Depois da Polónia, Hungria e Áustria, temos agora a Chéquia a confirmar nas eleições presidenciais as indicações dadas já nas legislativas de uma posição eurocéptica e anti-imigração.
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A deriva da UE pós muro de Berlim
Depois da Polónia, Hungria e Áustria, temos agora a Chéquia a confirmar nas eleições presidenciais as indicações dadas já nas legislativas de uma posição eurocéptica e anti-imigração.
Milos Zeman, o reeleito presidente da Chéquia, com 73 anos, foi um dissidente durante o regime imposto pela URSS e o líder histórico dos socialistas checos antes de derivar para a posição cada vez mais conservadora, pró-russa, xenófoba e eurocéptica com que se apresentou a estas eleições.
Mais uma vez, as sondagens e os analistas europeus enganaram-se redondamente nas previsões que apontavam para a derrota de Zeman. Este tinha ganho a primeira volta com uma margem julgada demasiadamente curta, e como todos os seus opositores se uniram em torno do segundo candidato mais votado – Jin Drahos, presidente da Academia das Ciências, ‘euro-entusiasta’ e apontado como um modelo de correcção política – pensava-se que isso seria suficiente para a vitória de Drahos, mas tal não aconteceu.
Na Europa central resta assim apenas a Eslováquia (que terminou no semestre passado a sua presidência europeia) onde um ‘bloco central’ tenta resistir ao espectro de eleições antecipadas, com as sondagens a indicar grandes subidas nos movimentos ‘populistas’.
Na União Europeia, a Leste, ficarão apenas as três repúblicas bálticas – cuja única preocupação política parece ser a de evitar a invasão russa – e as muito instáveis Bulgária (cada vez mais manobrada pela Rússia) e Roménia.
Trata-se de uma deriva de todo o bloco que se aproximou da Europa depois da queda do muro de Berlim (a Áustria tinha um estatuto de neutralidade entre os blocos) que tem um profundo significado político.
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A sobrevivência a Ocidente
A União Europeia tem conseguido ultrapassar um após outro os desafios políticos à sua sobrevivência com que se tem confrontado, nomeadamente em eleições cruciais que tiveram lugar nos Países Baixos e em França em 2017. Conseguiu também salvar o Euro graças à resiliência do presidente do Banco Central Europeu Mario Draghi (Super-Mario 1), entusiasmando-se agora com Mário Centeno (Super-Mario 2).
Para além disso, conseguiu normalizar o BREXIT e evitou, por enquanto, que a declaração da independência da Catalunha trouxesse à Península Ibérica um cenário balcânico. Conseguiu também travar o colapso grego e estancar as crises maltesa e cipriota.
Portugal, que apenas há cinco ou seis anos era tido consensualmente pela elite político-financeira alemã como um caso perdido, aparece agora como uma espécie de farol, enquanto a crise política alemã, até ver, parece estar ultrapassada, embora com uma Alemanha sem capacidade de iniciativa.
As instituições europeias conseguiram ultrapassar todas estas provas, o que é naturalmente sinal da sua capacidade. Mas o facto de terem sido tantas vezes postas à prova denota também a sua fragilidade.
As maiores novidades vieram da França, onde um populismo de género totalmente diferente dos que o precederam parece ter conseguido ultrapassar os sobressaltos iniciais e se apresta a concretizar alguns dos mais antigos sonhos de uma importante corrente eurocrática que tolera mas facilmente se exaspera com a democracia.
Populismo que preserva as elites e reforça o liberalismo, a onda Macron destruiu o edifício político-partidário francês, contesta frontalmente a ideia de um sistema político submetido a essas vetustas categorias de ‘Esquerda’ e ‘Direita’ e quer apresentar-se já nas eleições europeias de 2019 com um grupo de notáveis que transcenda também as fronteiras nacionais.
O impasse alemão faz da França o único país com capacidade de liderança europeia. O enfraquecimento político da Espanha e de Itália – se não se acentuar exportando efeitos desestabilizadores – contribui também para um reforço relativo da posição francesa. Por outro lado, a visão gaulista do mundo encara com naturalidade, se não mesmo com alívio, o BREXIT e a deriva da Europa central – o alargamento a uns e outros foi sempre visto como enfraquecendo a Europa – e não parece especialmente preocupado com o que se passa no resto do mundo.
Nesta perspectiva, a explosão do multilateralismo e a saída de cena dos EUA do seu papel de líder mundial (a malfadada ‘hiperpotência’ no vocabulário francês) não se apresentam como necessariamente negativos.
Tudo isto nos leva a considerar como plausível um cenário que ainda há seis meses ninguém ousaria considerar, o de uma mini-Europa despida de valores universais a flutuar fixada no seu umbigo num Oceano global cada vez mais revolto.
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Implicações globais da vitória de Zeman
O grande vencedor internacional da eleição de Zeman é inegavelmente Putin, que consolidou assim um novo aliado bem no coração da Europa. Tendo conseguido tornar-se no principal pomo de discórdia no seio do seu grande rival transatlântico, avançando na Europa com invasões declaradas ou camufladas, conseguindo erguer-se como principal patrocinador dos principais regimes tirânicos do mundo (incluindo mesmo as rivais como a do Irão e da Turquia) o antigo responsável do KGB liderou a expansão de um regime profundamente corrupto, autocrático e incompetente.
Apesar de se ter desembaraçado de Nemtsov (assassinado nas portas do Kremlin) e de ter proibido Navalni de concorrer (foi mesmo preso no passado dia 28), Putin avança para as ‘eleições’ russas de Março com mais tranquilidade no plano externo do que no plano interno, perante uma contestação que não cessa de crescer.
A miniaturização da Europa, o seu afastamento dos princípios democráticos e o seu progressivo alheamento da aliança transatlântica ou de todas as suas ambições de respeito de princípios humanitários é também naturalmente uma boa notícia para a grande potência emergente dos nossos dias, a China.
A chegada massiva de refugiados é efeito da guerra, da ditadura e da miséria. Não querer enfrentar as causas obriga-nos a enfrentar as consequências. Não querer ver esta realidade tem consequências trágicas que se começam apenas a perfilar diante de nós.
A crise europeia é mais profunda que a dos nossos vizinhos transatlânticos, mas é também potenciada por ela. Os EUA nunca deveriam esquecer as razões pelas quais foram o motor do lançamento das comunidades europeias, razões que em larga medida subsistem hoje. A queda de Praga no tabuleiro europeu deve ser também para eles uma preocupação adicional.