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Quinta-feira, Novembro 21, 2024

O desejo de morrer na velhice

MeloncolicocomoMunchNo mundo, a cada 40 segundos, uma pessoa decide pôr termo à própria vida. E na maioria dos países europeus, o suicídio ultrapassa as mortes na estrada. Que efeito tem a crise, o desemprego e as dificuldades económicas nestes números?

O desejo de morrer na velhice

Cortes na despesa pública e aumento de impostos podem estar na origem da subida do número de suicídios entre a população idosa. Pelo menos, é esta a conclusão de um estudo britânico revelado em Outubro pela Universidade de Portsmouth.

A investigação, publicada na revista científica «Social Science & Medicine», analisou as estatísticas sobre suicídio nos países da zona euro mais afectados pela crise (Portugal, Itália, Grécia, Irlanda e Espanha). Apesar de não terem feito uma análise individual, os autores estimam que entre 2009 e 2014, as medidas de consolidação fiscal e austeridade podem ter provocado mais de 4500 mortes nos países analisados. E concluíram ainda que, em apenas dois anos (2011 e 2012), a austeridade provocou 2325 suicídios de homens, entre os 65 e 89 anos.

Existe, ou não, fundamento para relacionar austeridade e aumento da taxa de suicídios na população idosa? Álvaro de Carvalho, director do Plano Nacional para a Saúde Mental, explica ao TORNADO, que a evidência científica internacional aponta para um aumento de suicídios em períodos de crise económica e social. Mas, refere que, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), pelo menos na crise internacional actual, haverá mais probabilidade de acontecerem em grupos etários mais baixos, fruto do desemprego e das consequentes dificuldades financeiras, principalmente habitação e compromissos económicos. «Em Portugal, os idosos são o grupo populacional tradicionalmente mais representado neste contexto mas não existem de momento dados fidedignos que permitam assegurar a relação apontada», acrescenta.

Grave problema de saúde pública

O suicídio após os 65 anos de idade é considerado como um dos mais sérios problemas de saúde pública. Também em Portugal, as taxas de suicídio nesta faixa etária são mais elevadas, aumentando consideravelmente a partir dos 75 anos.  Estes dados constam do Plano Nacional de Prevenção do Suicídio (PNPS).

Como explica Álvaro de Carvalho, em 2014 foi proposto às cinco Administrações Regionais de Saúde (ARS) um projecto de identificação e monitorização das pessoas que vivem sozinhas, tendo em vista, particularmente, os mais idosos. O objectivo seria a elaboração de um Plano de Intervenção Individual para os que apresentassem risco de suicídio, a desenvolver através das respectivas redes sociais, concelhias ou de freguesia. «Embora a proposta tivesse sido aceite e contratualizada, não foi ainda possível obter resultados sobre a mesma em qualquer das ARS», adianta Álvaro de Carvalho apesar de assegurar que existem municípios onde esta metodologia está a ser utilizada.

O suicídio idoso corresponde actualmente a quase metade do número de casos em Portugal, recorda Carlos Ramalheira, autor do estudo Epidemiologia do Suicídio em Portugal 1902-2010. Para o investigador a faixa etária acima dos 65 anos tem a incidência mais elevada, várias vezes superior em relação a jovens e trata-se de um grupo «aparentemente mais vulnerável».
O envelhecimento populacional tenderá a aumentar a população em risco «exercendo uma força enorme para o aumento do número de casos», porém, para Carlos Ramalheira, as taxas de suicídio idoso têm vindo a diminuir nos últimos anos. «Este aspecto tem ajudado a contrabalançar a pressão exercida pelo envelhecimento demográfico», acrescenta, ao concluir que esta dinâmica de taxas sugere que «há um conjunto de factores protectores não medidos que têm vindo a diminuir o risco de suicídio neste grupo de idades ao longo das últimas décadas».

Cabeca-explodindoRealidade é desconhecida

Segundo a OMS suicidam-se diariamente em todo o mundo cerca de 3000 pessoas – uma a cada 40 segundos – e, por cada pessoa que se suicida, 20 ou mais cometem tentativas de suicídio.

Na maioria dos países da Europa, o número anual de suicídios supera o das vítimas de acidentes de viação: nos 28 países da União Europeia a taxa média de suicídio por 100 mil habitantes foi, em 2010, de 9,4. Uma taxa superior ao número de mortes nas estradas, que é estimada em 6,5 por 100 mil habitantes. As taxas de suicídio variam entre o máximo de 28,5 na Lituânia e 2,9 na Grécia.

Em Portugal, a taxa de suicídios por 100 mil habitantes, em 2010, foi de 10,3, taxa superior à de quaisquer outras mortes violentas, nomeadamente por acidentes de viação e acidentes de trabalho. Dados mais recentes apontam para 1074 suicidas no ano passado, contra 480 que morreram nas estradas do país. Os números reais serão bastante mais dramáticos, já que o suicídio constitui um «fenómeno reconhecidamente sub-declarado», fortemente estigmatizado por razões de ordem religiosa, sócio-cultural e política, como descrevem os autores do PNPS. Só em 2004 ficaram por determinar a causa de morte de 300 casos.

«Governos fecham os olhos»

As conclusões da Universidade de Portsmouth não são novas. Já em 2013, a revista médica «Lancet» publicava um estudo sobre o estado de saúde na Europa e referia que em países como a Grécia, a Espanha e Portugal, onde os governos adoptaram medidas de austeridade, tornaram-se mais comuns os suicídios e surtos de doenças infeciosas. Em contraste, «a Islândia rejeitou a austeridade em referendo e a crise parece ter tido poucos ou nenhuns efeitos discerníveis na saúde», sublinhavam os investigadores.

Citados pela Lusa, sugeriam, por isso, que, embora a recessão comporte riscos para a saúde, é «a interacção da austeridade fiscal com o choque económico e uma fraca protecção social» que parece provocar a escalada das crises sociais e na saúde na Europa.

A revista acusava ainda os governos e a Comissão Europeia de «explicitamente fecharem os olhos» aos efeitos da crise e da austeridade na saúde das populações, apesar de ser claro o aumento dos suicídios e outras doenças. Os autores do estudo chegaram mesmo a apelar às personalidades da saúde pública que quebrassem o silêncio sobre os efeitos da crise e da austeridade na saúde dos europeus.

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Serviços telefónicos de ajuda e apoio ao suicídio em Portugal e Europa.

SOS
Fonte: Sociedade Portuguesa de Suicidologia

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