Desde logo é anunciado como se tratando de uma obra destinada aos fãs de A Rapariga no Comboio de Paula Hawkins. Contudo, na nossa opinião, As Desaparecidas supera em muito A Rapariga no Comboio, quer através da sua interessante estrutura, quer no conteúdo, nomeadamente, na caraterização rigorosa das personagens, para além da cativante história.
No essencial, trata-se de uma perturbadora revisitação de acontecimentos ocorridos dez anos antes, aquando do misterioso desaparecimento duma jovem rapariga. Este regresso ao passado é despoletado por um novo desaparecimento, desta vez da actual companheira do ex-namorado da narradora, Nicolette Farrell. Esta, que regressara à sua cidade natal para tratar do pai, vítima de uma demência progressiva, vai enfrentar os segredos e as mentiras dos seus amigos, os seus relacionamentos ocultos, as suas simulações.
Tudo isto, confinado ao cenário de uma pequena cidade do sul dos EUA (“éramos uma vila cheia de medos, à procura de respostas (…) uma vila cheia de mentirosos”), uma comunidade rural, cercada de montanhas e de florestas (“as matas têm olhos”), de sombras e de verdades enterradas, de histórias mal contadas e de revelações surpreendentes (“as pessoas são como matrioskas”).
Por outro lado, a estrutura narrativa também se revela deveras interessante. Partindo do pressuposto kierkgaardiano (que cita em epígrafe) de que o conhecimento de algo se faz retomando a génese do seu acontecer, a história vai avançando e recuando no tempo. Cada capítulo é mais um dia de regresso ao passado, à compreensão do labirinto de acontecimentos e declarações. Vamos progredindo, avançando para os inesperados acontecimentos da véspera.
O que é uma excelente maneira de nos irmos surpreendendo à medida que se vão multiplicando as perspectivas, os olhares e, ao mesmo tempo, se anulam as convicções do leitor. Mas é isso que se pretende: o leitor dos thrillers gosta de ser surpreendido, de ver postas em causa as suas certezas, de se ver obrigado, constantemente, a refazer interpretações.
Se há género que joga com o leitor e o seu horizonte de recepção, como um autêntico jogador de xadrez como recordava Umberto Eco no seu Lector In Fabula, prevendo as suas jogadas e anulando as suas previsíveis iniciativas, é o romance policial.
Em suma, é possível que o universo de leitores de As Desaparecidas possa ser o das fãs de A Rapariga no Comboio, que constitui (e constitui ainda) um verdadeiro êxito editorial e que se prepara para passar ao cinema. Porém, não temos dúvidas que o presente romance desta bióloga de formação (formada no MIT!) mas que se revela aqui uma excelente escritora de thriller psicológicos poderá vir a tornar-se um igual fenómeno de vendas. Só ficamos à espera da publicação em Portugal dos seus outros romances. Isto para não falar do seu próximo trabalho que sairá nos Estados Unidos no próximo ano e cujo título promete: The Perfect Stranger!…
Megan Miranda, As Desaparecidas, Ed. 20Ι20, 2016, 351 pp