Esperança de vida à nascença e anos de vida com saúde diminuem em Portugal devido ao desinvestimento e à falta de meios no SNS.
… mas a idade da reforma continua a aumentar.
Neste estudo analiso as causas da diminuição da esperança de vida à nascença em Portugal mesmo antes da grave crise de saúde pública causada pelo COVID, assim como a diminuição dos anos de vida com saúde que se tem verificado no nosso pais, uma evolução inversa à que se tem registado nos outros países da União Europeia. E mostro que isso tem sido determinado pelo desinvestimento em equipamentos e profissionais no SNS o que tem provocado a sua degradação e a crescente incapacidade para responder às necessidades da população em serviços de saúde.
Esta fragilização do SNS, causada pelos sucessivos governos que procuraram estrangular financeiramente o SNS, através do subfinanciamento cronico e pela não contratação de profissionais de saúde, tornou ainda mais difícil a resposta à pandemia, o que teve como consequência a perda de inúmeras vidas muitas delas podiam ter sido evitadas, assim como parte dos efeitos devastadores a nível económico e social cada vez mais evidentes. Pelo menos que a crise permita que se aprenda que o SNS é o bem social mais importante que o país possui para sua defesa e desenvolvimento e que deve ser defendido e reforçado.
Estudo
Esperança de vida à nascença e anos de vida com saúde diminuem em Portugal devido ao desinvestimento e à falta de meios no SNS
A pandemia causada pelo COVID tornou visível a situação grave em que se encontrava o SNS como consequência do subfinanciamento crónico, da falta de profissionais de saúde devido à ausência de carreiras, de remunerações e condições de trabalho dignas, o que promoveu a promiscuidade público-privada (profissionais de saúde a trabalharem simultaneamente no SNS e em hospitais privados), a baixa produtividade no SNS, e a deficiente cobertura da população de cuidados de saúde. Centenas de milhares de portugueses continuam sem médicos de família, camas com doentes nos corredores dos hospitais por não haver lugares nos hospitais para os instalar, que os media divulgavam periodicamente mesmo antes da crise de saúde pública, os enormes atrasos em consultas de especialidade e em cirurgias, hospitais prometidos que nunca saíram do papel (Seixal, Hospital Oriental de Lisboa, etc.), renovação e ampliação de unidades de saúde continuamente adiadas, etc. etc.
Tudo isto se agravou com pandemia que desorganizou ainda mais o SNS. E tudo isto serve para promover o negócio de saúde privado que explodiu em Portugal, com o aparecimento de grandes grupos de saúde (LUZ, CUF, LUSIADAS, TROFA, HPA, etc.), vários controlados por capital estrageiro, o que levou a uma elevada concentração no setor através da liquidação e absorção dos pequenos e médios prestadores, ao desaparecimento consultórios de médicos, agora na maioria relíquias do passado, à expansão dos seguros de saúde, de vários dos grupos de saúde.
Embora o governo, e nomeadamente a ministra da Saúde, esforcem para convencer os portugueses que a culpa das elevadas perdas de vida e do colapso de muitos hospitais é apenas da pandemia, e que era impossível evitar isso, a verdade é outra. A degradação em que o SNS se encontrava tornou o colapso mais rápido e os seus efeitos mais graves e obrigou a sucessivos confinamentos que destruíram a economia, causaram o aumento explosivo da divida publica e da pobreza.
Mesmo antes da pandemia, a esperança de vida em Portugal tinha começado a diminuir devido à degradação crescente do SNS e à falta de resposta deste
A degradação do SNS por falta de investimento em equipamentos e em profissionais estava a determinar que os cuidados de saúde a que a população tinha acesso eram cada mais difíceis e escassos. Marcar uma consulta de especialidade ou realizar uma cirurgia era e é uma autêntica tortura, e para centenas de milhares de portugueses que não têm médico de família a marcação de uma simples consulta era quase uma “missão impossível”. Tudo isto tinha e tem, pois continua, consequências dramáticas para os portugueses visíveis já a nível de esperança de vida, que tinha sempre subido, mas que parara e tinha mesmo começado a descer como mostra o quadro seguinte com dados do Eurostat e do INE.
Gráfico 1 – A esperança de vida à nascença em Portugal – Anos Fonte: Eurostat e INE
A esperança de vida à nascença que tinha aumentado de uma forma continua até 2017 (entre 2006 e 2017, aumentou de 79 anos para 81,6 anos), a partir de 2017 regista-se uma inversão com uma diminuição cada vez mais acentuada. É previsível que em 2020, devido às mortes causadas pelo COVID e pelas doenças não COVID devido à falta de assistência médica, a queda na esperança de vida tenha sido ainda maior que a verificada em 2019. É também consequência das dificuldades que a população estava a enfrentar, e agora ainda maiores, no acesso a cuidados de saúde motivada pela degradação crescente e falta de resposta do SNS.
