Governo central volta a respirar com resultados eleitorais, mas precisará negociar mais na Câmara e no Senado.
Com o escrutínio das eleições legislativas com tendências definidas, o presidente Alberto Fernández anunciou o início de uma nova etapa de seu governo que, tudo parece indicar, continuará tão dura e difícil quanto a primeira. Mas não na magnitude prevista pela oposição que, convenientemente, continua a esquecer a crise econômica que gerou, afundando o país.
Às nove horas da noite, a justiça eleitoral argentina antecipou os resultados provisórios da eleição parlamentar. A coalizão de oposição Juntos pela Mudança (JxC) triunfou na soma nacional de votos, com uma diferença de cerca de 8,8 pontos percentuais em relação à coalizão de esquerda Frente de Todos (FdT), que claramente levantou a cabeça da água para respirar. Mas não puderam esconder o golpe que a paridade produziu na província de Buenos Aires.
O resultado desta eleição legislativa é bastante agridoce onde, por um lado, concede ao governo nacional a possibilidade de manter a condição de primeira minoria nas duas Câmaras do Congresso Nacional, embora tenha perdido quorum próprio no Senado. A Frente de Todos cairá de 41 para 35 senadores. Com isso, o governo perderá a tranquilidade de ter o controle desta Câmara e faltará dois votos para o quorum, condição de que gozava há 38 anos. O macrismo terá 31 senadores em dezembro.
A oposição prevaleceu nas três províncias radicais (Mendoza, Corrientes e Jujuy). O PRO goleou no bastião portenho. No nível da província de Buenos Aires, a Frente de Todos se recuperou da derrota no PASO (as eleições primárias). Ele relançou diferenças retumbantes em Córdoba, Santa Fé e Entre Ríos. Foi líder nos cinco distritos mais populosos do país.
O retorno de Buenos Aires deixa o caminho aberto para interpretar que a imagem do presidente duramente espancado foi revitalizada, enquanto o peronismo salvou o uniforme e ressuscitou, graças a prefeitos e movimentos sociais irritados com Cristina que agiram em legítima defesa.
Mas também se pode interpretar que foi Cristina quem salvou a lavoura pelo choque que causou com a sua carta de apoio e os seus gestos. Mas o fator determinante não foi nem o presidente, nem Cristina, nem a máquina de governo, nem a grana, mas a sensação nas franjas mais humildes da população de que a recuperação econômica já começou, com uma reação ao risco da volta do que há de pior.
Derrotas e vitórias da direita
O dado que ofusca o dia eleitoral é o desembarque da extrema direita no Congresso. Os direitistas macristas Javier Milei e José Luis Espert provavelmente superaram suas próprias expectativas. Milei entra com uma negacionista aos Deputados pela CABA. Espert estava a um triz de conseguir três cadeiras em Buenos Aires. A aceitação de representantes de uma direita extrema, intolerante, racista e agressiva é preocupante. Em todo caso, somando seus votos, ficam bem atrás do acumulado da FIT. A Região Metropolitana gera ilusões de ótica, tudo o que ali prospera parece maior.
Não está claro se eles funcionarão como um bloco único ou interbloco. É mais provável que seja a última opção porque lhes confere mais vantagens ao nível da participação nas comissões e, sobretudo, do número de trabalhadores que possam ter nos respectivos blocos.
Milei e Espert afirmam ser libertários ou liberais. No entanto, seus discursos são a representação mais clara e precisa da extrema direita. Jogando à margem da democracia e usando o mau humor social, avançaram no universo dos eleitores do Juntos pela Mudança. É claro que seus votos vêm, em sua grande maioria, do macrismo que questionam como “morno”.
Os agentes de mudança não alcançaram dois objetivos que fantasiaram depois do PASO: ser a primeira minoria em deputados com a possibilidade de destituir o governo da presidência da Câmara, na figura de Sergio Massa. Eles perderam uma cadeira preservando muitas, mas não exatamente aquela sua boa safra de 2017.
Juntos pela Mudança celebra o primeiro lugar, um número significativo de votos e avanços no Senado. Mas, pela primeira vez em sua curta história, seu desempenho nas eleições gerais, de fato, foi menos auspicioso do que no PASO. Talvez a presença destacada do ex-presidente Mauricio Macri nas últimas semanas tenha ajudado seus adversários.
Ontem prevaleceram apenas dois partidos locais que governam as províncias: o eterno Movimento Popular de Neuquén (MPN) e o Rio Negro liderado pelo atual senador Alberto Weretilneck.
Gerardo Zamora foi reeleito governador em Santiago del Estero. Ele conquistou as três cadeiras de deputado, com as quais tem cinco que valerão seu peso em ouro quando a FdT procurar aliados para aprovar as leis.
Em síntese, existem três expressões opostas que também cresceram do zero. Outra pista sobre o ânimo do eleitorado contra o partido no poder.
Governo provincial de Buenos Aires
Eles também renunciaram à sua primazia no Senado de Buenos Aires, que está empatado em 23 a 23, o que alivia o governador Axel Kicillof de uma dor de cabeça. Independentemente do que resulte no final da contagem, a verdade é que Kicillof agora tem maioria no Senado da província, o que facilita a gestão do governo. Quatro em cada dez votos no país vêm da província governada por ele. Em setembro, o governo saiu derrotado por uma diferença de cinco pontos, que agora foi reduzida a 1,3 pontos.
