Desde logo, nos dois entrevistadores que se mostraram algo tensos, por vezes quase agressivos, interrompendo o Presidente a meio de uma explicação, outras vezes parecendo não saberem bem o que perguntar-lhe.
O Presidente, esse, parecia divertido, como sempre. A começar pelo cenário que escolheu (ou lhe escolheram) – uma pequena sala situada na parte residencial do palácio onde Soares tomava café depois de um almoço de trabalho com assessores. Marcelo apresentou-se como sempre descontraído e sorridente encarando as perguntas como pretexto para uma amena e informal cavaqueira que contrastava com o ar sisudo dos entrevistadores.
Marcelo aproveitou a entrevista para explicar o que pensa da acção governativa e mostrar que em quase tudo está de acordo com o governo. Revelou um conhecimento aprofundado dos dossiês e não escondeu que foi um dinamizador do acordo de concertação social e da baixa da TSU que tanta agitação tem provocado. Não se lhe encontra uma dissonância que seja, em relação à governação, quer se trate do sistema bancário, da política externa ou das prioridades para a economia.
Uma consonância assim, entre um Presidente oriundo da direita e um governo oriundo e apoiado pela esquerda, não surge por acaso nem é fácil de conseguir. Diria que só pode ser obra de um génio da política e esse ou é Marcelo ou é António Costa ou são ambos. A resposta talvez possa ser encontrada em saber a quem interessa mais esta consonância quase absoluta, se ao Presidente se ao primeiro-ministro. Ou será que interessa a ambos?
Ora, o conhecimento detalhado que Marcelo revela sobre os dossiês da governação e a naturalidade com que opina sobre áreas da competência do executivo só pode acontecer porque António Costa criou com o Presidente um clima de confiança, abertura e confidencialidade que vai muito além da relação normal entre os dois órgãos de soberania e que permite ao Presidente invadir a esfera do governo sem com isso causar neste dramas ou melindres.
Costa percebeu a inelutável apetência de Marcelo pelo protagonismo mediático e a sua necessidade de persuadir e influenciar pela palavra. Por seu turno, Marcelo percebeu que lhe seria impossível “dar a mão” a Passos Coelho porque a sua incoerência política e o seu radicalismo ressabiado não são regeneráveis e acabariam por contaminar a sua presidência.
Entre Marcelo e Costa as coisas articulam-se: Costa dá a Marcelo o enredo da peça que Marcelo leva ao palco. Marcelo retribui o gesto valorizando o enredo e mostrando como se representa em palco. Marcelo é muito melhor actor do que Costa. Costa é melhor na concepção da peça. São duas inteligências que se juntaram num momento inédito e talvez breve mas que valeu a pena….
A entrevista de Marcelo funcionou para António Costa como o guarda-chuva com que este o protegeu no comício à chuva em Paris.
Artigo publicado originalmente no blog VAI E VEM