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João de Sousa

Sexta-feira, Novembro 1, 2024

Irão, questão nuclear para o novo Médio Oriente

NUCLEAR

As negociações do Programa Nuclear Iraniano, que viram um desfecho optimista, há cerca de um mês e que só terminarão em definitivo no último dia deste semestre, relevam de importância para a Administração Obama, para o Irão e para os iranianos, bem como para toda a região. 

Para Obama, que quer ficar na História para além do óbvio, substituiu a questão israelo-palestiniana, habitualmente priorizada no final dos segundos mandatos dos presidentes americanos, sobretudo a partir do fim da Guerra Fria, pela questão iraniana.

A opção parece-me óbvia, já que se por um lado já ninguém acredita na Solução Dois Estados para a Palestina, mexer com o nuclear iraniano e regulá-lo, é tocar em duas cabeças da serpente que após o 11 de Setembro pouco, ou mesmo nada foram incomodadas, na chamada Luta Contra o Terrorismo. Refiro-me naturalmente à Arábia Saudita e ao Paquistão, cujos respectivos wahabismo e salafismo, nunca deixaram de crescer, proselitar, financiar e servir de farol inspirador para todo o terrorismo de cariz islamista.

Um Irão nuclear, por civil que seja, alimentará um efectivo ambiente de Guerra Fria regional, no qual a “Guerra será improvável e a Paz Impossível” (Raymond Aron), por via de um Israel e de um Paquistão nucleares, mas também pelo maior negócio bélico da História da Humanidade, assinado em 2012 entre os Estados Unidos da América, a Arábia Saudita e os Emiratos Árabes Unidos, no valor de 200 mil milhões de dólares e com prazos de entrega a 10 anos, ou seja, até 2022. Parte substancial destes equipamentos, são caças-bombardeiros e mísseis bunker-busters, os quais terão como alvo primordial instalações nucleares iranianas, no interior de montanhas.

Neste contexto, a tensão e os conflitos continuarão, não directamente, mas sim canalizados para os elos mais fracos, o que aliás já se verifica no Iémen, na Síria e no Iraque. De assinalar também, a “beleza” e complexidade da Real Politik, já que aqueles que se combatem a sul, no Iémen, colaboram a norte, no cenário sírio-iraquiano, tentando limitar os avanços do “Estado Islâmico”. Refiro-me a sauditas e iranianos.

O Iraque espartilhado e tripartido entre sunitas, xiitas e curdos é, aliás, o maior perdedor de todo este processo, vendo substituída a importância e influência que tinha regionalmente e junto dos americanos, pelos iranianos.

Reacções Internas

Esta fase das negociações ultrapassou praticamente 3 dias o prazo que estava previsto, precisamente porque estavam a correr bem, mas também porque ambas as partes, americanos e iranianos tinham obrigatoriamente de regressar aos respectivos países com um acordo quadro concreto, sobretudo por duas razões. A primeira é a de que as sanções económicas ao Irão só poderão ser suspensas, após aprovação do Congresso Americano, com actual maioria Republicana. Esta, apresenta-se ainda relutante a apoiar o acordo e a votar o levantamento das sanções, já que diz que o acordado não passa de uma declaração de boas intenções e vazio de soluções.

Em segundo e, para os iranianos, este acordo é fundamental pois justifica, reforça e sustenta este regime teocrático em vigor desde a chamada Revolução Islâmica, de 1979. Entretanto, o Irão já avisou que só cumprirá com o prometido, caso as sanções sejam levantadas na totalidade e em simultâneo.

Tudo se encontrará, mais semana menos semana, já que ambas as partes não perderão o momento. Leon Panetta, ex-Secretário da Defesa (2011/13) da Administração Obama, anunciou em 2012 o projecto americano de deslocalizar progressivamente a sua frota naval mais sofisticada para a Ásia-Pacífico até 2020, ano em que esta atingirá 60% do seu total por esses mares. Ou seja, os americanos querem desembaraçar-se do Médio Oriente o mais depressa possível e para tal necessitam de um novo polícia amigo na região, antagónico aos seus próprios aliados israelitas e sauditas!

