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Sábado, Novembro 2, 2024

A escola liberta

Mendo Henriques
Mendo Henriques
Professor na Universidade Católica Portuguesa
Faculdade de Ciências Humanas, Universidade Católica Portuguesa
Faculdade de Ciências Humanas, Universidade Católica Portuguesa

Sabe-se que ainda não há dados sobre quantos colégios privados serão afectados (dos 85 com contratos num universo de 759 escolas).

Sabe-se que destes 85 colégios espalhados pelo país, uma boa fatia pertence ao grupo GPS com 26 colégios e mais de 50 empresas, em variadas áreas de negócio educativo.

Sabe-se que em 2011, a ministra Isabel Alçada perguntou à Universidade de Coimbra o que fazer nestes casos. António Rochette concluiu que era possível cortar 80% dos contratos de associação. Em entrevista ao Expresso, António Rochette fala das pressões brutais que sentiu. E não se referiu à Igreja. Referiu-se a lobbies com interesses a falarem mais alto e oriundos do PS e do PSD, do centrão dos negócios.

Sabe-se que, em Dezembro de 2012 a jornalista Ana Leal, da TVI, reportou os elos entre o grupo GPS e os lobbies de ex-dirigentes políticos e administrativos do sector da educação. Em ano e meio, o GPS recebera do Estado mais de 52 milhões. Como avisou Vital Moreira se os donos das escolas privadas forem para tribunal sairão vencidos, porque afinal foi o estado que fez contratos ilegais porque desnecessários e o Governo só tem de invocar a ilegalidade desses contratos para deixar de os cumprir.

Sabe-se a história do novo rico tuga, filho da chico-espertice e director da Escola de São Mamede, que tinha 80 automóveis enquanto o filho era proprietário de 17. O seu negócio era turmas. Os amigos no ministério cortavam turmas no ensino público e entregavam-nas à escola privada, do outro lado da rua, juntamente com um cheque de 80.500 euros/ano para cada turma.

Turmas. A luta pelas turmas. Afinal é esta a questão sobre a qual vale a pena dar novidades. Mais importante do que discutir 85 contratos de associação de escolas, é concentrar os nossos recursos e atenções no que fazer com as turmas, com a sala de aula.

escoladaponte

 

As organizações de referência em educação sabem o que fazer há muito tempo. A Escola da Ponte, com José Pacheco, foi a primeira escola pública em Portugal a celebrar um contrato de autonomia há mais de vinte anos. E José Pacheco soube criar turmas sem testes, nem livros únicos, nem toques de campainha, criando sucesso à sua volta. É a única escola portuguesa que tem uma placa no MIT, em Boston, pela inspiração que deu a centenas de escolas norte-americanas.

A Companhia de Jesus na Catalunha. Em 2015 decidiu transformar o formato da sala de aula. Sem testes, nem cursos, nem toques de campainha. Aprendeu que a aprendizagem na aula corre muito melhor se for centrada na vivência e resolução de problemas do que em debitar e memorizar matéria; como queria sua excelência o dinossauro ministro Crato e a sua escola mordida pela austeridade mas que arranjou mais uns trocos para as privadas em 2013.

Ou a Finlândia. O país retratado por Michael Moore entendeu que a sala de aula não é para processar informação mas para viver a informação que os alunos já trazem da internet das suas vidas.

Portugal só massificou a escola após o 25 de Abril. Chegou, com esforço mas finalmente, aos 5% de analfabetos em 2011. Agora é a hora da qualidade na turma. Para tal é preciso muita coisa; novas condições organizacionais, autonomia de cada escola, melhoria das aprendizagens.

As escolas não melhoram por decreto nem por legislação. Nem por contratos de associação. Melhoram se souberem aprender. Chama-se a isto no século XXI uma organização aprendente!

A grande mudança começa na sala de aula. É aí o local de aprendizagem, o que interessa a alunos, professores e pais; o resto, deve estar ao serviço deste lugar criativo, exigente e apaixonado. E só a escola pública pode massificar esta nova transformação. O ensino particular e cooperativo terá o seu papel subsidiário.

Informação? Está toda na internet. Transmissão? O professor tem mais que fazer. Escutar? O aluno não quer ser passivo. Transformar a informação em conhecimento e convivência, essa é a tarefa da escola.

Conheço muitos professores. Não me lembro de nenhum irresponsável, de nenhum despreocupado com a escola. O percurso e a evolução que fizeram é notável nas últimas quatro décadas. Contra as visões pessimistas, o criador dos testes PISA Andreas Schleicher diz que a escola portuguesa tem vindo a melhorar e sem facilitismos.

A escola pública portuguesa tem qualidade. Mas é preciso que todos tenham acesso ao sucesso. Todos os dias se fazem milagres na escola pública, aquela que recebe todos, todas as cores e todas as vozes, e sobretudo os mais desfavorecidos, os carenciados, os excluídos, os que não falam português, os sem dinheiro para os livros, os que têm pais desempregados, ou que trabalham e continuam pobres.

No século XXI, Portugal não pode deixar jovens fora das escolas. É preciso vencer o abandono. Os custos do abandono escolar são altos demais para a sociedade.

Para termos uma economia competitiva, uma sociedade com desenvolvimento, é necessário esse ensino de proximidade.

Chegou o momento de dignificar a escola pública e de lhe dar condições para exercer as suas funções mais nobres; mexer com as mentes e corações dos alunos na sala de aula.

Deixem trabalhar quem sabe fazer isso.

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