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Quarta-feira, Julho 17, 2024

Estará a Europa preparada para novo alargamento?

Arnaldo Xarim
Arnaldo Xarim
Economista

Quando numa conjuntura da mais absoluta e rigorosa instabilidade no cenário europeu e mundial se admite uma rápida adesão da Ucrânia à UE e perante a evidência de que o alargamento aos países do antigo bloco soviético foi o maior fracasso dos 30 anos de construção europeia – e não o Brexit, como invariavelmente nos querem fazer crer – porque foi movida essencialmente pela ganância das empresas da Europa Ocidental (e pelos interesses dos EUA) e executada a expensas da integração política do continente no seu conjunto, qualquer observador minimamente ponderado apenas poderá exclamar que os deuses devem estar loucos!

Com o flanco oriental da UE convertido numa manta de retalhos de países movidos por interesses cada vez menos consentâneos com os valores políticos e filosóficos europeus (de liberdade e igualdade), com graus de integração diversos (uns integram a zona Schengen, outros o Euro e outros nem uma coisa nem a outra) e sustentados por interesses de todas as naturezas, elevando consideravelmente os riscos de desintegração e de conflito que ameaçam o projecto europeu, tanto ou mais do que a concretizada saída do Reino Unido. O recrudescimento da tensão com a Rússia (primeiro a propósito da Geórgia e agora com a invasão da Ucrânia em curso) amplifica as condições para a desarticulação duma região dividida entre inúmeros interesses e futuros possíveis e marca, com o empolamento da questão ucraniana no virar do século, o reaparecimento de nacionalismos e xenofobias pouco recomendáveis.

As delicadas relações UE-Rússia (invariavelmente geridas do lado ocidental no estrito respeito dos interesses norte-americanos) ajudaram a criar as condições para o desarticulamento desta região, agora dividida entre inúmeros interesses e diferentes perspectivas de futuro e onde a já referida ascensão da extrema-direita é apenas mais um reflexo das disparidades económicas e sociais que proliferam na UE. A consciência destes perigos deveria deixar antever que os europeus não alinhassem acriticamente numa política de sanções, tanto mais que já num passado recente aquelas se revelaram pouco eficazes e altamente contraproducentes para as economias da periferia europeia (ver o artigo «AS SANÇÕES ECONÓMICAS E A SUA UTILIZAÇÃO»), que a prazo contribuirá para o desmembramento desta região, para a explosão de tensões locais no seu interior e entre a Europa e a Rússia.

Níveis de integração e direitos diferentes criaram verdadeiras desigualdades de tratamento na região que ultrapassam em muito as já grandes diferenças em termos de desenvolvimento económico. Se a UE está na realidade longe de ser homogénea, a sua zona oriental situa-se no extremo, quando em termos de salário médio a Bulgária regista um valor que é um terço do salário médio dos países ocidentais mais pobres (inferior a mil euros em Portugal e na Grécia) e inferior ao dos chineses ou nos níveis de pobreza, o que revela um fracasso da convergência económica, que foi, no entanto, a principal motivação anunciada para a sua entrada na UE.

Talvez, quando há precisamente sessenta e cinco anos (25 de Março de 1957) se assinava o tratado fundador da UE, poucos admitissem que uma iniciativa desta dimensão sobrevivesse a ser tão questionada e com um futuro tão incerto. É que o crescimento de tendências nacionalistas e de sentimentos xenófobos no seio dum espaço que se pretendia um farol de progresso e liberdades, não será apenas fruto da pressão migratória nem da crise que assola o modelo capitalista, mas principalmente consequência das opções políticas tomadas pelos sucessivos dirigentes europeus e de cada um dos estados-membros da UE.

Pretender agora, num cenário de mais um conflito aberto nas suas fronteiras e depois da saída de um dos seus membros, proceder a novo alargamento sem discussão de um modelo de futuro para a UE e sem qualquer simulacro de estratégia para responder às motivações e anseios de outros candidatos (para mais quando alguns apresentam o peso estratégico de uma potência regional, como a Turquia, mas continuam a ser mantidos afastados) afigura-se delicado e muito perigoso.

Quando por essa Europa fora se fizeram ouvir vozes contra a solução para debelar a chamada crise do Euro – que mais não foi que um processo de fragilização duma divisa ameaçadora para o dólar norte-americano, possibilitado pela frágil arquitectura da moeda europeia – invariavelmente silenciadas com o recurso a argumentos redutores do tipo “não há alternativa”, ninguém ponderou as consequências que teria semelhante estratégia na indispensável coesão europeia. As soluções aplicadas a gregos, irlandeses, portugueses, espanhóis e malteses não só fracassaram no campo económico-financeiro como contribuíram para delapidar uma já então muito precária confiança na sempre muito apregoada solidariedade europeia.

A mesma solidariedade que se diz constituir um dos pilares de uma construção europeia cada vez mais delicada e que, como Paul de Grauwe sintetizou em 2017, continua a apresentar cinco cenários possíveis, que variam entre o de  uma simples zona de comércio livre – sob a forma de um mercado único limpo de todas as instituições que restringem a soberania dos estados-membros – e o de um cenário de ‘mais Europa’, no qual todos os estados-membros escolhem decididamente caminhar em frente na direcção de uma união política, que inclua uma união fiscal, políticas sociais e de defesa comuns, etc. Entre estas duas alternativas outras existem, como a de continuarmos a fazer tudo como dantes, saltitando alegremente de crise em crise, a de criar uma UE a várias velocidades, onde os estados-membros se agrupariam em função dos seus interesses comuns, ou ainda a chamada solução ‘menos, mas melhor’, aquela onde se espera que à ideia de menos Europa corresponda uma Europa melhor.

O que continuamos sem ouvir falar (e ainda menos debater) é a ideia de uma União de Povos europeus, pensada e articulada para os Povos europeus (para os seus problemas, as suas necessidades e os seus interesses) e não para os interesses das empresas e dos capitais transnacionais. Porque não esqueçamos que o balanço político, económico e social da grande integração a leste continua por fazer, mas quando nem sequer mostramos capacidade para escolher o caminho a trilhar…

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