Cimeira Luso-Marroquina

Marrocos apresentou-se em Lisboa com o Primeiro-Ministro Abdelillah Benkirane à cabeça de uma delegação com 7 ministros e mais de 20 empresários locais, demonstrativo da importância com que olham para nós, fruto também de uma relação bilateral que parece atingir um grau de maturidade que está para além da relação histórica, precisamente no ano em que se comemoram os 600 anos da conquista de Ceuta.

Portugal tem muito bem presente esta ligação histórica, bem como o facto desta antiguidade lhe permitir uma relação potencialmente mais sã e profícua, que a que o Marrocos tem com os ex-colonizadores espanhóis e franceses, baseada num normal amor-ódio pós-colonial.

Neste sentido e, apesar destes 600 anos de História comum, a verdade é que franceses e espanhóis têm 100 anos de avanço perante os portugueses, no que toca às relações empresariais e comerciais. É precisamente por isso que necessitamos ter uma pro-actividade criativa baseada na nossa própria idiossincrasia, fazendo assim a diferença. Coisas simples, como perceber que o nosso prato símbolo se trata de um peixe, o bacalhau, ideal para ambiente islâmico.

Assim, não seria de todo despropositada a constituição de uma Confraria do Bacalhau no Marrocos, cujo Confrade-Mor seria o próprio Embaixador de Portugal, o qual promoveria um domingo por mês um almoço de confrades, para o qual também seriam convidados políticos, empresários, académicos e artistas locais. A promoção dos nossos melhores produtos regionais não poderia ter melhor montra, nem melhor público, já que este seria constituído pelos próprios decisores políticos. Por outro lado e para consubstanciar esta acção, há a necessidade de se abrir um restaurante-cervejaria com a dimensão merecida e que tão bem ficaria na nova Marina de Casablanca.

Visto de fora, o discurso do pastel-de-nata faz todo o sentido. Se Marrocos tem na Cerimónia do Chá e o Brasil na Capoeira, instrumentos das respectivas políticas externas, porque é que Portugal não o poderá fazer com o bacalhau, o que através da Confraria abriria de imediato a porta à promoção dos vinhos, azeites, queijos, enchidos (que também têm público no Magrebe), frutas, etc. À imagem do português, o marroquino também se conquista pelo estômago e é nesta abordagem quase informal que nós e eles nos sentimos mais à vontade para fazer as coisas acontecerem!

Até ao momento sabe-se que foram assinados 2 protocolos de cooperação nas áreas da educação e ensino superior, o que vai no seguimento da Licenciatura em Estudos Portugueses ministrado na Universidade de Rabat. Outro aspecto importante, a criação de quadros com um apego sentimental ao nosso país e que circulem entre os dois territórios, para que nós também os conheçamos melhor a partir daqui, enquadramento distinto das férias que muitos já fizemos no exótico e “distante” Marrocos.

Por outro lado, estes quadros também poderão ser absorvidos pelas cerca de 180 empresas portuguesas já instaladas no reino, bem como pelas entre 1200 a 1300 empresas lusas que já negoceiam/comerciam com este, mas a partir de Portugal.

Uma nota final para uma outra realidade também desconhecida entre nós. A existência de uma crescente classe média marroquina endinheirada e à procura de novos mercados de lazer, sobretudo para férias e “escapadinhas” de fim-de-semana. São exactamente os mesmos que já compraram e já usufruíram tudo o que tinham a comprar/usufruir em Espanha e França e que procuram novas aventuras.

Em tempo de crise, até neste âmbito poderemos inverter o sentido do investimento/gastos a nosso favor, fazendo assim do Marrocos um país emissor de turismo para Portugal, o que certamente nos ajudará a recuperar economicamente, a ver o filme ao contrário e a aprender com o Outro, aquele que sempre se disse cuja capital está mais próxima de Lisboa, que Madrid.

Há que haver criatividade, manha e boa vontade das senhoras que estão a atender no Consulado Português em Rabat!

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