“Alma azul, obscura viagem.”
Trakl
Os mais velhos recordam que há alguns anos atrás nesta aldeia perdida nas montanhas um avião caído dos céus se evaporara ao bater no solo. A única marca visível é hoje um pequeno lago pejado de nenúfares e bordejado de juncos e lírios do campo.
(Tal como as aves dos céus nem uns nem outros se preocupam com o sustento quotidiano.)
– A história do avião interessa-me muito, muitíssimo, insistiu Pepe Mão de Fada. Evaporou-se como? E as asas? E os motores? E os pilotos? Teria tripulantes? E os passageiros?
– Depois de buscas prolongadas não encontraram mortos, nem lata, nada, nada, disse a mulher do sacristão.
Durante longos meses autênticas peregrinações ao local do impacto e cruzes canhoto, almas benditas, em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, Nossa Senhora da Ajuda, foram alguns dos ecos mais ouvidos nas encostas circundantes.
– Morreram todos, se é que havia alguém dentro do avião, disse o Padre, pouco preocupado com essa estúpida discussão.
(Foi perto deste lago que o inventor – agora cadáver – descobriu a sua quinta senhorial abandonada.).