A Espanha repetiu nas eleições parlamentares deste domingo o cenário das eleições portuguesas de Outubro passado – a direita ganhou, mas terá muita dificuldade em formar governo.
No poder desde 2011, o Partido Popular/PP de Mariano Rajoy obteve 123 dos 350 lugares das Cortes, confirmando a sua posição de maior força política do país. Mas perdeu a maioria absoluta e será necessário recuar aos anos 80 para encontrar uma descida tão acentuada de um partido de direita – um claro castigo do eleitorado pelas duras medidas de austeridade aplicadas nos últimos anos.
Mesmo somando os 40 deputados conquistados pelo Ciudadanos, de Alberto Rivera, a nova formação de centro-direita, o PP estaria ainda longe de conseguir os 176 votos necessários para poder governar.
O próprio Rajoy reconheceu já a dificuldade que terá para se manter no poder. No discurso de celebração da vitória, a noite passada em Madrid, afirmou: “Vou tentar formar um governo estável. Mas não será fácil…”
À esquerda, contra todas as expectativas, os socialistas do PSOE conseguiram para já manter a liderança, obtendo 91 lugares, aguentando, embora com dificuldade, a enorme pressão a que foram submetidos pela crescente força emergente do Podemos, que lhe retirou boa parte do eleitorado, conseguindo 69 deputados.
Tudo somado, foi um dia histórico, em que assistimos – num dos actos eleitorais mais disputados e participados (73%) de sempre, ao rompimento do bipartidarismo dominante em Espanha desde o fim do franquismo, com a emergência no cenário político nacional de dois novos agrupamentos – o Podemos, de Pablo Iglésias, à esquerda, e o Ciudadanos, de Alberto Rivera, à direita.
Mas o cenário não é totalmente idêntico ao português porque em Espanha não existe uma maioria de esquerda capaz de se posicionar como alternativa a um eventual falhanço de Rajoy em formar governo. Juntos, PSOE e Podemos têm mesmo menos lugares no Parlamento do que o PP com o Ciudadanos – 160 contra 163, o que torna tudo mais complicado.
Isto significa que quer a direita quer a esquerda precisam, para governar, do apoio dos partidos nacionalistas ou regionais – Catalunha, País Basco, Canárias…
Por outro lado, uma grande coligação à alemã, invocando os grandes desafios com que o país se defronta – da recuperação económica à ameaça terrorista – parece estar excluída. O PSOE quer romper com a política de austeridade do PP e aliar-se à direita seria correr o risco quase certo de perder a prazo para o Podemos a liderança da esquerda que com tanto esforço agora conseguiu manter.
Abre-se assim um período de incerteza e ansiedade, num país que gosta de coisas claras e definidas, o que vai exigir muito mais diálogo, jogo de cintura e paciência do que até agora.
Há inclusive quem tema que a Espanha possa estar a enveredar pelo caminho que foi o da Itália desde o fim da guerra até há cerca de uma década – quando os governos, devido à fragmentação partidária, duravam em média pouco mais de seis meses…
O ex-primeiro ministro socialista espanhol Felipe Gonzalez advertiu em Maio passado que o país podia estar a caminhar para um cenário italiano com a agravante de não ter italianos para o gerir…
O EL País escreve hoje que já estamos lá e que os espanhóis terão de começar a habituar-se a cenas que até agora só viam pela televisão acontecer em Roma: reuniões sucessivas do chefe do Estado com os dirigentes partidários e a súbita importância dos pequenos partidos, já que cada assento pode valer ouro para ajudar a formar uma maioria.
Para já, uma única coisa é certa – se dentro de dois meses ninguém conseguir formar governo, haverá novas eleições.
Definitivamente, não há almoços grátis – ganha-se em democracia o que se perde em estabilidade.