Por uma dessas coincidências instigantes, o poeta William Blake e o Friedrich Engels, um dos fundadores do marxismo, nasceram no mesmo dia, 28 de novembro. O primeiro, há 263 anos em Londres; o segundo, há exatos 200 anos em Bremen, na Renânia, então parte do Reino da Prússia.
Usei o adjetivo “instigantes” porque Blake foi um dos primeiros críticos dos “moinhos satânicos” do florescente regime capitalista no final do século 19 na Inglaterra. E Engels foi um pioneiro na denúncia sistemática da precária situação da classe trabalhadora naquele país.
Engels viveu na pele uma contradição existencial. Ao mesmo tempo em que gerenciava um daqueles “moinhos satânicos”, a fábrica de tecidos de seu pai em Manchester, ele namorava uma operária militante irlandesa, Mary Burns, que o apresentou à face mais feia e cruel do capitalismo nos bairros onde viviam os trabalhadores. Foi Engels quem convenceu Karl Marx, o companheiro inseparável de décadas, sobre a importância central da economia na vida dos homens e mulheres, na época em que Marx era ainda um filósofo de tendências liberais.
Da dupla, foi Engels quem primeiro descobriu o darwinismo, o que levou Marx a assumir que o movimento social é um processo ao mesmo tempo histórico e natural. Com a publicação do livro A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado, Engels foi também um pioneiro do feminismo socialista. E, ao cogitar que a Revolução pode ser conquistada pela via eleitoral, foi também um dos primeiros a criticar o jacobinismo da Segunda Internacional, que marcou as lideranças fundadoras da União Soviética.
Uma das grandes contribuições de Engels à antropologia foi a sacação de que a nossa espécie criou-se a si própria pelo trabalho. Mas, segundo Jackie DiSalvo, professora associada de inglês no Baruch College, City University de Nova York, nisso William Blake antecipou Engels. Na página 164 do livro War of Titans: Blake’s Critique of Milton and the Politics of Religion, Di Salvo escreve:
“Blake… antecipou Engels para quem os seres humanos criaram a si próprio através do trabalho e de suas habilidades, seus corpos, mãos, cérebros, sentidos, emergindo ao longo dos milênios como produtos de trabalho cada mais consciente”.
Para comemorar o aniversário desses dois gigantes, segue o mais famoso poema de Blake, O Tygre:
O Tygre
Tradução: Rodrigo Suzuki Cintra
Tygre! Tygre! brilho queimando
Nas florestas da noite adentrando,
Que mão ou olho imortal poderia
Moldar tua temível symetrya?
Em que abismos ou céus distantes
Ardiam o fogo de teus olhos flamantes?
Em que asas ousou ele voar?
Que mão ousou o fogo atear?
E que ombros, & que arte,
Poderia um coração como o teu moldar-te?
E quando começou a bater teu coração,
Que terrível pé? & que terrível mão?
Que martelo? Que corrente?
Qual fornalha fundiu tua mente?
Em que bigorna? Que pegada do horror
Ousou agarrar mortalmente tua sanha de terror?
Quando as estrelas jogaram suas lanças fora,
E inundaram o céu com lágrimas de quem chora,
Será que ele sorriu ao que inventou?
Será que aquele que criou o Cordeiro também te criou?
Tygre! Tygre! brilho queimando
Nas florestas da noite adentrando,
Que mão ou olho imortal ousaria
Moldar tua temível symetrya?
por Antônio Carlos Queiroz (ACQ), Jornalista | Texto em português do Brasil
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