“O que objetivam implementar em nossas escolas é o projeto de um partido só: o partido da intolerância, da ameaça à nossa frágil democracia, à liberdade, à justiça e à educação”.
Saímos há pouco das eleições mais difíceis desde o acontecimento da redemocratização. A onda de notícias falsas – popularmente conhecidas como fake news – fez enganar meu avô, sua mãe e a tia do seu amigo, os quais em um piscar de olhos passaram a acreditar em mitos que incluem mamadeira com órgão genital, kit gay e a colocação de que tudo isso é proveniente das instituições escolares e seus respectivos professores, adjetivados “doutrinadores”. Não nos causa espanto o retorno do projeto de lei “Escola sem partido” às discussões constitucionais entre as paredes dos congressos e câmaras, justamente após o conturbado período eleitoral. Irredutivelmente surgue o questionamento: qual o real significado de tal PL?
O artigo 2º do projeto de lei afirma que a educação nacional deverá atender aos princípios de neutralidade política, ideológica e religiosa, e que nada de cunho político deve ser debatido em sala de aula – o que é controverso, a partir do momento no qual o homem é indubitavelmente um animal político, segundo a filosofia grega de Aristóteles – a fim de ausentar possíveis conflitos à religião e costumes dos responsáveis ou do próprio estudante. Percebe-se que trata apenas de uma vertente religiosa, e a partir desta, a individualidade de outros estudantes deverá ser escondida, partindo do pressuposto o qual enquadra o debate sobre gênero, o combate aos preconceitos tais como LGBTfobia, racismo e intolerância religiosa numa roupagem de “doutrinação”, em que os professores poderão ser denunciados, inclusive.
A maior justificativa é de que o ambiente escolar tem como papel principal “ensinar e não educar”, assim como os professores “travestidos de militantes” devem parar de formar “comunistas”. É problemático e doloroso ver o que desejam como obrigação aos tão aguerridos professores, fadados a submissão. Em diversos estados, os mesmos recebem salários parcelados, trabalham sem mínimas condições estruturais e pedagógicas, e mesmo assim continuam exercendo o trabalho com excelência e maestria. O dito “comunismo” nas mentes de indivíduos tal como Magno Malta, Silas Malafaia ou políticos de partidos como o PP – o partido com mais escândalo de corrupção – ou PSL – o partido mais fiel e leal a Michel Temer -, é caracterizado pelo respeito e pela defesa dos direitos de todo o povo brasileiro. A escola e todo o ambiente escolar devem ser espaços de conhecimento da história em todas as suas vertentes, de respeito ao próximo e ao diferente assim como de preparação educacional, para os meninos e meninas que construirão um Brasil diferente dos árduos e ríspidos relatos os quais nos habituamos a encontrar nas obras literárias.
Torna-se impossível não lembrar dos fatídicos anos de chumbo e da enorme cicatriz obtida para a história do Brasil por meio da tentativa de calar a nossa aguerrida juventude. Almejam um exército de pessoas alienadas, cuja ausência de senso crítico permaneça, pessoas conformadas com a desigualdade e com os males da injustiça. O que o discurso da “moral” e dos “bons costumes” esconde é a pior face daqueles que utilizam a política como meio de realização dos projetos individuais. Pessoas envolvidas em diversos escândalos, mas que usam da religião como palanque para incentivar a alienação daqueles que hoje se manifestam contra tal absurdo.
O que objetivam implementar em nossas escolas é o projeto de um partido só: o partido da intolerância, da ameaça à nossa frágil democracia, à liberdade, à justiça e à educação. Precisamos estar atentos, unidos e organizados juntamente aos estudantes que dão a vida para defender esse país. A UBES, a UNE e a ANPG mais do que nunca compõem nosso pilar como base estrutural, e por meio dessa tríplice – somada a tantos outros movimentos coniventes – organizaremos a juventude e defenderemos o Brasil. Se há mesmo um interesse em melhorar a educação por parte dos políticos defensores desse PL, convido que se juntem a nós contra o roubo das merendas, das verbas, dos materiais das escolas técnicas e contra o pacote de retrocessos que ameaçam o funcionamento das instituições de ensino, e limitam por 20 anos os investimentos nos serviços públicos.
Ausentar debates de cunho político nas instituições escolares, e apertar as amarras que limitam o conhecimento amplo dos estudantes foge aos preceitos educacionais afirmados pelo célebre – e agora infelizmente ameaçado de desconsideração – Paulo Freire, “ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção.”
Retroceder aos tempos nos quais os estudantes não obtinham liberdade de expressão, e os profissionais da educação carregavam consigo o medo de lecionar é inadmissível num país tão plural, além de caracterizar um ataque a constituição.
Por Rozana Barroso, Diretora de Escolas Técnicas da União Brasileira de Estudantes Secundaristas (Ubes) | Texto em português do Brasil
Exclusivo Editorial PV / Tornado
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