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Sexta-feira, Novembro 22, 2024

Estrangulamento na gestão da ADSE

Eugénio Rosa
Eugénio Rosa
Licenciado em economia e doutorado pelo ISEG

O Ministério da Presidência do Conselho de Ministros e o Ministério das Finanças estrangulam a gestão da ADSE, criando obstáculos ao seu funcionamento normal com efeitos graves para os beneficiários, para os prestadores e para a reputação da ADSE.

Neste estudo analiso a situação da ADSE nas diversas vertentes – o bloqueamento da gestão pelas tutelas, a situação da tabela do Regime convencionado, o atraso do governo na nomeação dos seus representantes no CGS, a situação do Departamento de Consultoria da ADSE que está sem chefia há 7 meses devido a obstáculos criados pelo governo, os concursos bloqueados durante meses pelo Secretário de Estado do Orçamento, o risco para os beneficiários da nova Tabela do Regime Livre, o saldo acumulado de 1100 milhões € que não rendem nada, e o estudo de sustentabilidade da ADSE que não dá garantias de independência e pode ser utilizado para cortar benefícios – neste momento em que em breve sairei do conselho diretivo da ADSE deixo um conjunto de alertas que é uma forma de prestar contas.

 

Estudo

O Ministério da Presidência do Conselho de Ministros e o Ministério das Finanças estrangulam a gestão da ADSE, criando obstáculos ao seu funcionamento normal com efeitos graves para os beneficiários, para os prestadores e para a reputação da ADSE

 

A SITUAÇÃO DA ADSE E ALERTAS QUE DEIXO AOS 1,3 MILHÕES DE BENEFICIÁRIOS

Numa altura em que brevemente deixarei o conselho diretivo da ADSE ao fim de 4,5 anos, quando inicialmente tencionava estar apenas 2 anos, mas, que devido à pandemia e à queda do governo, e à recusa deste em publicar a Portaria com o regulamento eleitoral fui obrigado a permanecer 4,5 anos, penso que é útil prestar aos beneficiários uma informação clara e verdadeira sobre a situação da ADSE e os principais problemas que enfrenta. E isto porque também como membro do Conselho Diretivo eleito pelos representantes dos beneficiários no Conselho Geral de Supervisão sinto-me na obrigação de os alertar e informar (é uma forma de prestar de contas) até porque são eles que financiam na quase totalidade a ADSE (em 2022, os trabalhadores e os aposentados da Função Pública descontaram para a ADSE 703 milhões €).

 

O BLOQUEAMENTO DA GESTÃO DA ADSE PELAS TUTELAS, IMPEDINDO O SEU FUNCIONAMENTO NORMAL

A ADSE tem atualmente uma dupla tutela: Ministério da Presidência do Conselho de Ministros, que delegou na Secretária de Estado da Administração Pública (SEAP) e Ministério das Finanças, que delegou no Secretário de Estado do Orçamento (SEO). Contrariamente ao que acontecia no governo anterior, em que a ministra Alexandra Leitão se reunia quase todos meses com o Conselho Diretivo para debater os problemas da ADSE e, no que era da sua competência, decidia rapidamente, e naquilo que era do conselho diretivo ela dava a sua opinião, mas esclarecia que a decisão cabia ao conselho diretivo, mas com a sua opinião desbloqueava situações que estavam paradas por diferenças de opinião interna, agora com o atual governo e com novas tutelas a situação é muito diferente, pois impera a paralisia, a tentativa de ingerência e de bloquear a gestão da ADSE adiando “sine die” decisões e mantendo “mudo e calado”. Os beneficiários têm o direito de conhecer tudo isto, já que tem consequências graves para eles. Isto até para não acusarem apenas o conselho diretivo pelas dificuldades crescentes que enfrentam no acesso aos serviços de saúde financiados com os seus descontos.

