“O Bloco de Esquerda está preparado para governar”
Luís Monteiro, 22 anos, é o deputado mais novo do próximo parlamento. O estudante de Arqueologia da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, e activista político desde os 15 anos, foi eleito pelo Bloco de Esquerda pelo círculo do Porto e está determinado a trabalhar em políticas que defendam os interesses dos jovens porque o futuro de Portugal depende de uma boa nova geração que não seja forçada a emigrar.
Jornal Tornado – O que o motivou aos 15 anos a política activa e aos 22 assumir a responsabilidade de ser deputado?
Luís Monteiro – Aos 15 anos, comecei a seguir com bastante atenção os problemas ligados à educação. Foi nessa altura que se começou a preparar a avaliação injusta e desequilibrada aos professores do sector público, que os alunos se viram obrigados a aulas de substituição e que a crise mundial derivada da bolha imobiliária rebentou. Comecei a estar atento à Europa e ao Mundo e, um dia que passei perto da Sede do Bloco de Esquerda no Porto, decidi entrar e a partir desse momento, participar nas iniciativas do Bloco. Agora, em 2015, assumo o cargo de deputado da Assembleia da República. Significa uma oportunidade para levar as ideias que defendo nos meus locais de activismo todos os dias ao Parlamento, representar quem hoje emigrou forçadamente para não passar o resto da vida em estágios não remunerados e quem desistiu de estudar por faltas de condições económicas.
O Bloco de Esquerda já não é uma força política de protesto?
O Bloco de Esquerda há muito tempo que se apresenta com um programa de Governo às eleições legislativas. Não foi esta a primeira vez em que isso aconteceu. A dicotomia entre partido de protesto e partido de governo é uma falsa questão. O Bloco está preparado para governar, tem um programa para isso e tem vindo a ganhar força, resgatando a esperança de quem hoje perdeu o horizonte de uma vida melhor.
Que contributo acha que pode dar no parlamento pela sua geração? Tem na cabeça propostas daquelas que se diz “se eu fosse deputado faria isto”?
As áreas da Educação, da Precariedade e do Desemprego jovem são aquelas onde sinto que posso ser mais útil. Dentro do programa que o Bloco apresentou a estas eleições, destaco algumas matérias que para mim me parecem urgentes: gratuitidade da escolaridade obrigatória, nas condições básicas de matrícula, alimentação, manuais e material escolar, como requisito da extensão para doze anos de escolaridade.
Criação de bolsas de empréstimos de manuais, através de um programa faseado de aquisição e fornecimento gratuito de manuais escolares a todos os alunos da escolaridade obrigatória. Apoio às escolas que assumam no seu projecto educativo a não adopção de manual e que apostem na diversificação de materiais e na elaboração de materiais próprios.
Reforço de professores, técnicos especializados e funcionários, com contractos estáveis; por uma avaliação credível, que se inicia pelas escolas em contexto, alia vertentes internas e externas, e assume a dimensão colectiva do trabalho docente; por um horário de trabalho que reconheça o aumento do tempo de qualidade para todo o trabalho docente vergonhosamente silenciado, e para dar resposta às exigências de mudança na escola pública. Revisão do regulamento de bolsas, de modo a alargar o universo de beneficiários da acção social escolar directa, reformulando-se a fórmula de cálculo e definindo um calendário certo e regular para a transferência das bolsas.
Além disso, o Bloco propõe a isenção imediata de propinas para os estudantes bolseiros, para os desempregados e para os estudantes cujo rendimento per capita esteja abaixo do limiar de pobreza, o alargamento da rede de residências universitárias e o reconhecimento dos direitos dos estudantes-trabalhadores. O investimento em ciência e investigação deve atingir 3% do PIB, tal como definido em compromissos europeus. O financiamento da ciência deve não apenas ser retomado, sob um processo de avaliação de unidades que seja transparente e claro nos critérios e nas regras, com painéis de avaliação sólidos, participação e auto-regulação dos cientistas, considerando investigação fundamental e compromisso social.
– Apesar de ser o mais novo deputado, que conselho dá aos deputados mais velhos para moralizar o parlamento?
Não tenho nenhum objectivo de moralizar o parlamento nem de abrir qualquer movimentação que tenha como intenção um choque de gerações. O que me leva ao parlamento são propostas alternativas para recuperar o salário roubado, a pensão cortada, a bolsa de acção social perdida e trazer os jovens que tiveram de emigrar novamente para Portugal. Para isso, é necessário uma política que resgate a esperança, com medidas económicas que são exactamente o contrário da austeridade – implementam políticas de emprego, devolvem poder de compra aos trabalhadores, põem a pagar impostos quem nunca os pagou – grandes grupos económicos, banca privada. E para essa luta contamos com toda a gente que combata a austeridade, desde o jovem que luta por melhores condições na sua escola até à pensionista que hoje não consegue viver com o que recebe ao fim do mês.
– Vai cortar o cabelo e vestir fato para se sentar na AR?
Não. Se um dia o cortar não é porque me sinta na obrigação de o fazer para assumir o cargo de deputado na AR. Vesti fato uma vez na minha vida: foi no baile de finalistas no final do ensino secundário. E não usei gravata.
– O que nunca fará como deputado?
Servir-me desse cargo para outra coisa que não seja servir o povo.
– Que conselho daria a Catarina Martins nesta fase em que há que escolher entre os acordos à esquerda ou à direita, para a formação de um governo estável que defenda os interesses dos portugueses e não dos políticos?
Em primeiro lugar, o que vivemos hoje é uma defesa de grandes interesses económicos e financeiros através dos seus agentes políticos, hoje representados pela Direita portuguesa. Ou seja, a questão não se prende directamente com a população VS a classe política; prende-se sim, com quem hoje escolhe defender um sistema financeiro que vive à custa da chantagem da dívida ou quem escolhe defender o emprego com salário digno e direitos laborais. É essa a luta dos nossos dias. No Bloco, as propostas são discutidas colectivamente e, por isso, todas as conversas que terei com Catarina Martins não serão nunca em jeito de conselho ou segredo mas sim de debate franco e aberto.