Após dois anos de interregno (Covid-19 oblige), o mês de Junho voltou a registar o encontro anual do Grupo Bilderberg.
Com encontro marcado para Washington, a conferência anual, que se vem realizando desde 1954 e é destinada a fomentar o diálogo entre a Europa e a América do Norte, reuniu cerca de 120 líderes políticos, especialistas da indústria, finanças, trabalho, académicos e profissionais dos meios de comunicação em discussões ditas informais, promovidas sob a égide de uma regra de silêncio onde os participantes são livres para usar as informações recebidas, mas não podem ser reveladas nem a identidade nem a afiliação dos oradores ou de qualquer outro participante (conhecida como Chatham House Rule), todos apresentados como participantes individuais e não a título oficial, não sujeitos às convenções e limitações dos seus cargos donde se espera que possam ouvir, reflectir e formar opiniões.
Embora oficialmente apresentada sem agenda detalhada, sempre se foi sabendo pela sua página oficial na internet, que os principais tópicos para discussão este ano foram:
- Realinhamentos Geopolíticos
- Desafios da NATO
- China
- Realinhamento Indo-Pacífico
- Competição de Tecnologia Sino-Americana
- Rússia
- Continuidade do Governo e da Economia
- Perturbação do Sistema Financeiro Global
- Desinformação
- Segurança Energética e Sustentabilidade
- Saúde pós-pandemia
- Fragmentação das Sociedades Democráticas
- Comércio e Desglobalização
- Ucrânia
O carácter informal das reuniões e o secretismo que desde o início as rodeia é acentuado pelo facto de não existirem deliberações, nem votações e ainda menos a menor declaração política, pese embora a lista dos seus participantes seja pública. Assim, com a invasão da Ucrânia bem no centro de todas as conversas, não se estranhará a participação, a título pessoal e pelas reconhecidas competências naquela matéria, do Secretário Geral da NATO, Jens Stoltenberg, a par com a do Director da CIA, William J. Burns ou a da Embaixatriz da Ucrânia nos EUA, Oksana Markarowa, e ainda menos as de Charles Michel, Presidente do Conselho Europeu, ou a de Margaritis Schinas, o Vice-Presidente da Comissão Europeia, que ombreiam perfeitamente com os anteriores em matéria de competências, em nada ficando atrás do novo governador americano da Europa (como Miguel Sousa Tavares o apodou aqui) que é Stoltenberg.
A reunião anual do Bilderberg, tantas vezes desvalorizada nos meios de comunicação como uma qualquer coisa banal ou fruto da imaginação desvairada de teóricos da conspiração, continua a contar com a presença de bem escolhidos e complacentes representantes da missão de informar – como sucedeu este ano com a americana Anne Applebaum, da centenária revista cultural e literária «The Atlantic», os ingleses Gideon Rachman, Shashank Joshi e Zanny Minton Beddoes, respectivamente, comentador para os assuntos externos do indispensável diário de negócios «The Financial Times», editor para assuntos de defesa e editor principal do também centenário e não menos famoso «The Economist», ou a novidade de este ano terem sido convidados jornalistas escandinavos (precisamente quando tanto se falava no alargamento da NATO àquela região), como o dinamarquês Martin Krasnik, editor chefe do semanário «Weekendavisen», ou o finlandês Kaius Niemi, editor principal do «Helsingin Sanomat Newspaper», o maior jornal por assinatura dos países nórdicos, turcos, como Murat Yetkin, jornalista e fundador do «YetkinReport» (blog lançado em 2018 na sequência do seu afastamento da função de editor-chefe do jornal «Hürriyet Daily News» devido às suas reportagens muito críticas do poder) e Afsin Yurdakul, jornalista no canal «Habertürk News Network» – sempre comprometidos com o sigilo que desde a primeira hora tem rodeado as reuniões de um grupo que se trata, na realidade, de uma importante cimeira diplomática, com a presença este ano, como sempre, de políticos transatlânticos extremamente importantes, desde o secretário de comércio dos EUA até ao presidente do Conselho Europeu e passando por chefes de indústria e banqueiros (como o famigerado Presidente da Goldman Sachs, Durão Barroso) ou por veteranos como Henry A. Kissinger.
Outro sinal dos tempos de guerra aberta que vivemos foi a forte presença de altos dirigentes de serviços de informação, onde além do já referido Director da CIA, William J. Burns, pontificaram o chefe da Agência de Segurança Cibernética e Infra-estruturas do Reino Unido, Jeremy Fleming, o director da Agência de Informação e Segurança Exterior da França (DGSE), Bernard Émié, o líder da Agência de Segurança Cibernética e Infra-estrutura dos EUA, Jen Easterly, ou o conselheiro de segurança nacional de Biden, Jake Sullivan, além dos ex-chefes da espionagem norte-americana (CIA) e inglesa (MI6), respectivamente David Petraeus e Sir John Sawers, deixando bem clara a importância que tem a informação no actual confronto com os russos e no que se prepara com os chineses.
Até agora, pouco ou nada se sabe do que terão falado, mas é seguro que pouco a pouco irão chegando ao conhecimento algumas “ideias” e “factos” por lá gizados e orientados.
Parte II – Entender o Bilderberg (a chave para o Poder Global)