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Sexta-feira, Julho 26, 2024

Esclarecimento sobre o memorando entre a RTP e a FPF

A propósito da misteriosa “transferência” de Carlos Daniel da RTP para a Federação Portuguesa de Futebol, entre outros mistérios em curso na RTP, publicamos um esclarecimento da Comissão de Trabalhadores do operador de serviço público de televisão.

Apesar das tentativas de “spinning” em curso, a Comissão de Trabalhadores da RTP esclarece que, não tendo revelado o documento que recebeu, escreveu à ERC porque em sua opinião este memorando viola algumas disposições legais a que empresa está sujeita, incorrendo em penalizações severas caso as mesmas sejam violadas. Entendemos que o acordo não deveria ter sido assinado e que a supervisão da empresa não o deveria ter validado, porque:

  1. A RTP compromete-se a fornecer ao canal da FPF 100 horas de imagens de arquivo e 52 jogos integrais de futebol, recebendo em troca o acesso ao arquivo da FPF que, com todo o respeito pela instituição, não tem qualquer comparação com o arquivo da RTP e programas que ainda não existem e aos quais é impossível atribuir um valor.
  2. O objecto do contrato versa apenas sobre a modalidade futebol, mas a RTP aceita partilhar recursos com o canal da Federação em grandes eventos desportivos internacionais, o que não é a mesma coisa, e isso deveria ser claro.
  3. A RTP faculta à FPF o uso das instalações do Centro de Produção do Norte para a actividade do Canal 11, mas não diz nem quais, nem quem paga. Esta questão levanta logo problemas concorrenciais, porque a CT entende que a RTP pode ser acusada de estar a baixar os custos de contexto de um canal privado de cabo através da utilização privilegiada de instalações de uma empresa pública sem custos definidos.
  4. Outro dos pontos diz que “por solicitação expressa” da FPF a RTP pode através deste memorando ceder ao Canal da FPF trabalhadores do seu quadro de pessoal, mediante o “enquadramento legal adequado”, em condições a acordar e a formalizar. A CT esclarece que o enquadramento legal adequado que se aplica aos trabalhadores do quadro é o Acordo de Empresa ou Código de Trabalho e em nossa opinião nenhum dos dois permite isto. A cedência ocasional de pessoal prevista no Código de Trabalho não se aplica neste caso.
  5. A CT não consegue ainda entender como é que o CA possa ter achado que assinar um documento onde cede trabalhadores a outras entidades, nada tenha a ver com as organizações que os representam, nem consegue entender como é que o CGI possa validar essa posição. Mesmo que fosse possível esta cedência – que repetimos, entendemos que não é -, quais as condições a acordar? Com a RTP ou com os trabalhadores em causa? Os jornalistas da empresa são agora prestadores de serviços ao dispor da Administração da RTP ou da FPF? E se não quiserem ir?
  6. Entende a CT que a RTP não pode, ao mesmo tempo, estar a pedir autorização para contratar livremente e a assinar memorandos para ceder os seus trabalhadores a canais privados em início de actividade. É um contrasenso.
  7. A CT lembra que este memorando não pode ser comparado de forma alguma com a fundação da SPORTTV – que não terá sido um bom negócio para a empresa – dado que nesse caso a RTP era accionista do canal.
  8. O ponto 5.5. do memorando diz o seguinte: “De acordo com os interesses editoriais da FPF e desde que a RTP obtenha autorização da EBU – European Broadcasting Union, a FPF aceita que a RTP utilize o canal 11 para explorar a sua carteira de direitos de transmissões desportivas, em eventos organizados pela FIFA e pela UEFA.” A CT entende que a RTP pode estar a envolver-se em gravíssimos problemas em termos concorrenciais, porque esta redação não pode ser aceite como uma normal venda ou cedência de direitos desportivos a outrem, mas pode ser entendida como um possível “aluguer de espaço” de emissão para ultrapassar os limites de exploração comercial definidos na lei. Até porque o ponto não estabelece a contrapartida para a RTP (a FPF paga apenas os encargos da transmissão).
  9. A CT entende que a administração da RTP não poderia nunca assinar um contrato onde esteja escrito o seguinte: “5.5.3 – A RTP procederá à acreditação das equipas do canal “11” destacadas para a cobertura destes eventos, como se de equipas da RTP se tratassem”.

É preciso perceber que não estamos a falar aqui de produções para a emissão da RTP sob controlo técnico ou organizacional da empresa, onde é normal a existência de equipas mistas. Estamos a falar de operações para a emissão num canal privado de cabo, sob controlo do mesmo e onde os trabalhadores desse canal são identificados junto dos organizadores desse evento como sendo equipas da RTP. Este texto coloca questões de responsabilidade civil da RTP, editorial, e até de negociação de boa fé. Porque pode dar-se o caso de alguém achar estranho que duas entidades passem a escrito a intenção de passar trabalhadores de uma para outra, para ludibriar uma terceira. Se este negócio e as suas práticas são perfeitamente legítimas, então para quê fazer passar um trabalhador de uma empresa por outra perante o “host”? Não nos parece que numa empresa pública, membro da EBU, sejam adequadas este tipo de práticas. Faz toda a diferença ser um trabalhador da RTP, um trabalhador ao serviço da RTP, e um trabalhador ao serviço de outra empresa identificado erroneamente como sendo da RTP.

A Comissão de Trabalhadores pediu também à ERC que inquirisse junto dos próprios se a actual e o ex-Director de Informação da RTP foram consultados antes da celebração do referido memorando.

Entendeu a CT que, dadas as questões legais que se levantam e os valores astronómicos envolvidos caso a empresa venha a colocar-se numa disputa por concorrência desleal, seria necessário enviar as dúvidas da Comissão de Trabalhadores em carta à ERC, dado que nos parece óbvio que a supervisão na RTP não está a funcionar e que o regulador terá que intervir.

Lisboa, 8 de Março de 2019

A Comissão dos Trabalhadores
[email protected]

Recorda-se, a propósito, que as circunstancias que rodeiam a referida “transferência” são assaz invulgares uma vez que o jornalista Carlos Daniel não abandona os quadros da RTP, metendo apenas uma “licença sem vencimento”, mas passa a integrar os quadros da Federação Portuguesa de Futebol.

A cereja no topo do bolo deste negócio estranhíssimo é o secretismo que o rodea sem que os valores envolvidos tenham sido dados a conhecer o que é tanto mais estranho quanto uma das entidades é de capital 100% público e a outra está classificada como sendo de interesse público.

Mistérios…!


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