Caetano Veloso musicou alguns poemas que o grande Augusto de Campos – um dos maiores intelectuais e poetas concretistas do Brasil – traduziu, entre elas, “Elegia”, de John Donne.
A tradução do Augusto, feita nos anos 1970, é uma ode à mulher, seus mistérios que a poucos é dado desvendar; a música de Caetano, de 1979, é uma ode à alegria, ao ritmo que balança o corpo e coloca sorriso no rosto.
Ofereço para a Dilma Rousseff que, além de tudo e contra toda a maledicência da oposição machista, é feminina; sensual quando se oferece a um tribunal de injustiça quase nua, apenas com o manto da sua honradez.
Enfrentou longas 14 horas seguidas de sabatina, a última farsa ou último ato do golpe que já houve e o mundo reconhece.
Caetano Veloso também se devotou a outra elegia, desta vez a de Carlos Drummond de Andrade, “Elegia 1938”.
Drummond, justiceiro que nos livrava da loucura quando apontava a verdade que todos dissimulavam, mensageiro do futuro e do passado, ele descreve no poema uma situação que pode ser comparada à nossa atual. Diz:
“Aceitas a chuva, a guerra, o desemprego e a injusta distribuição
Porque não podes, sozinho, dinamitar a ilha de Manhatann”.
Por um momento, esqueçamos Manhatann (voltaremos aos Estados Unidos da América depois): o fato é que não podemos “dinamitar” simbolicamente o passado recente, transformando-o em uma ilha na história que não será mais visitada daqui para frente. Ao contrário, teremos que conviver com o descalabro e não sabemos o que virá.
A elegia de Carlos – na opinião de Caetano Veloso, que a declama e analisa em vídeo — antecipa a destruição das torres gêmeas, em 11 de setembro de 2001. É outra data trágica que se aproxima e que precisa ser desvendada. “Há cinzas e destroços” sob nossos pés e nossas cabeças, como canta Ani Di Franco.
A crise econômica começou justamente em 2001, nos Estados Unidos, se agravou em 2008, nos Estados Unidos (a essa altura já havia atingido o mundo todo) e, portanto, a crise brasileira (que a TV não mostra, distorce e não explica) não pode ser dissociada do que aconteceu no resto do mundo. E nos Estados Unidos da América do Norte.
Deixo a reflexão para vocês e também os poemas, além dos vídeos, deliciosos!
Elegia 1938 (Carlos Drummond de Andrade)
Interpretação: Caetano Veloso
Trabalhas sem alegria para um mundo caduco,
onde as formas e as ações não encerram nenhum exemplo.
Praticas laboriosamente os gestos universais,
sentes calor e frio, falta de dinheiro, fome e desejo sexual.
Heróis enchem os parques da cidade em que te arrastas,
e preconizam a virtude, a renúncia, o sangue-frio, a concepção.
À noite, se neblina, abrem guarda-chuvas de bronze
ou se recolhem aos volumes de sinistras bibliotecas.
Amas a noite pelo poder de aniquilamento que encerra
e sabes que, dormindo, os problemas te dispensam de morrer.
Mas o terrível despertar prova a existência da Grande Máquina
e te repõe, pequenino, em face de indecifráveis palmeiras.
Caminhas entre mortos e com eles conversas
sobre coisas do tempo futuro e negócios do espírito.
A literatura estragou tuas melhores horas de amor.
Ao telefone perdeste muito, muitíssimo tempo de semear.
Coração orgulhoso, tens pressa de confessar tua derrota
e adiar para outro século a felicidade coletiva.
Aceitas a chuva, a guerra, o desemprego e a injusta distribuição
porque não podes, sozinho, dinamitar a ilha de Manhattan.
A autora escreve em português do Brasil