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Segunda-feira, Dezembro 23, 2024

Espanha nação, Catalunha nação – II

João Vasconcelos Costa
João Vasconcelos Costa
Investigador e professor universitário (Virologia Molecular), depois dirigente de um instituto de investigação, ensino e cooperação, hoje reformado.

O processo catalão foi irrealista, confuso e precipitado. A escassa maioria parlamentar procedeu arrogantemente, contra praticamente outra metade da população. Ignorou o estado espanhol, como se pudesse pensar que ficaria indiferente. E não incluiu um projecto de avanços da democracia e de medidas económicas e sociais (pudera, num independentismo de direita) que mobilizassem as classes trabalhadoras.As eleições catalãs de 21 de Dezembro (21D) foram eleições legislativas, convocadas pelo governo de Madrid ao abrigo do artigo constitucional 155º, de intervenção nas comunidades autónomas. Todavia, tiveram para quase todos os intervenientes, independentistas ou unionistas também para a comunicação social, um carácter claramente plebiscitário. Quem seguiu a campanha viu sem dúvida que, com uma excepção, tudo se discutiu no debate sobre independência ou não.

A excepção foi a coligação Podemos com a Esquerda Unida (IU) e o grupo da alcaidessa Ada Colau, com a denominação En Comú-Podem (CeC), que defendeu a superação daquela dualidade simplista, mediante uma revisão constitucional no sentido federativo, e que debateu um programa político próprio de umas eleições legislativas.

Atendendo a esse objectivo plebiscitário, os resultados não adiantaram nada à clarificação da crise iniciada com o referendo ilegal de 1 de Outubro (1O). Com isto, até a agravaram, com a existência de políticas presos ou exilados, mas legitimados pelas eleições. É uma situação inédita, até tristemente caricata, que obriga o inepto Rajoy a negociar, afinal aquilo que nunca quis fazer e o levou a invocar o artigo 155º. Resta saber se os independentistas saberão aproveitar esta oportunidade. Duvido, porque estão também comprometidos com a promessa plebiscitária e porque, afinal, com Rajoy e o PP, são farinha do mesmo saco.

As formações independentistas são a Juntos por Catalunha (JxCat), 21,7% dos votos e 34 mandatos no parlamento de 135 lugares, o partido pujolista da direita catalã, dirigido por Puigdemont; a Esquerda Republicana da Catalunha (ERC), 21,4% e 32 mandatos, e que de esquerda, na realidade, pouco tem; e a Candidatura de Unidade Popular (CUP), 4,5% e 4 mandatos, um partido exclusivamente centrado no independentismo e apoiado por organizações de esquerda radical, numa aliança bizarra com a direita catalã.

No outro lado, a direita retinta, PP e Cidadãos (C’s), 29,6% e 40 mandatos, mais o Partido Socialista (PSC), 13,9% e 17 mandatos. À margem, como se disse, a CeC, com 7,5% e 8 manda-tos. Note-se que, à direita e ao contrário do que se passa a nível nacional, o PP, com 4,2%, é cilindrado pelo C’s, com 25,4% e 37 lugares. Preocupantemente, o C’s teve resultados fortes na cintura industrial de Barcelona e em outros centros de população operária e de pequena classe média. Outro caso, à Le Pen, de captação de votos trabalhadores por partidos bem à direita?

Também se deve assinalar a baixa votação de CeC, muito longe dos 21% nacionais. O seu pro-grama político de esquerda, para a Catalunha e para a Espanha, foi abafado pela querela independentista. O seu discurso sensato e realista, “nem 155 nem DUI” (DUI, isto é, declaração uni-lateral de independência, com defesa de um referendo concertado, afastou o eleitorado polarizado. Parecia independentista demais para os unionistas e demasiado unionista para os independentistas.

A esquerda também foi vítima da sua ambiguidade. Os principais dirigentes, Iglesias e Garzón, eram declaradamente contra o independentismo sem conteúdo social, mas a campanha do CeC acabou por ficar no formalismo da proposta de referendo contratualizado com o governo central, mas sem que CeC anunciasse previamente que opção defenderia nesse futuro referendo.

No cômputo geral, os resultados de 21D não podem valer como audição da vontade popular. Os independentistas têm maioria absoluta de deputados, mas com diferença reduzida, 70 em 135. Mais ainda, esta maioria deve-se apegas à distorção da proporcionalidade no apuramento de mandatos, porque os independentistas não obtiveram a maioria absoluta de votos, ficando-se por 48% dos votos. Numa acção plebiscitária, é claro que são os votos que contam e não o número de deputados, que contaria se estas eleições tivessem sido normalmente legislativas. Tudo isto, para mais, Numa região habitada por uma população mista, em que ninguém sabe ao certo quem é catalão de nação e quem é do resto da Espanha.

Que vai acontecer? Parece inevitável a realização de negociações, mas ninguém parece dar um passo, certamente até à tomada de posse do parlamento e formação do governo da Generalitat. E como, com os principais dirigentes independentistas presos ou exilados, e sob o controlo central ao abrigo do artigo 155º? Formalmente, com o processo do 1O que conduziram, puseram-se à margem da legalidade e até podem ter cometido crimes, numa visão estritamente jurídica. Mas a política nem sempre é o formalismo institucional e os resultados eleitorais mostraram que gozam de largo apoio do eleitorado. A sua libertação e a possibilidade de regresso dos outros é condição mínima para o sucesso, mesmo o início, de negociações.

A única saída parece ser a de um referendo regular, em termos constitucionais, pautado com o governo central. Mas isto implica que cada força política comece já a pensar mais amplamente, sobre o futuro constitucional da Espanha, como pátria de nações, numa situação complexa de inclusão no país de regiões bem definidas, mas sem características de nação, e verdadeiras nações, históricas. É evidente que, ao contrário da situação actual, há que rejeitar um sistema uniforme, considerando as especificadas como fez a II República. Também é necessário reflectir sobre a forma de integração de grandes minorias de “nação espanhola” residentes nas três nações históricas. Finalmente, como balancear os pesos das três nações, Catalunha, País Basco e Galiza, face à grande Espanha restante.

A tese dominante na esquerda é a do federalismo republicano. O republicanismo – geralmente na sua versão presidencialista – parece essencial ao federalismo, tal como ele existe em muitos países. Levanta outro problema, o da actual monarquia, porque os Borbóns conseguiram tecer uma rede de interesses e cumplicidades que se traduz politicamente no forte bloco monárquico da direita mais o PSOE.

O ponto central é que, durante ainda muito tempo, o futuro da Catalunha e de Espanha estão interligados. É um desafio, principalmente para a esquerda, retirando à direita catalã e à direita espanhola o exclusivo do jogo, jogado sujo. E inserindo a questão nacional num projecto mais vasto de progresso democrático, social e económico.

Fora isto, nem Puigdemont nem Rajoy.

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