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João de Sousa

Domingo, Novembro 24, 2024

Europa 2027

Paulo Casaca, em Bruxelas
Paulo Casaca, em Bruxelas
Foi deputado no Parlamento Europeu de 1999 a 2009, na Assembleia da República em 1992-1993 e na Assembleia Regional dos Açores em 1990-1991. Foi professor convidado no ISEG 1995-1996, bem como no ISCAL. É autor de alguns livros em economia e relações internacionais.

Parece-me que poderíamos e deveríamos equacionar a forma como a Europa 2027, que começou a ser esboçada a semana passada, poderá ser útil para o pensar no Portugal 2030.

  1. Acordo agridoce

Prolongando por mais alguns dias a sua cimeira, os chefes de Estado conseguiram chegar a um acordo orçamental de princípio que aumenta substancialmente a dotação para o orçamento comunitário – os limites orçamentais do orçamento normal aumentam de 1% para 1.4% do rendimento da União Europeia – adicionando-lhe ainda um fundo de recuperação (Next Generation EU expressão não traduzida) no valor de 750 mil milhões de Euros.

O acordo assinala a primeira vez em que a União Europeia se endivida de forma substancial, sendo que parte dessa dívida é utilizada para conceder empréstimos aos Estados, e que as dotações orçamentais aumentam de forma muito significativa.

Desse ponto de vista, o acordo merece colocar-se a par dos grandes avanços obtidos por Jacques Delors no domínio da coesão económica, social e territorial, e merece ser qualificado de histórico, sob reserva da sua aprovação pelo Parlamento Europeu e de os alçapões contidos por este não o venham a esvaziar substancialmente de conteúdo.

O acordo fica bastante aquém do que tinha sido almejado pela Presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, e daí se entender que ela o tenha considerado como ‘pílula amarga’ no seu discurso perante o Parlamento Europeu.

Quase metade do Fundo de Recuperação é transformado em empréstimos; é dado aos Estados um poder desmesurado que pode bloquear a execução dos fundos (poder talvez mais agressivo do que o que foi dado à troika) e é estabelecido o princípio de devoluções financeiras generalizadas aos Estados mais ricos (Alemanha, Áustria, Dinamarca, Suécia e Países Baixos) a ser financiados pelos restantes, ou seja, fazendo com que uma parte muito importante do que estes últimos recebem corresponda a devoluções que têm de fazer.

O Parlamento Europeu, na sua resolução de dia 23, exigiu alterações ao acordo a fim de o poder aprovar, o que poderá implicar algumas alterações ao acordado.

  1. Fiscalidade

Entre as várias questões essenciais que estão por clarificar conta-se a questão da fiscalidade em que se apontou para a obtenção de um acordo nos próximos três anos para determinar novos impostos europeus, que poderão incidir sobre a economia digital, o carbono (ideia antiga) e o plástico.

Mais importante do que isso seria acabar com a actual situação de concorrência desleal que permite às grandes empresas e interesses negociarem taxas baixíssimas de impostos, opção vedada aos trabalhadores e às empresas de menor dimensão que não dispõem de dimensão para pagar um exército profissional de fiscalistas que lhes permitam pagar taxas fiscais muito mais baixas.

Esta situação, a manter-se, agravada pelas contribuições extraordinárias pagas pelos países mais pobres aos mais ricos, diminui fortemente a contribuição líquida recebida (seria urgente que em Portugal, contrariamente ao que sempre se fez, fossem feitas contas verdadeiras sobre o que o país vai receber na realidade) e tem grandes custos de administração e gestão do dinheiro – que se limita a fazer um círculo completo, numa grande medida.

  1. Que futuro?

O debate sobre o futuro do quadro financeiro começou com o chamado documento Costa Silva, a que conto dar atenção quando tiver tempo para o analisar, mas que, a julgar pelas pequenas partes que li, me parece falhar em dois dos domínios mais estratégicos.

A Defesa é equacionada no domínio do negócio (indústria da defesa) ou nos domínios da moda, como a ciberdefesa perante o ciberterrorismo, mas nem uma palavra se diz sobre o agigantar da ameaça jihadista que cresceu desmesuradamente na passada década a Sul da Europa e com a qual seguramente Portugal vai finalmente ter de se preocupar.

Na banca, ressuscita-se o Banco de Fomento de Passos Coelho num contexto em que se assume erradamente o problema do país como o de um défice de capital sem dizer uma única palavra para a necessidade urgente de reforma do sistema financeiro que faça com que este deixe de ser o principal sorvedouro de recursos públicos do país e passe antes a apoiar o seu crescimento.

O plano tem imensa colagem de jargão da moda em vez de visão estratégica, colada por vezes a pormenores que aí não têm cabimento num documento deste tipo, como o seja o de começar um plano de comboios de alta velocidade por uma ligação Porto-Soure.

Em qualquer caso, é um ponto de partida, e parece-me que poderíamos e deveríamos equacionar a forma como a Europa-2027, que começou a ser esboçada a semana passada, poderá ser útil para o pensar no Portugal 2030.


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