Referi no número anterior a importância que a noção de cuidado assume nas éticas contemporâneas, sobretudo a partir do trabalho de Carol Gilligam “In a diferente voice”. Penso ter deixado claro que esta noção é re-significada no sentido de se referir a uma certa forma de estar no mundo, partilhada por homens e por mulheres e que remete para a solicitude, para a atenção relativa ao outro, a nós próprios e ao mundo, para a disponibilidade como antídoto da apatia e da indiferença.
Todo este esforço de valorização daquela que pode ser considerada a estrutura básica de ser-no-mundo – sermos cuidadores e necessitados de cuidado –, é feita em articulação com aquilo que uma certa tradição da Modernidade entendeu ser fundamental em ética: a preocupação pela justiça.
Assim, um número significativo de propostas éticas podem ser consideradas como a tentativa de inter-relacionar princípios universais de justiça (o que Adela Cortina chamou mínimos de justiça) com a situação concreta de cada ser humano, o seu contexto e a sua história.
Em resposta ao carácter demasiado abstrato, formal e instrumental da racionalidade, tal como vinha sendo entendida desde o século XVIII, pretende-se, agora, sublinhar outros elementos que sejam capazes de dar conta de toda a complexidade da vida humana e, particularmente, no âmbito da vida ética.
O que está em causa é a afirmação de si e do outro como seres merecedores de respeito enquanto seres dotados de dignidade mas também como seres vulneráveis. A consciência da vulnerabilidade, como condição de todos os seres humanos mas também da natureza em geral, é hoje um elemento incontornável para qualquer reflexão ocupada com a investigação acerca do que será uma sociedade justa e uma vida boa.
Esta nova forma de entender a racionalidade em que se sustenta uma nova perspectiva ética é de carácter inclusivo. Integra, também, o domínio das emoções, ou seja, a capacidade de nos indignarmos com a injustiça e a capacidade de partilhar o sofrimento e a alegria dos outros – compaixão.
Para além da já citada Adela Cortina, outras filósofas como, por exemplo, Martha Nussbaum e Sheyla Benhabib podem ser consideradas representantes duma ética que enfatiza a articulação justiça/cuidado. Continuando aquela que sempre foi parte da investigação ética, a formação do carácter e a procura de uma vida boa, acrescenta-se, agora, a preocupação pelas instituições (que deverão ser justas) e pela justiça social (distribuição equitativa dos recursos).
O desenvolvimento das capacidades individuais e a auto realização são essenciais mas implicam, por um lado, o “saber colocar-se no lugar do outro” e, por outro lado, uma sociedade onde os mínimos de justiça estejam presentes.
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