Foram retumbantes a ausência dos palestinos e o regozijo do primeiro-ministro israelense no anúncio do plano de Donald Trump, nesta terça-feira (28), que em seu linguajar promocional apresenta o que é um ultimato como “acordo do século”.
Benjamin Netanyahu, só com a cabeça para fora do furacão que o espera em Israel, agradecia efusivamente ao patrono por endossar a anexação da Palestina, enquanto os palestinos reforçam o repúdio ao papel dos EUA nesta farsa de décadas.
O projeto do governo Trump vinha sendo discutido desde que o presidente prometera, quando eleito, resolver “o problema no Oriente Médio” com um acordo irresistível. O genro de Trump, Jared Kushner, consultor para a região, tentou angariar apoio financeiro à empreitada numa espetaculosa conferência no Bahrein, em 2019, com uma apresentação intitulada “Paz à Prosperidade”. Buscou patrocinadores entre as monarquias regionais e seu engajamento no convencimento dos palestinos.
Quem viu ao plano então, resumido à parte econômica, o considerou uma brochura de um negócio imobiliário vendendo um futuro florido. Segundo a advogada Ephrat Livni, em artigo para a revista eletrônica Quartz, o portefólio estava “repleto de chavões, gráficos e tabelas” e alegava que os fundamentos do plano eram “liberar o potencial econômico, empoderar o povo palestino e melhorar a governança palestina”.
Em declarações à rede Al-Jazeera no mesmo evento desta terça, que alguns descreveram como um ato político de apoio a Israel, Kushner disse que o plano é prático e que os esforços palestinos pelo estabelecimento do seu Estado são “velhas reivindicações, mitos, mentiras”. Para compensar, o plano de Trump acenara já em Bahrein com um cheque de USD 50 bilhões para tentar comprar a luta dos palestinos por seu Estado nacional soberano e viável.
Incluindo um “Estado da Palestina”, algo que Netanyahu sempre prometeu recusar e os sucessivos governos dos Estados Unidos impediram, Trump tenta camuflar o absurdo da proposta. Com sua “autorização” à anexação do território palestino ocupado por mais de cem colônias israelenses com cerca de 600 mil residentes, reforça seu também ilegítimo reconhecimento de Jerusalém, “indivisível”, como capital de Israel. Em troca, Israel suspenderia a expansão das colônias por quatro anos para a negociação das configurações de um Estado palestino. Além de ultrajante, a última fórmula não é nova: já foi tentada no processo diplomático dos anos 1990 e resultou na expansão avassaladora das colônias e do controle israelense sobre a Palestina ao longo das últimas décadas — com o prazo para a conclusão de um acordo permanente expirado em mais de 20 anos.
Trump alega ainda que o plano permitirá aos palestinos estabelecer sua capital no leste de Jerusalém, mas com o termo geográfico refere-se a outra Jerusalém Leste. Não seria aquela defendida como parte da solução, que inclui a porção da Cidade Antiga onde está a importante Mesquita Al-Aqsa e residem milhares de palestinos, mas um leste para lá do muro construído por Israel, que amputa a população palestina confinada a uma periferia sistematicamente empobrecida e cercada por colônias, acompanhadas de suas estradas exclusivas e postos de controle militar.
Ali, Trump diz desdenhosamente que os EUA até estabelecerão sua Embaixada para a Palestina. Seria como encravar a bandeira estadunidense num território conquistado: a capitulação palestina. Mas ele pode esperar sentado, prometem os palestinos.
Para alguns, o que Trump faz com seu plano pode cumprir um objetivo dos palestinos: fortalecer a unidade contra mais esta catástrofe. Em protestos populares e manifestações de diplomatas, membros da Organização para a Libertação da Palestina (OLP) e do presidente da Autoridade Palestina Mahmoud Abbas, assim como da liderança da oposição no Hamas, já se proclama em uníssono o rechaço a este devaneio. Desvelam por fim que o monopólio estadunidense sobre as negociações não passa de um garrote para a causa palestina, como mostrou o decrépito Processo de Paz de Oslo que tanto fomentou a colonização e atou o destino da Palestina às vontades de Israel.
