidariedade ao povo palestino em sua luta por um Estado independente e soberano, em meio ao crescente isolamento de Israel. Daí tanta pressa e virulência, daí tanta expectativa com o salvador Trump.
Doutoranda em Política Internacional e Resolução de Conflitos, directora de Comunicação do Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos e Luta pela Paz (Cebrapaz).
Texto original em português do Brasil