A Secretária de Estado da Administração Pública, raramente se reúne com o conselho diretivo da ADSE, e nas poucas vezes que o fez foi para repetir pedidos informações e tomar notas, não decidindo nada, e através dos seus assessores, que revelam por vezes arrogância e desconhecimento da atividade da ADSE (do “negócio de saúde”), pretende interferir na gestão da ADSE, e depois os assuntos ficam parados, e são adiadas indefinidamente decisões dificultando o funcionamento normal da ADSE. A juntar à paralisia da Secretária de Estado da Administração Pública juntam-se os bloqueamentos do Secretário de Estado do Orçamento. Os assuntos da ADSE caiem na sua secretária e ficam esquecidos sem qualquer resposta durante meses. E isto acontece mesmo em matérias com efeitos graves para beneficiários e prestadores e também para a reputação da ADSE, que assim fica desacreditada perante uns e outros. Tal comportamento a manter-se causará, com razão, a multiplicação de críticas dos beneficiários que se sentirão lesados nos seus direitos e repensarão a sua continuidade na ADSE. É uma forma de os virar contra a ADSE e mesmo contra o governo, e desacreditar e destruir gradualmente a ADSE.

 

A TABELA DO REGIME CONVENCIONADO COM OS NOVOS PREÇOS PARA 2023 SÓ FOI DESBLOQUEADA PELAS TUTELAS APÓS 1,5 MESES DEPOIS DE SER ENVIADA E DEPOIS DE MUITAS INSISTÊNCIAS E PRESSÕES

Um dos maiores problemas que enfrenta a ADSE resulta do facto dos prestadores, nomeadamente os grandes grupos de saúde (LUZ, CUF, LUSIADAS, GHP do Algarve, TROFA) terem retirado das convenções com a ADSE muitas consultas de especialidade, exames e cirurgias, e também médicos, nomeadamente os mais diferenciados, com a justificação de que os preços pagos pela ADSE não cobrem os custos nem permitem pagar honorários aceitáveis pelos médicos. Os beneficiários quando se dirigem aos hospitais destes grupos são muitas vezes confrontados com a informação de que o ato, exame ou cirurgia não está na convenção, e de que o seu médico saiu da convenção. E se quiser realizar aquela consulta, exame ou cirurgia terá de pagar como fosse um particular a totalidade do preço e depois ser reembolsado, apenas numa parte do valor, pela ADSE. Não raras vezes a informação dada é errada e se o beneficiário (a) insistir ou entrar em contacto com a ADSE para confirmar dizem que foi “engano”. Mas a maior parte das vezes é verdadeira. O objetivo é “empurrar” o beneficiário para o Regime Livre ou, melhor, para a “Tabela especial dos subsistemas de saúde ” onde os prestadores cobram os preços que querem. Esta situação agravou-se enormemente com a escalada de preços verificada em 2022 que também afetou o setor de saúde. E as pressões nomeadamente dos grandes grupos de saúde aumentaram muito ameaçando que se os preços não fossem atualizados rapidamente retirariam das convenções com a ADSE centenas de exames e cirurgias. Um deles até já comunicou por escrito à ADSE que brevemente retiraria das convenções com ADSE 108 exames e 180 cirurgias importantes se os preços não aumentassem rapidamente.

Para evitar esta situação previsível que, a concretizar-se, teria consequências graves para os beneficiários, o conselho diretivo da ADSE elaborou novas tabelas para o Regime convencionado para entrar em vigor em 1/1/2023 com um aumento geral de preços e, em relação a exames e cirurgias mais complexas, os aumentos foram maiores. E enviou às tutelas (SEAP e SEO) em 9/12/2022, mas só foi desbloqueada em 20/1/2023, e só depois de muitas insistências do conselho diretivo e pressões externas de jornalistas alertados por mim da situação grave que o governo estava a criar. Perdeu-se assim um mês. E isto quando o conselho diretivo da ADSE precisava que as tutelas se pronunciassem com brevidade para ter tempo para apresentar e fazer acertos para garantir que os grandes grupos de saúde se comprometessem a fazer regressar às convenções os atos e os médicos que saíram, pois, aumentar preços, sem ter esse compromisso, para nada serve (convenções sem médicos não servem de nada aos beneficiários). A proposta elaborada pelo conselho diretivo determina um aumento de despesa para a ADSE de várias dezenas de milhões €. Mas é necessário para evitar uma nova desassociação de atos e médicos, e para que regressem às convenções muitos atos e médicos que saíram depois de set.2021. É urgente eliminar as graves dificuldades que enfrentam os beneficiários no acesso a cuidados de saúde. A tabela do Regime convencionado é da competência de gestão do conselho diretivo pois não necessita de Portaria das tutelas como acontece com a Tabela do Regime livre para entrar em vigor. O limite de despesa do Regime convencionado exigido por lei consta já do Orçamento da ADSE de 2023 aprovado pelo governo e pela Assembleia da República.