Mesmo assim, Netanyahu repetiu o chavão de sempre ao alegar que o rechaço palestino prova uma indisposição em aceitar a “oportunidade”, neste caso, de capitular. A isto somou os termos que explicam o fracasso de qualquer negociação, para além do apoio incondicional dos EUA a Israel: Netanyahu disse que o plano depende da desmilitarização, o desarmamento do Hamas, o reconhecimento de Israel como Estado Judeu e a adoção da sua soberania sobre as áreas ocupadas pelas colônias, que Trump oferece a Israel.
Àquilo que Trump ameaçou como uma “última oportunidade” para os palestinos, Abbas chamou “conspiração”. Em discurso emitido pela televisão em Ramallah, sede administrativa da Palestina, na Cisjordânia, o presidente disse: “Afirmo ao Trump e Netanyahu: Jerusalém não está à venda, nossos direitos não estão à venda e não estão sob barganha. E seu acordo, a conspiração, não passará”.
Para Trump e Netanyahu, o espetáculo vem a calhar. O primeiro está sob julgamento no Congresso para um possível impeachment por abuso de poder. O segundo, às vésperas da terceira eleição em Israel em meses — nem ele nem seu oponente lograram formar um governo — enfrenta acusações de corrupção tentando uma manobra perigosa na mesma terça, a de finalmente recusar sua imunidade parlamentar para ser indiciado. Como sempre, ou a guerra ou a ofensiva política contra os palestinos recobram ânimo em período eleitoral.
O oponente de Netanyahu, Benny Gantz, de centro-direita, saudou o plano de Trump, mas disse que será preciso um governo forte para levá-lo a cabo em Israel.
À esquerda, o Partido Comunista de Israel (PCI) rejeitou o “plano imperialista dos EUA para o Oriente Médio” em nota publicada no dia 26. Para o PCI, o plano pode reforçar o regime e a ocupação militar contra o povo palestino, a se arrastar por anos. Foi o que aconteceu com o Processo de Oslo, desde a Declaração de Princípios de 1993 e o acordo de 1995 sobre a gestão interina da Palestina ocupada. Neste processo a Palestina foi retalhada em três áreas de controle exclusivo militar israelense, de controle partilhado entre israelenses e palestinos, e de controle exclusivo palestino — a menor porção, enquanto as fronteiras e diversos serviços e infraestrutura seguem sob controle completo de Israel.
O PCI lembra ainda a promessa de Abbas de que, com o anúncio de um plano claramente enviesado, o governo palestino poderia se dissolver para entregar a administração do território a Israel, desvelando de vez sua responsabilidade como potência ocupante, em acordo com o direito internacional humanitário. A liderança israelense sempre rejeitou tal responsabilidade, mas seu reconhecimento pela ONU já fundamenta um inquérito do Tribunal Penal Internacional sobre os crimes de guerra de Israel
Segundo o portal de notícias Middle East Monitor em matéria desta quarta (29), a Secretaria-Geral da ONU já se posicionou contra o plano de Trump e reiterou que a questão só pode ser solucionada com base nas resoluções das Nações Unidas e no direito internacional, que para Trump e Netanyahu não passam de letra morta. Com seu plano, EUA e Israel tentam um xeque-mate contra os palestinos ou arriscam levar a situação às últimas consequências. Dependerá dos palestinos, da comunidade internacional e das forças solidárias em todo o mundo o resultado desta aposta.
por Moara Crivalente, Doutoranda em Política Internacional e diretora do Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos e Luta pela Paz (Cebrapaz) | Texto original em português do Brasil
Exclusivo Editorial PV (Cebrapaz) / Tornado