“Estranha forma de vida” a que leva Helena no quadro das diversas formas de vida individuais ou coletivas no multidisciplinar conceito social.
Todas as noites, há mesma hora, religiosamente pelas 21,30, atravessa o Largo de São Francisco e percorre suavemente a avenida Dom Afonso Henriques sorrindo para os condutores das viaturas que vão passando.
Uns retribuem-lhe o sorriso, outros não. Uns procedem ao abrandamento da marcha, outros não. Uns param a viatura, descem o vidro e perguntar-lhe quanto cobra pelo serviço que presta, convidam-na a entrar ou, não. Outros param a viatura, abrem o vidro, vociferam impropérios e, aceleram a marcha, indo-se embora de forma rápida.
Helena exerce a mais antiga profissão do mundo mesmo não sendo uma profissão reconhecida como tal no mundo que se reclama de, civilizado. Helena é uma profissional do sexo. Presta serviços numa área definida como sendo de foro íntimo ligada à satisfação de um dos instintos primários da espécie animal: o prazer da carne.
A exponente máxima da realização cumulativa do indivíduo agregadora da sensibilidade intuitiva que se liberta e expande em um orgasmo final do ato. Um serviço ancestral inserido no quadro do suprimento das necessidades básicas elementares do Homem na sua condição animal reprodutiva que ao longo dos processos evolutivos da espécie perdeu esse cunho.
No entanto, por regras estabelecidas ao longo da sua História, esta atividade sempre foi e continua a ser um tabu cultural enraizado, muitas vezes intracultiral, mas que se acomoda e arruma como se não existisse e fica deambulando nas intenções das regras das entrelinhas do pudor que deixam marca indelével no rubor da organização social da espécie.
Helena tem disponibilidade quanto baste para aceitar argumentos gastos pelo escárnio social enjeitado mas não aceita ser a vítima de um prazer não partilhado enquanto profissional que se limita a prestar um serviço e por esse serviço prestado cobra valor de remuneração para fazer face à vida quotidiana no âmbito dos parâmetros socialmente estabelecidos.
Tem clientes regulares e ocasionais. Investe na sua imagem para melhor agradar aos clientes. Tem as despesas inerentes ao serviço prestado. Tem o ativo e o passivo de uma outra qualquer atividade profissional exercida a título individual onde o saldo de apura do diferencial entre a receita e a despesa de um exercício simples. Também tem os riscos inerentes à sua atividade profissional. Não compreende por isso a indiferença legal para com o exercício da sua atividade e muito menos aceita lições de moral da moral corrompida estabelecida.
Aquela moral que a rótula de ter uma, “estranha forma de vida”, na medida em que, nada é socialmente estranho na forma de vida que leva exercendo a profissão que escolheu ou por força de circunstâncias a montante e a jusante tem de exercer e, por isso, não deve ser julgada como sendo o exercício de ato marginal ou criminoso.
Atividade para volúpia alheia, “estranha forma de vida”, a de quem vende o corpo por momentos não cabe num mundo onde a venda da força de trabalho de manufatura ou intelectual resulta para a interação relativa do equilíbrio sustentado e a sustentabilidade de todos os ecossistemas e da biodiversidade à escala do Planeta.
“Estranha forma de vida” será por ventura a de todos aqueles que vendem a alma sem qualquer rebuço ou constrangimento prostituindo o caráter que é coisa a que Helena não se submete ou faz.
Por opção do autor, este artigo respeita o AO90
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