A paralisia do governo está a estrangular o funcionamento da ADSE tornando impossível a sua gestão, com efeitos graves para os beneficiários, virando beneficiários e prestadores também contra o próprio governo, já que se fala em incompetência. É preciso que os beneficiários conheçam isso. Esta é uma razão desta minha informação.

 

O GOVERNO ATRASA A NOMEAÇÃO DOS SEUS REPRESENTANTES PARA O CONSELHO GERAL E DE SUPERVISÃO DA ADSE O QUE AGRAVA AINDA MAIS A SITUAÇÃO DE PARALISIA QUE PODE TER CONSEQUENCIAS GRAVES

O Conselho Geral de Supervisão é constituído por 17 membros sendo 6 nomeados pelo governo, 2 pelas Autarquias (Associação de Municípios e Associação das Freguesias) e os restantes 9 são representantes dos beneficiários (4 eleitos diretamente pelos beneficiários e 5 representantes das associações sindicais e das associações de aposentados da Função Pública). Até este momento, e já se passaram 2 meses, o novo Conselho Geral de Supervisão ainda não tomou posse nem começou a funcionar, porque o governo não designou os seus representantes. Situação diferente acontece com os restantes membros cujos nomes foram enviados ao governo.

Esta paralisia do governo é grave pois pode causar atrasos na entrada em vigor da nova Tabelas de preços do Regime convencionado e, assim, causar mais saídas de atos e médicos com graves prejuízos para os beneficiários.

E isto porque uma das competências do Conselho Geral de Supervisão (art.º 14º do Decreto-Lei 7/2017), é emitir parecer obrigatório “sobre matérias e atribuições da ADSE, e sobre quaisquer outros regulamentos”.

 

O DEPARTAMENTO DE CONSULTORIA CLÍNICA ESTÁ SEM CHEFIA HÁ 7 MESES PORQUE A SECRETÁRIA DE ESTADO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NÃO FAZ O DESPACHO NECESSÁRIO PARA CONTRATAR UM MÉDICO

A diretora do Departamento de Consultoria Clínica da ADSE aposentou-se em jul.2022 e já se passaram praticamente 7 meses e a ADSE ainda não conseguiu contratar um médico para ocupar este lugar de chefia.

O Departamento de Consultoria Clínica é vital para o controlo dos serviços de saúde prestados aos beneficiários e no combate à fraude e ao consumo desnecessário. Ele emprega 17 consultores médicos das várias especialidades (trabalham média 32 horas/mês) que analisam as cirurgias mais complexas prescritas aos beneficiários, as associações de códigos feitas pelos prestadores, e emitem o seu parecer clínico. O mesmo acontece com os medicamentos “inovadores” (ex.: oncológicos). E é com base nestes pareceres clínicos dos especialistas que é aprovado ou não o financiamento pela ADSE. E estão sob a direção deste Departamento os 25 médicos das juntas médicas da ADSE.

E é este Departamento, com todas estas responsabilidades, que está há cerca de 7 meses sem chefia, apesar dos esforços do conselho diretivo para contratar um médico para o dirigir. E as razões que o tem impedido são de natureza remuneratória, burocrática e devido a paralisia da tutela que não decide nada. A 1ª razão prende-se com a remuneração base bruta oferecida que é cerca de 3200€, a qual fica reduzida a 1827€ após IRS, CGA/SS e ADSE, e com a obrigação de exclusividade. Uma remuneração destas é humilhante para um médico e não corresponde à responsabilidade do cargo. A 2ª razão prende-se com um obstáculo burocrático anacrónico que mostra que as desigualdades continuam na Administração Pública. Segundo o art.º 20º da Lei 2/2002 só podem ser dirigentes “trabalhadores em funções públicas “, o que exclui os trabalhadores com contrato individual de trabalho, que constituem a quase totalidade de médicos que entraram para a Função Pública depois de 2005.

