“On se persuade de tout et l’on croit ce que l’on veut croire.”
André Gide
Na curva do monte surgiu numa bela tarde de mistério e enigma a esbelta figura de Beatriz. Houve quem tivesse afirmado que não se conheciam mulheres na vida do Inventor. Mas quem sabe sempre tudo de tudo? Quem poderá negar a evidência de Beatriz, jovem e esbelta rapariga? Alguém que a viu surgir na curva do monte assegura que esta jovem se atravessou bastas vezes na vida do nosso Inventor e que também por ela muitas noites de insónia viveu o nosso herói. Outros afirmam tê-los visto de mãos dadas à beira do lago, refúgio propício a todas as meditações e promessas. Beatriz terá visto as escavações, os ferros acumulados, as inscrições, as fórmulas matemáticas. Que razões a moviam? O coração tem razões que a razão desconhece, é a conhecida e sábia fórmula capaz de tudo explicar. Será necessário explicar tudo?
Quanto ao Inventor apenas pequenos fragmentos de vida, pequenos restos da sua discreta passagem por estes sítios de encanto e mistério. E quanto a Beatriz? É muito bela e isso faz a sua força e a sua fragilidade. Uns olhos verdes reflectidos na superfície do lago, uma silhueta num fim de tarde suspenso da luz, eis a memória de um Inventor. E isso lhe basta, pensa. Quem nos dirá das águas o peso de todos os náufragos? E de todos os amantes perdidos na solidão dos dias e das noites? Regressam as mulheres à história, a todas as histórias. Por elas se perderam guerras e impérios, se fizeram pecadores e santos, heróis e cobardes. Podem acrescentar alguma coisa à história do nosso Inventor? Pepe Mão de Fada não tem dúvidas sobre o encanto de Beatriz, tenta ler os seus olhos, adivinhar os seus passos e, no entanto, sabe que isso pouco vai ajudar acerca da estranha vida do Inventor. Os amores podem mudar o curso das histórias, mas não são o cerne desta história, de muitas histórias. Ajudarão a iluminar algumas zonas de neblina, só isso, às vezes nem sequer isso é muito importante. Digamos então que o nosso Inventor gostava de mulheres e que uma das mais verosímeis hipóteses de explicar o seu assassinato fica assim excluída em definitivo, o que é uma perda fatal para o Narrador que achava esta explicação a mais provável. De enganos também é feita a vida de um Narrador desmascarado assim na sua omnipotência.
– Isso era dantes, disse Pepe Mão de Fada, a literatura já não é como antigamente. Ora toma!