Muda o paradigma, muda as relações, impõe alterações no esclerosado sistema político, traz-lhe sangue novo e abre um novo horizonte.
Coisas de que só o “graal” é capaz. Costa foi o “cavaleiro” que fez a sua demanda e, no momento fatal, não falhou a reconhecê-lo.
Noutras latitudes e noutros tempos, outro homem o havia também conseguido: François Mitterrand.
“A tarefa essencial do PS nos próximos anos é ‘Cumprir a Alternativa e Consolidar a Esperança’: honrar no Governo os compromissos de mudança política que o PS assumiu com os Portugueses, travar o ciclo de empobrecimento do País e devolver a Portugal, finalmente, uma visão de futuro e um horizonte de esperança. (…) É esse desígnio que inspira o Governo actual, assente num compromisso político com toda a esquerda pela primeira vez na nossa história democrática. Em Portugal, confiamos na maturidade democrática das forças progressistas…”
A citação acima é de António Costa e sintetiza o seu compromisso com os Portugueses de ‘Cumprir a Alternativa e Consolidar a Esperança’. Do meu ponto de vista, preferia que ele ‘consolidasse a alternativa e cumprisse a esperança’… Mas talvez a sua formulação seja mais “realista” do que a minha.
Costa sabe (e destaca-o) que os seus “compromissos de mudança política” assentam “num compromisso político com toda a esquerda, pela primeira vez na nossa história democrática”. E acrescenta que confia “na maturidade democrática das forças progressistas”.
“Há uma Esquerda Plural, em Portugal, à Procura do Seu François Mitterrand…” Ainda a ideia de “geringonça” estava muito longe de passar pela cabeça de Paulo Portas e já aqui se antecipava o resultado do movimento das ‘placas tectónicas’ postas em marcha pelos resultados eleitorais das legislativas.
E logo se fazia a Crónica de um diálogo não anunciado à esquerda, destacando: “o que de realmente importante se está, nestes dias, a jogar em Portugal é a alteração e a mudança do paradigma político que tem sido dominante em Portugal desde o final do ano fundacional de 1975”.
A conjuntura estratégica, criada pelos resultados das legislativas, no quadro político português, indicava, para quem pudesse e quisesse ver, uma “esquerda plural” à procura de quem fosse capaz de a unir, de ser o seu François Mitterrand. Era esse o desafio que a situação punha a António Costa. Um desafio difícil que a maioria dos observadores e outros comentadores não só considerava impossível como mesmo se recusava a sequer considerar a sua possibilidade.
Costa soube, em poucos dias, “dar a volta ao texto” e resolver o seu “ovo de Colombo”. Virou o tabuleiro estratégico, surpreendeu tudo e todos e impôs o seu jogo, num novo tabuleiro, a uns desorientados e aterrados Cavaco, Passos, Portas e tutti quanti que descobriram, de repente, que o paradigma político vigente desde 1975 havia, da noite para o dia, mudado.
Dos anos 50 até meados dos anos 70, o PS francês foi uma inexistência. Uma coisa dispensável para o funcionamento do sistema político da V República. Uma “relíquia” desprovida de horizonte político. Em 1971, Mitterrand, à frente do seu pequeno grupo de amigos, une as pontas descontentes, avança para o assalto à direcção do PS e ganha o congresso de Épinay.
Segue-se o abandono do “centro” político, a entrada de quadros combativos e de grande qualidade, a “esquerdização” do partido e a abertura ao PCF que desembocará no “Programa Comum de Governo da Esquerda”.
O PSF nunca mais será o mesmo. A morte prematura de Pompidou, em 1974, apanha Mitterrand ainda sem as tropas preparadas pelo que falha a vitória face a Giscard. Será 7 anos mais tarde, em 1981. Giscard só cumprirá um mandato presidencial…
Não sei se António Costa leu alguma coisa sobre o histórico congresso de Épinay e o que se lhe seguiu. Mas vejo que ele é o único que, na Internacional Socialista, até hoje, soube e teve “o engenho e a arte” para, face a uma situação bloqueada, refazer a manobra de abertura à esquerda.
Uma observação mais pormenorizada e atenta mostra, porém, que Costa partilha com Mitterrand três características decisivas em política:
– Uma ambição à medida da sua dedicação (total em ambos os casos) à política;
– Uma vontade férrea de fazer tudo o que for preciso para cumprir os seus objectivos;
– Um brilhantismo táctico ímpar.
Em Outubro passado, escrevia-se aqui: “Este é tempo de mudança de paradigma… António Costa, Catarina Martins e Jerónimo de Sousa têm um (inesperado) encontro com o destino… Se o falham ou não, se estão ou não à altura do desafio, só deles depende. O resto são as cantigas do costume.”
A fuga de Portas para um exílio catódico (com a ambição de ocupar a cadeira que durante longos anos foi de Marcelo Rebelo de Sousa) indica que ele terá sentido que tinha ficado sem lugar no novo tabuleiro que Costa impôs ao jogo político. Mas é uma excepção.
A direita política ainda não percebeu o “nó cego” que Costa lhe deu. E muito menos percebeu as suas consequências. E vai precisar de vários anos para as entender… Assim se mantenham as razões para António Costa confiar “na maturidade democrática das forças progressistas” portuguesas.
Assim o “santo graal” continue presente e activo.