Pediu-se à Secretária de Estado que propusesse à Assembleia da República a eliminação desta norma discriminatória, mas ela recusou-se fazer. 3ª razão, a própria Secretária de Estado deu orientações ao conselho diretivo para lançar um concurso excecional, o que permitia superar o obstáculo anterior, mas para isso é necessário um despacho da própria Secretária de Estado que passados vários meses se recusa a dar. Eis mais um ex. da paralisia do governo com graves consequências para o funcionamento da ADSE e para os beneficiários.

 

CONCURSOS BLOQUEADOS DURANTE MESES PELO SECRETÁRIO DE ESTADO DO ORÇAMENTO E O ADIAMENTO DESDE AG.2022 DA APROVAÇÃO DO FISCAL ÚNICO (BDO) DA ADSE O QUE IMPEDE A CERTIFICAÇÃO DAS CONTAS

O quadro seguinte mostra o bloqueamento da gestão da ADSE causada pela paralisia do Secretário de Estado do Orçamento que leva meses para tomar uma decisão ou que mesmo não toma adiando-as indefinidamente.

Quadro 1 – Concursos que estão paralisados há meses na Secretaria de Estado do Orçamento


Para além destes concursos bloqueados durante vários meses pelo Secretário de Estado do Orçamento há ainda o facto grave de que as tutelas continuam a não aprovar o fiscal único da ADSE ( um técnico da empresa BDO) desde agosto.2022, o que põe em risco a certificação das contas da ADSE, que é extremamente grave. E se não fosse o nº7 do art.º 48 da Lei 53-2022 que estabelece a aprovação tácita, em relação a determinadas matérias (não em todas), se no prazo de 45 dias as tutelas (SEAP e SEO) não se pronunciaram a situação seria ainda muito grave. As tutelas, por incapacidade ou deliberadamente, impedem uma gestão eficiente da ADSE. É preciso ter a coragem de o dizer com frontalidade e os beneficiários saberem, e não calar com medo, pois só assim é que se mudará.

 

O RISCO DOS REEMBOLSOS DO REGIME LIVRE, NÃO ATUALIZADOS DESDE 2004, DIMINUIREM NA NOVA TABELA

O Regime Livre da ADSE é aquele em que o beneficiário escolhe o médico ou prestador, que não tem convenção com a ADSE, o qual cobra o preço que quer e depois a ADSE reembolsa apenas parte do pago pelo beneficiário.

Para que os beneficiários fiquem com uma ideia de quanto custa este Regime aos beneficiários e à ADSE é importante referir o seguinte: no período 2018/2021, em 4 anos, os beneficiários pagaram a prestadores privados, que não têm convenção com a ADSE, 1186 milhões € e foram reembolsados pela ADSE em apenas 549 milhões €, ou seja, em 46%. A maioria do conselho diretivo pretende que os reembolsos aos beneficiários no Regime livre sejam iguais aos encargos pagos pela ADSE pelos mesmos atos no Regime convencionado. Uma análise que mandei fazer com base na tabela do Regime convencionado publicada em set.2021 determinava uma redução significativa nos reembolsos pagos aos beneficiários no Regime livre aumentando a parcela já paga por eles.

Devido à minha total oposição a tal metodologia a “atualização” da Tabela do Regime livre está paralisada e enviada à Secretária de Estado da Administração Pública para decisão. Ela está à espera do novo Conselho Geral de Supervisão e que o novo membro do conselho diretivo que me vai substituir seja mais “compreensivo” para avançar com aquela atualização”. O alerta que deixo aos beneficiários e aos seus representantes é que estejam atentos pois nas cidades onde estão os hospitais dos grandes grupos o acesso aos médicos mais diferenciados e com maior experiência em muitos casos é só possível através do Regime livre pois estes médicos recusam-se a aderir às convenções da ADSE porque consideram os honorários pagos inaceitáveis. E fora das grandes cidades onde os prestadores e o número de convenções muito reduzido, o acesso dos beneficiários a cuidados de saúde é só possível através do Regime livre. Por isso este regime deve merecer também uma atenção muito especial.

 

A CONFUSÃO PARA OS BENEFICÁRIOS VAI AUMENTAR DEVIDO A UMA NOVA INTERPRETAÇÃO DE UMA REGRA GERAL FEITA PELA MAIORIA DO CONSELHO DIRETIVO QUE VOTEI CONTRA: a adesão dos médicos “à La carte”

A alínea b) do nº 4 das “REGRAS GERAIS” das Tabelas do Regime convencionado em vigor dispõe o seguinte “ A ADSE acorda com cada prestador o número de médicos que são afetos à Convenção por especialidade e local de prestação”.

