Tal como estava previamente anunciado, a moção de rejeição apresentada pelo PSD e CDS foi chumbada no Parlamento e, dessa forma, o programa do governo foi legitimado pela maioria dos deputados. Com esta moção, os partidos de Passos Coelho e Paulo Portas quiseram deixar claro qual é a base de apoio do actual executivo e marcar uma posição para memória futura. No essencial, o texto do documento seguiu os argumentos que foram sendo apresentados, ao longo dos dois dias de debate, pelos deputados do PSD e CDS.
Considera-se, em primeiro lugar, que esta é uma solução governativa ilegítima, uma vez que os portugueses “sufragaram o programa eleitoral da coligação”, daí resultando que “escolheram para primeiro-ministro Pedro Passos Coelho” e não António Costa.
Já no decorrer do debate, Paulo Portas tinha dado o mote, ao dirigir-se ao actual chefe do Governo como o primeiro-ministro que o povo “não escolheu” e um deputado do seu partido optou mesmo por tratar António Costa por “sr. dr.” em vez de por “primeiro-ministro”.
Outra das expressões que consta da moção é a de que há um “processo de radicalização em curso” que “está a tornar Portugal refém de agendas ideológicas sectárias desfasadas da realidade”. Um panorama que PSD e CDS consideram perigoso, uma vez que vai fazer com que o prometido “virar a página da austeridade”, na prática, mais não seja do que voltar para “a página anterior, tal como se tivéssemos regressado a 2009 e a 2011”.
Por tudo isto, e porque o Governo não apresentou uma moção de confiança, PSD e CDS avançaram com a moção de rejeição, que acabou chumbada, com o voto contra de todos os deputados dos partidos de esquerda e a abstenção do deputado do PAN, André Silva.
PSD e CDS desejam ao PS uma viagem breve e sem acidentes
Nas intervenções finais, PSD e CDS fizeram questão de avisar o PS para que não conte com quaisquer facilidades ou apoios da sua parte. Telmo Correia, em representação do CDS, subiu à tribuna para claramente dizer isso mesmo. Este deputado alegou que os socialistas escolheram o rumo que querem seguir, foram buscar companheiros de caminho à “esquerda radical”, pelo que o que lhes pode desejar é apenas que façam “boa viagem”, que essa viagem seja breve e que “não haja acidentes porque, normalmente, quem os paga são os portugueses”.
Uma tese apoiada por Passos Coelho, na sua única intervenção neste debate, ao dizer que “quem recusou apoio a quem ganhou, não tem legitimidade” para lhe vir pedir apoio. E, se alguma vez isso acontecer e o PS necessitar mesmo do PSD para aprovar algo que seja útil para o país, deve o Governo demitir-se e voltar a dar a palavra aos portugueses.
O ex-primeiro-ministro acusou os deputados de terem usurpado a escolha do povo, para fazer cair o governo que, na sua opinião, tinha legitimidade para dirigir os destinos do país.
Opinião diferente, como seria de esperar, foi a expressa pelo líder parlamentar do PS, Carlos César, que voltou a insistir na legitimidade do novo governo, pelo facto de ter maioria no Parlamento. A mesma tecla foi tocada por Jerónimo de Sousa que, pelo PCP, assumiu o apoio a um governo que não é o seu, mas que representa um passo em frente para “parar com a destruição do país”.
Pela parte do Bloco de Esquerda, Pedro Filipe Soares saudou o novo
ciclo, que espera representar a viragem de página do “ciclo do empobrecimento”. Heloísa Apolónia (PEV) disse o
mesmo por outras palavras. Tal como Jerónimo de Sousa, também ela não assumiria o programa como seu, mas não tem problemas em apoiá-lo pois a sua execução vai “contribuir para a melhoria a vida das pessoas”. André Silva, do PAN, elogiou alguns aspectos do programa, que, no entanto, não são suficientes para o levar a juntar-se à maioria de esquerda contra a moção de PSD e CDS.
O “reino da fantasia” dos governos de Passos Coelho
O governo escolheu para encerrar o debate o ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, que, ao mesmo tempo que garantia disponibilidade para o diálogo e consenso com os partidos à sua direita, não resistia a fazer um ataque feroz à governação dos últimos quatro anos.
Viveu-se no “reino da fantasia”, garantiu. É que, olhando para a realidade deixada, ao contrário do que tem sido anunciado, a política de “ir além da troika”, deixou o país “com maior dívida”, maior desemprego e situações sociais gravíssimas.
Mesmo assim, nem sequer as metas da redução do défice foram cumpridas nos últimos anos. Uma situação que vai repetir-se este ano, uma vez que a meta dos 2,7% não vai ser atingida. Prometeu que na parte que depender do governo de que faz parte, tal como já António Costa tinha assumido, “tudo será feito para que o défice fique abaixo dos 3%”. As críticas ao anterior executivo estenderam-se à actuação relativa ao sistema bancário, em especial, ao BES, por se ter dito que a sua resolução não teria custos para os portugueses.
Todas estas situações exigem, defendeu Santos Silva, uma mudança política, pois “mais do mesmo daria os mesmos resultados”.