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João de Sousa

Sábado, Novembro 2, 2024

Eu, o futebol e o doutor

futebol

Ribeiro da Silva, um dos melhores comentadores desportivos em Angola, costuma dizer que “o futebol é a coisa mais importante entre as coisas que não têm importância nenhuma”.

Gosto do trocadilho desta frase. Mas gosto ainda mais da sensatez com que o kota trata dos mambos da bola. Nada a ver com aqueles treinadores de bancada que acham que a vida começa e termina numa partida de futebol.

Contudo, se o fanatismo pela bola provoca algumas makas, a mania da intelectualidade também não fica muito atrás.

Um cirurgião, por exemplo, em véspera de uma operação importante, deve mergulhar numa leitura sobre os estudos literários? Um músico profissional, no dia do concerto, deve investigar sobre as regras do uso do hífen?

Então porque é que alguns doutores não perdoam, por exemplo, que um futebolista não tenha devorado todos os volumes do Guerra e Paz ou não saiba que o nome de registo de George Orwell era Eric Arthur Blair?

Numa altura em que vão abundando as vozes que defendem que “a formação superior não se massifica” e que “é preciso diversificar as alternativas”, desconsigo de entender o porquê de um doutor da banda se ter posto a criticar um gajo só porque me apanhou a vibrar com a vitória do Sporting diante do Porto: “És um nabo, pah! O país está a ser pilhado, e tu andas distraído na bola. Ainda por cima, dos estrangeiros!”

Ao responder-lhe que uma coisa não tinha nada a ver com a outra, senti que aquele senhor, além da mania da intelectualidade chauvinista, cultivava um cochito de inveja pelos futebolistas, pois chegou a acusar-me de defender “uns analfabetos quaisquer que ganham a vida dando pontapés na bola”.

“Já que é assim tão fácil”, sugeri-lhe com alguma raiva, “devias também jogar futebol, em vez de andares a desenrascar como garimpeiro nas universidades!”

O que o kota me disse a seguir nem mesmo uma revista de adultos publicaria.

Eu também não.

Aliás, se um gajo nunca comeu dinheiro de nenhum futebolista, porque é que devo andar a defendê-los diante dos doutores que padecem de futebolofobia?

Por isso, ou talvez nem tanto por isso, mas sim para todos os efeitos, pelo sim, pelo não e para que conste, continuo a dar razão ao Ribeiro da Silva: “O futebol é a coisa mais importante entre as coisas que não têm importância nenhuma!”

O autor escreve em português de Angola

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