Portanto, a adesão dos médicos inclui as consultas e todas as cirurgias da especialidade. Recentemente, a maioria do conselho diretivo, com a minha total oposição, decidiu que a adesão do médico se pode fazer por ato (transcrevo de uma mensagem enviada a um grande grupo de saúde: “A ADSE confirma o seu entendimento que um médico que adira à convenção não tem de prestar todos os atos que constam da tabela da respetiva especialidade”), ou seja, que o medico possa escolher, da sua especialidade, apenas as cirurgias que tem interesse em fazer porque compensam e recusar aquelas em que não tem interesse realizar. Assim quando o beneficiário for a um hospital dos grandes grupos o médico pode não estar na convenção em consultas, mas estar na convenção na cirurgia “A”, mas não na cirurgia “B” da mesma especialidade. ´É uma espécie de “adesão à la carte”. Esta nova interpretação das Regras Gerais das Tabelas do Regime convencionado já foi comunicada, por escrito, a um grande grupo de saúde pela maioria do conselho diretivo. Tal interpretação desta regra terá de ser comunicada a todos os prestadores, para a ADSE não poder ser acusada de tratar de uma forma desigual os prestadores, o que aumentará a confusão para os beneficiários. É um alerta que lhes deixo para estarem atentos e não terem surpresas quando à saída forem pagar pois poderão ser cobrados no Regime livre.

 

A PARTIR DO FIM DE 1 DE MARÇO DE 2023 A ADSE DEIXARÁ DE PAGAR OS TRANSPORTES DE DOENTES NÃO URGENTES, MAS APENAS AQUELES QUE O SNS ESTÁ OBRIGADO POR LEI A PAGAR

Em 2022, a ADSE pagou 14,1 milhões € de transportes a 4616 beneficiários. Daquele total de beneficiários, 1316 são transportes de doentes hemodialisados cuja despesa foi de 10 milhões €. A despesa com o transporte de doentes hemodialisados é, por lei, suportado pelo SNS e a ADSE está impedida também por lei de suportar despesas que obrigatoriamente têm de ser suportadas pelo SNS. O conselho diretivo da ADSE teve reuniões com o conselho da administração da ACSS do Ministério de Saúde para acordar a transferência para o SNS dos beneficiários hemodialisados cuja despesa de transporte passa para o SNS. E foi enviado a cada um dos beneficiários por e-mail, e, para aqueles que não possuem e-mail, por carta uma informação alertando-os para o que deviam fazer e o prazo que tinham para o fazer.

No entanto o problema subsiste para os restantes 3300 beneficiários que utilizaram transportes pagos pela ADSE em 2022, e que não são doentes hemodialisados, pois alguns têm direito a transporte pago pelo SNS (por ex. os com insuficiência financeira e doenças graves e com incapacidade superior a 60% – ver Portaria 142-B/2012 disponível em Transporte não Urgente de Doentes) e outros não têm direito. É em relação a estes, que são maioria, que podem surgir duvidas e dificuldades e gerar insegurança. Por essa razão defendi no conselho diretivo que o prazo fosse mais alargado para os beneficiários terem tempo para se esclarecer e organizar, mas a minha proposta foi recusada pela maioria do conselho diretivo. E foi fixado que “a partir do dia 1 de março de 2023, a ADSE deixará de reembolsar em Regime livre o transporte não urgente de doentes que, por lei, são obrigatoriamente financiados pelo SNS”. Aconselho se tiverem dúvidas ou dificuldades contatem a ACSS ou a ADSE.

Na informação enviada a todos os beneficiários consta um esclarecimento importante que transcrevo na integra: “Nas situações em que a prescrição do transporte não tem origem no SNS, a ADSE continua a fazer o reembolso desde que o respetivo pedido venha acompanhado da prescrição que indica a necessidade de transporte, a qual deve ser emitida pelo mesmo médico que prescreve os tratamentos a realizar”.

