João Carneiro é presidente da Junta de Freguesia.
João Carneiro é ao mesmo tempo presidente do clube da freguesia.
Um dia João Carneiro, presidente do Clube, escreve a João Carneiro, Presidente da Junta, a pedir dinheiro para relvarem o campo «isto está uma vergonha, e tu, enquanto presidente da Junta tens o dever de me ajudar a relvar o campo e construir novos balneários. Caso contrário, perco as próximas eleições».
João Carneiro, presidente da Junta, responde a João Carneiro, presidente do clube: «tu deves é estar doido…então eu que ainda tenho tanta obra para fazer, até saneamento básico, um lar para a terceira idade, ia gastar dinheiro com o futebol? Mas estás doido? Não levas nem um tusto…querem ver que querias que eu levasse uma abada nas eleições?»
João Carneiro, presidente do Clube não gostou nada, mas nada da resposta.
– Pois fica sabendo que vou fazer uma campanha contra ti como não há memória, e quero lá saber que tu sejas eu. Estás armado em sacana…só agora é que te lembras das «obras»? três anos depois? Enfim, prepara-te.
João Carneiro, presidente da Junta, não era homem para se ficar:
– És muito selvagem, pá. Eu é que te vou lixar, divulgar estas cartas, para o povo ver o teu carácter…um campo relvado com pessoas pobres na zona a necessitarem de apoios básicos…vai-te preparando para jamais seres reeleito. Safado!
A partir daí todo o bairro assistiu a uma guerra de palavras e de maledicência jamais vista em qualquer parte do mundo. As mesmas pessoas a digladiarem-se feroz e brutalmente.
O povo, incrédulo, comentava que João Carneiro tinha enlouquecido. Só podia ser.
Até que um dia o presidente da Junta, João Carneiro, começou a organizar uma manifestação contra ele próprio enquanto presidente do Clube.
João Carneiro, não se ficou e apelou aos sócios do clube que se organizassem numa contramanifestação contra ele na qualidade de presidente da Junta.
Os mandatários de um e de outro lado encontraram-se e decidiram que o melhor local para as manifes seria no Bar dos Canalhas. O espaço era bom, havia comes e bebes, e até podia ser que a coisa se transformasse num convívio em vez de uma mais que previsível batalha de palavras e quem sabe até de pauladas.
João Carneiro presidente da Junta aceitou e João Carneiro presidente do clube não se opôs.
Na noite do confronto a banda da Junta e a claque do clube combinaram dar um pequeno show no palco.
O bar foi fechado a outros clientes que reclamaram a marginalização. A sala foi dividida ao meio. Havia mais apoiantes de João Carneiro, presidente da Junta do que de João Carneiro, presidente do clube.
O primeiro, por sorteio, a falar foi João presidente da Clube:
– Camaradas, o presidente da Junta, que sou eu, porque assim quer e pode, recusa-se a pagar o arrelvamento do nosso campo, assim como o melhoramento dos balneários, que fedem até para dentro das quatro linhas. O homem é contra a modernização e contra o desenvolvimento desportivo. Não merece, portanto, continuar no lugar que ocupa, que já agora informo, foi obtido com muito dinheirinho por baixo da mesa.
O bar ia indo abaixo entre aplausos e assobiadelas.
Tomando a palavra, o presidente da Junta, João Carneiro, abriu ao ataque:
-Portugal precisa de se lavar de tipos como este, que por acaso também sou eu, de se lavar destas companhias, e Portugal tem tantos rios para isso. Este gajo, virou-se para ele próprio, este «presidente» do clube em vez de ir passar férias duas vezes por ano a terras de marijuana devia era poupar e investir no clube de que tanto diz gostar, mas que mete umas massas no bolso da publicidade à volta do campo.
Ladrões para aqui, ladrões para acolá, o povo concluiu que João Carneiro era um crápula em duplicado. E ali mesmo, apoiantes de um lado e do outro juntaram-se nos copos e decidiram correr com «ambos» dos cargos, acabar com o monopólio das relíquias do bairro.
João Carneiro, acompanhado da família saiu sob uma monumental vaia, enquanto, vergado pela dor e pela vergonha, dizia para a mulher: mas quem me manda a mim confiar em mim?
Enfim…
Matéria é o que não falta às discórdias humanas.