Passaram-se já meia dezena de anos desde que chegamos ao mágico círculo literário das Correntes D’Escritas que, há vinte consecutivos anos, acontecem na acolhedora cidade portuguesa da Póvoa de Varzim.
Desta feita, neste Fevereiro de 2019, mais uma vez lá estivemos espalhando a simpatia da nossa graça, honrando o convite para a participação na festa literária que, mais que a maioridade, acaba de conhecer a edição de 20 distintas realizações
Indiscutivelmente, as Correntes D’Escritas, transformaram-se no mais velho festival literário de Portugal e na maior festa feita… celebração da escrita, do livro e da leitura no universo artístico da língua portuguesa. No mundo ibérico e arredores.
Diz-se que no primeiro ano estavam pouco mais de duas dezenas de escribas, amenamente conversando entre si, em razão de um projecto apoiado pela Câmara local e trazido, pelo então «jovem» Chico Guedes, como exemplo do que já acontecia nos grandes mundos da emigração. Certamente, os presentes do primeiro ano, sonharam com um vigésimo momento, tal como sonhamos agora, com um trigésimo, um quadragésimo e porque não um quinquagésimo momento de celebração, d’Correntes, no caso de ainda cá estarmos mesmo que resistindo às portas do além.
Convidar, receber, reunir, alojar, alimentar e finalmente, oito dias passados, despedir-se de mais de centena e meia de cultores da palavra e maioritariamente cultores da palavra poética, implica algum muito, engenho e arte. Aturar ensurdecedores silêncios de estranhos economizantes da palavra comum, explica alguma paciência. Engolir madrugadores ruídos, gritos e assobios de etílica motivação complica o sono e o merecido descanso. Entretanto, muito boa gente ali estava para, atenciosamente, vinte e quatro sobre vinte e quatro, atender outra gente complicada. Com fusos, hábitos, estilos e costumes invertidos e até mesmo lunáticos.
Nos últimos cinc’anitos, a Manela na curadoria e coordenação do evento, o Bitor na sintonia e apoio logístico, o Basco, a Raquel , a Alice e uma muito mais alargada equipa de apoio, contando até com um bem identificado Kadiapemba lá do sitio, têm andado por ali para o que der e vier. Notada uma ou outra ausência, compensada com uma ou outra aquisição, eles são mesmo os mesmos. Especializados, eficientes e anualmente rejuvenescidos paus, para aquela obra que resulta altamente impecável.
Exactamente, cento e cinquenta e cinco convidados. Autores, editores, livreiros e umas quantas milhares de presenças do publico local, visivelmente amante de livros e da boa literatura. Escritores vindos de mais de vinte países para ali, em somente oito dias proceder ao lançamento de mais de quarenta títulos de livros inéditos. Os Anúncios e entrega de prémios marcaram a abertura e o encerramento das Correntes, respectivamente, no magestoso Casino da Póvoa e no renovado Cine-Teatro local.
A afirmação, confirmação e a consagração de eloquentes escritores, utentes da língua portuguesa e não só, reflectiram-se na sublimação dos corredores das Galerias Euracini e da sala Principal do Cine-Teatro Garrett, dia após dia, quase que rebentando pelas costuras tal era a inimaginável presença da comunidade poveira que logo pela manhã lá se ia posicionando em filas de acesso ao auditório e outros úteis espaços.
Angola, apresentou-se sempre com autores de elevado prestígio e representatividade. Nesta edição, celebrando também a palavra, o destaque angolano vai para a nossa ilustre «mana mais velha» Ana Paula Tavares que, por razões óbvias, há muito não passava por ali. A sua presença agora foi também veloz e supersónica por razões académico-laborais. Destaque também para o nosso «puto mais novo». O Ondjaki é um dos novos angolanos, respeitados e respeitadores que, mesmo desconhecendo o facto, tem sabido nos ensinar a gostar dele como pessoa e da sua já considerável bibliografia enquanto autor. É mesmo um movimentado e sublime poeta «à maneira mangolê» que tão bem fabrica versos nas oficinas da sua polida prosa.
Também a africana presença de Cabo Verde foi de realce. Jorge Carlos Fonseca, enquanto presidente em exercício da CPLP, procedeu a conferencia de abertura do evento, na presença do afectuoso cidadão e presidente português Marcelo Rebelo de Sousa. O também presidente de Cabo Verde, publicamente reflectiu fazendo profundas incursões em torno de um tema que não raras vezes referenciámos pois, é fundamental pensarmos e discutirmos, em permanência, questões ligadas a mobilidade e circulação dos cidadãos e principalmente dos artistas no seio da Comunidade. Na pele de um verdadeiro e profundo amante das belas letras, o presidente cabo-verdiano puxou, retirou e ensacou a sua gravata de pura seda, também, entre alguns, conhecida como sendo a mais celebre coleira social. Em grau de paridade, descomplexadamente conversando e trocando experiências com outros em igualdade de circunstâncias, circulando sem cerimónias pelos corredores e salas de refeições, servindo-se, comendo e bebendo como os demais, prosseguiu participando do festival, sendo um dos quarenta autores que ali apresentaram os seus mais recentes títulos de poesia, convenientemente aplaudidos e celebrados. Vimo-lo como um exemplo de «Homem» académico e político culto. Homens destes é que bem merece o «subatrasado» continente berço das «palhaciçes».
O presidente da República. O ministro da Cultura, Abrão Vicente, também na condição de autor/escritor e mais dois outros, o Arménio Vieira e o Germano Almeida, ambos laureados com o Prémio Camões, estavam ali prestigiando-se, prestigiando Cabo Verde, prestigiando a África e prestigiando o próprio festival, com a sua presença. Acreditamos que dali não saíram, nem mais gordos, nem mais magros. Saíram sim, muito mais cultos, experientes e motivados, tal como todos os outros participantes, em razão das escritas.