No final das primárias, ele foi virtualmente rotulado como um homem morto politicamente. Agora, sua figura (e claro de alguns prefeitos, que vão mostrar os grãos recuperados) é a protagonista da volta em grande estilo. E, em grande medida, o mesmo vale para o deputado do imposto sobre fortunas, Máximo Kirchner.
A FdT celebrou o golpe final na “província”. Um retorno notável, o dado mais marcante do dia junto com a ratificação da tendência do PASO: proeminência do voto punitivo.
A outra alegria do partido no poder veio de El Chacho, onde o governador Jorge Capitanich impôs seus candidatos e deixou para trás a derrota de setembro. Os peronistas “viraram” nas baixas intenções de voto de setembro no Chacho e na Terra do Fogo.
Os reveses contundentes em Chubut e La Pampa o deixaram sem quorum próprio na Câmara Alta e revelam uma falta de ação política entre as duas eleições. O internismo marcou a queda em La Pampa. A falta de acordo com o governador Mariano Arcioni para “rebaixar” sua lista, talvez, determinou resignar-se a manter uma única cadeira em Chubut.
Esquerda em destaque
A Unidade de Frente de Esquerda e os Trabalhadores (FIT) deixaram duas cadeiras e conseguiram quatro: um na CABA (Câmara de Buenos Aires), dois em Buenos Aires e um em Jujuy, onde ficou em segundo lugar.
É a terceira força no total de votos nacionais. Este não é um dado menor. Entre os quatro deputados nacionais obtidos está Alejandro Vilca, trabalhador que conseguiu se esgueirar entre Cambia Jujuy, a versão macrista daquela província representada por Gerardo Morales e a Frente de Todos. No final da contagem provisória, naquela província do norte cada partido ficou com uma das três cadeiras em jogo.
Enquanto isso, pela Cidade de Buenos Aires, Myriam Bregman retorna ao Congresso que, junto com Vilca, Nicolás del Caño e Romina del Plá, formarão o bloco de esquerda.
Discurso presidencial
O presidente Alberto Fernández surpreendeu com seu discurso gravado em Olivos, que foi ao ar às 22 horas, em que pediu um diálogo com as forças da oposição “patriótica” para especificar uma agenda “tão compartilhada quanto possível”.
Um projeto de lei será enviado “em dezembro” (ou seja, em questão de semanas): um “programa econômico plurianual para o desenvolvimento sustentável” que incluirá “os melhores entendimentos que nosso governo alcançou com o corpo técnico do FMI”. Não há recuperação econômica que valha a pena sob o ajuste fiscal antipopular do Fundo.
A necessidade desta aprovação parlamentar decorre de uma lei promovida por este Governo. A novidade é o “programa plurianual” que prevê o anúncio da relativa iminência do acordo, apontado como um dos principais objetivos do partido no poder. AF afirmou que tem o apoio de toda a liderança do governo, incluindo a presidente Cristina Fernández de Kirchner. Seus oponentes vão tentar refutar ou semear dúvidas, mas a enunciação foi drástica.
O presidente lembrou que qualquer plano tem que manter os eixos básicos de crescimento, redistribuição de renda e aumento do consumo popular promovidos pelo governo. O debate sobre as implicações das negociações com o FMI será intenso e só ficará claro quando forem conhecidos os termos do acordo e os compromissos assumidos pela Argentina.
O chefe do Governo, Horacio Rodríguez Larreta, falou depois de Fernández, com discurso de futuro presidente. Seus candidatos venceram na CABA e em Buenos Aires. Larreta quer ser presidente e entende que a última coisa que lhe convém é uma Argentina em chamas, com um peronismo que se vê ressuscitado desde a noite passada e pronto para o confronto.
Macri, muito perto do palestrante, fez uma cara hostil e muitas vezes se esquecia de aplaudir ao ouvir que o colapso econômico não ajuda ninguém. Pouco depois, ele dirá que o apelo de Alberto Fernández ao diálogo soou “um tanto oportunista”. A militância estava comemorando. O pronunciamento popular de ontem acalmou um pouco a fraqueza dos agentes de mudança que assinaram a morte do partido no poder.
Alberto Fernández descreveu o início de uma nova etapa, a necessidade de diálogo e a indicação do Congresso como uma de suas sedes, além dos apelos que também prometeu. Diante de uma derrota eleitoral, ele buscou retomar a iniciativa.
O Governo sofreu um revés na câmara, mas mantém as primeiras minorias em ambas as Casas. Terá que negociar cada lei com terceiros blocos, tarefa que não é impossível se for bem administrada e a economia crescer.
O resultado justificou a alegria de Massa durante seu discurso no bunker da FdT: “Quero dizer-lhe presidente (Alberto Fernández) que graças ao voto de milhões de argentinos desde 10 de dezembro, a Frente de Todos continua a ser a primeira minoria do Câmara dos Deputados, com 119 deputados, mais 3”. Juntos pela Mudança conta com 116 e o quorum requer 129 almas sentadas e isso forçará o partido no poder a negociar mais.
Cambiemos se consolida como oferta da oposição, AF tem dois anos para relançar o Governo. Por conta de um tratamento mais extenso nos próximos dias, há um aparente paradoxo: o Governo perdeu e respirou alívio ontem. Há 2023, desde que o partido no poder dê um salto de qualidade, embora a narrativa dominante insista em almoçar no jantar, coisa que muitas vezes é indigesta.
por Cezar Xavier | Texto em português do Brasil
Exclusivo Editorial PV / Tornado