 

O BLOQUEAMENTO BUROCRÁTICO DA CONTRATAÇÃO DE TRALHADORES PELA ADSE E O RECURSO À COMPRA DE PACOTES DE MILHARES DE HORAS A EMPRESAS DE TRABALHO TEMPORÁRIO PARA EVITAR GRANDES ATRASOS NOS REEMBOLSOS AOS BENEFICIÁRIOS E PARA GARANTIR O FUNCIONAMENTO DAS JUNTAS MÉDICAS

A ADSE tem um quadro de pessoal de 279, mas só tem 190 trabalhadores. A escassez de técnicos qualificados e com as competências necessárias é enorme. As remunerações pagas na Administração Pública, e a perda de poder de compra afasta os mais qualificados. As remunerações “oferecidas” são tão baixas que são humilhantes. E têm perdido todos os anos poder de compra. A isto junta-se um sistema pesado e burocrático de contratação na Administração Pública. Em 2019 o Ministério das Finanças decidiu concentrar em si a contratação de 1000 técnicos superiores para todos os serviços da Administração Central. A ADSE precisava de 12 e ao fim de dois anos foi-lhe atribuído apenas dois e um desistiu logo no início. Em 2021 a ADSE lançou um concurso para a contratação de 22 assistentes técnicos. Inscreveram-se cerca de 3000 candidatos. Como não tinha recursos para aplicar os métodos burocráticos de seleção exigidos pela lei, encerrou o concurso sem contratar ninguém. Os sistemas de informação da ADSE dependem quase totalmente de empresas privadas. É um risco enorme. O conselho diretivo propôs à Secretária de Estado que o governo atribuísse o estatuto de EPE à ADSE, o que tornaria a contratação de trabalhadores mais flexível e rápida, mas esta recusou. O reconhecimento que o modelo de contratação não funciona é o facto de estar em revisão. Mas quantos anos levará? Para colmatar a insuficiência de trabalhadores, a ADSE todos os anos lança concursos a empresas de trabalho temporário, para aquisição de um pacote de 20000 horas para garantir os reembolsos aos beneficiários no Regime Livre e um outro pacote de 9000 horas para assegurar o funcionamento das juntas médicas, pagando entre 6€ e 8€ à hora por imposição do Ministério das Finanças (os trabalhadores precários contratados por estas empresas ganham menos). Isto é um exemplo da “Agenda do trabalho digno” do governo na Administração Pública.

 

O SALDO DE 1100 MILHÕES € DE DESCONTOS DOS BENEFICIÁRIOS E UM ESTUDO DE SUSTENTABILIDADE DA ADSE QUE NÃO DÁ GARANTIAS DE INDEPENDÊNCIA, MAS QUE PODERÁ SER UTILIZADO PARA REDUZIR BENEFICIOS. AS PERSPECTIVAS FUTURAS

É impossível fugir a esta questão pois ela é posta continuamente por eles e pela comunicação social. Aquele saldo deve-se muito à redução significativa da utilização dos serviços de saúde pelos beneficiários durante a pandemia pois, enquanto a despesa diminuiu muito, o valor do total dos descontos. Nos 3 últimos anos somaram mais de 500 milhões €, mas excetuando os anos da pandemia os excedentes anuais da ADSE variam entre 60 milhões € e 80 milhões €. E estes valores têm sido possíveis devido às despesas dos trabalhadores das Autarquias serem suportadas pelas próprias Autarquias e os descontos dos seus trabalhadores reverterem para ADSE. Quando as Autarquias deixarem de financiar as despesas de saúde dos seus trabalhadores e elas passarem a ser suportadas pela ADSE, como reivindicam e o governo prepara-se para aceitar, a previsão é que o excedente da ADSE desapareça, a não ser que os empregadores públicos passem a descontar também para a ADSE. Em Espanha, por ex., o Estado financia uma entidade publica – MUFACE- que suporta as despesas de saúde dos funcionários públicos, sendo cerca de 70% das suas despesas financiadas pelo Estado.

O mesmo terá de acontecer em Portugal se as Autarquias deixarem de suportar as despesas de saúde dos seus trabalhadores como reivindicam. A reserva de 1100 milhões € que está no IGCP (banco do Estado) servirá para compensar eventuais saldos negativos. Infelizmente não está a render nada (taxa de juro é 0,1%) e, em 2022, perdeu o equivalente a 88 milhões € de poder de compra devido à escalada de preços. Sobre o estudo de sustentabilidade deixo aqui apenas o alerta aos beneficiários, mas falarei futuramente dele.


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