A Juventude
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Na sequência final de A Juventude, a diva sul-coreana Sumi Jo interpreta com brio a sinfonia Simple Song, da autoria do maestro Fred Ballinger, evoluindo num crescendo até à apoteose final num forte vibratto que termina num final silencioso a coincidir com a entrada dos créditos finais, como que a aguardar pelo aplauso do público. De resto, foi mesmo isso que sucedeu no passado festival de Cannes, onde o filme foi exibido em competição e recebido por muitos como um momento de êxtase, embora entrecortado também por alguns apupos, onde de resto nos integrámos, satisfeitos por perceber que essa ovação não era totalmente unânime e até algo indiferente aos valores morais das personagens.
Paolo Sorrentino sempre foi um realizador extremamente visual, com um estilo cuidado e grandioso até na forma como usa e pensa a câmara, fazendo quase sempre deslizar as personagens como se desfilassem numa passerelle. Jamais duvidámos da sua habilidade de encenador. O problema é que o seu cinema revela demasiada ambição e imodéstia, sobretudo por se revelar algo inepto no desenvolvimento dos guiões. Percebemos isso no muito bem filmado This Must Be The Place/Este é o Meu Lugar, embora com um Sean Penn horroroso a assumir os tiques de uma estrela de rock reformada, mas também no deslumbramento efémero de A Grande Beleza, de 2013, sobre um escritor dandy a reflectir sobre a sua vida, e que viria a ganhar o Óscar de Melhor Filme Estrangeiro, e a limpar os principais Prémios do Cinema Europeu. Tal como no final, para A Juventude, numa nova opção pela língua inglesa, o realizador de 45 anos escolheu um número musical, em que a banda de covers Retrosettes interpreta You Got the Love, dos Florence and the Machine, com um palco giratório que nos vai mostrando o público.
O problema de A Juventude, mas afinal de contas também de Sorrentino, é que esta opção de centrar o filme num conjunto de personagens abastadas a ruminar sobre questões existenciais da vida soa a falso. Entre os inquilinos ocasionais desse spa muito exclusivo nos alpes suíços encontramos então o maestro retirado Fred Ballinger (Michael Caine), a quem um emissário da rainha de Inglaterra vem insistir para que aceda a conduzir a sua sinfonia Simple Song para o Príncipe Guilherme, mas também o seu amigo americano de longa data, o realizador Mick Boyle (Harvey Keitel), a tratar dos seus problemas de próstata enquanto procura engendrar com a sua equipa de argumentistas um final para o seu filme testamentário. Encontramos ainda Lena (Rachel Weisz), filha e secretária do maestro, a recuperar do abandono do marido (filho de Mike) que a trocara por uma bomba sexual, só porque “era melhor na cama”. Paul Dano é um actor americano em repouso para absorver uma nova personagem e insatisfeito por ignorarem os seus melhores trabalhos e apenas o reconhecerem por um filme em que fez de robô.
Teremos ainda o que parece ser um futebolista obeso retirado – alguém falou em Maradona? – com as costas tatuadas e caminha ajudado por uma bengala arrastando uma garrafa de oxigénio; mas também um casal que toma refeições em conjunto sem trocar uma palavra. Haverá ainda a curta cena com a explosiva Jane Fonda, um dos momentos mais intensos do filme, no papel de uma actriz veterana que vem dizer a Mick que tem outras intenções para além do filme que ele está a rodar.
Durante todo o filme somos brindados por imagens carregadas de um enorme rasgo visual e uma estética tão sofisticada, mas que acaba por ficar desgarrada e começar a denotar algum pretensiosismo. Seja como for, o climax ocorre quando a dupla de amigos vê chegar o magnífico corpo nu da Miss Universo à piscina aquecida onde repousavam. Um tão grande choque de extremos que não deixa uma só alma que seja indiferente.
Sorrentino encara o cinema como se de uma ópera se tratasse, no entanto, com um guião que nunca chega à altura dos cenários e da sua encenação. Por isso mesmo não se escusa de ilustrar os bucólicos prados verdes alpinos numa inspiração de Ballinger a conduzir uma orquestra formada por mugidos de vacas e o barulho dos chocalhos; veremos igualmente um Mick alucinado a ver as suas actrizes como estátuas a declamar “one liners” dos seus filmes. Como se vê, tudo muito discreto, tudo muito simples. Como o tal lokalike de Maradona a dar toques violentos numa bola de ténis ou até um monge em levitação. Sim, claro, paira aqui a herança de Fellini. Mas é o próprio Sorrentino quem coloca na boca de Mick: somos todos figurantes. Na verdade, assim é. Como uma bela estátua, fria, muda e inerte.
Resta-nos apenas aguardar se esta A Juventude fará de novo como A Grande Beleza e arrebatará de novo filme as nomeações mais importantes para os Prémios do Cinema Europeu, em que está nomeada, na cerimónia agendada para este sábado, em Berlim, num evento que iremos acompanhar. O que nos parece é que esta Juventude não é A Grande Beleza que parece.
Nota: A nossa opinião (de * a *****)
[…] já, o filme A Juventude (Youth) do italiano Paolo Sorrentino lidera as nomeações, com cinco categorias: Melhor Filme, […]