Portugal é um dos países da União Europeia em que a população tem menos anos de vida com saúde
O gráfico 2, com dados do Eurostat, mostra os anos com saúde que, em média, um português tem e também a média de anos com saúde nos países das União Europeia segundo o Eurostat.
Gráfico 2 – Número médio de anos de vida com saúde nos países da União Europeia (azul) e em Portugal (laranja) Eurostat
Embora a esperança de vida à nascença em Portugal fosse, em 2019, de 80,9 anos, a média de anos que um português vive com saúde era, nesse ano, 59,2 anos, o que determina que viva 20 anos com problemas que podem ser graves de saúde causado, em grande parte, pela falta de cuidados de saúde adequados devido à degradação crescente do SNS (falta de meios).
Enquanto se verifica em Portugal uma diminuição de anos de vida com saúde (entre 2012 e 2019, diminuiu de 63,6 anos para 59,2 anos), nos países da U.E. sucedeu precisamente o contrário. Entre 2012 e 2019, a média de anos de vida com saúde aumentou de 61 anos para 64,6 anos.
A falta de capacidade do SNS para prestar à população a assistência que ela necessita, e que devia ter direito como estabelece a própria Constituição da República, é evidente.
Reduzido número de médicos e enfermeiros no SNS, mal pagos e sem carreiras e condições de trabalho dignas
O gráfico 3 (dados da DGAEP), mostra a insuficiência de profissionais de saúde no SNS.
Gráfico 3 – Número de médicos (azul) e enfermeiros (laranja) por 1000 habitantes número de enfermeiros por médico (cinzento) em Portugal
O número de médicos é insuficiente e mais se tivermos em conta que a maioria deles trabalham simultaneamente em Hospitais privados e no SNS com horário reduzido devido à ausência de remunerações, carreiras e condições de trabalho dignas o que contribui para muitas ineficiências e baixa produtividade que se verifica atualmente no SNS com consequências dramáticas para os portugueses já que o acesso a cuidados de saúde é cada vez mais difícil para a maioria da população. E não vale afirmar que dizer a verdade contribui para o jogo da direita; ocultar a realidade é contribui, pois é dar uma ajuda para que tudo continue na mesma. Infelizmente nenhum governo tem tido a coragem de enfrentar e resolver este problema.
Semelhante situação – insuficiência de profissionais- também se verifica em relação aos enfermeiros, cujo número por 1000 habitantes está muito abaixo dos rácios internacionais (a média na U.E. em 2018 era 8,2 enfermeiros por 1000 habitantes, em Portugal, no SNS apenas 5,2)).
Devido à despesa insuficiente publica em saúde (no SNS), as famílias portuguesas são obrigadas a suportar uma parcela significativa da despesa superior à da U.E.
O gráfico 4, retirado da publicação da OCDE “Health at a Glance, Erope 2020”, revela uma situação incompreensível e inaceitável que é o facto de Portugal ser um país de baixos de rendimento, e de ter uma Constituição que garante o acesso de todos os portugueses aos cuidados de saúde, no entanto o nosso país é, entre os países da União Europeia, um dos que as famílias têm de suportar maior parcela dos custos com saúde.
Gráfico 4 – Despesa com saúde pública (azul escuro) e das famílias (azul claro) em % do PIB – 2019
Em 2019, a despesa total com saúde em Portugal correspondeu a 9,6% do PIB. No entanto, uma percentagem muito significativa desta – 3,3 pontos percentuais – ou seja, 34,4% foi suportado pelas famílias (a média na União Europeia é pouco superior aos 20%).
O quadro 5, onde estão as transferências do Orçamento do Estado para o SNS e as suas despesas anuais, confirma o estrangulamento financeiro a que tem e continua a ser sujeito o SNS e explica a sua degradação crescente, pois o que tem recebido é inferior ao gasto, com efeitos na esperança de vida, nos anos de vida com saúde, e na própria vida diária dos portugueses e seus familiares.
Gráfico 5 – Despesa total anual do SNS (azul) e Transferências anuais do O.E. (vermelho) para o SNS – Milhões € – Ministério da Saúde
No período 2015/2021, as transferências anuais do Orçamento do Estado para o SNS foram sempre inferiores aos custos que este tem de suportar em cada ano. O estrangulamento e a destruição gradual do SNS, com efeitos dramáticos para os portugueses é uma realidade visível e que tem de ser enfrentada e resolvida com urgência.
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