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Segunda-feira, Dezembro 23, 2024

Europa financia poluidores energéticos em nome do “Clima”

Paulo Casaca, em Bruxelas
Paulo Casaca, em Bruxelas
Foi deputado no Parlamento Europeu de 1999 a 2009, na Assembleia da República em 1992-1993 e na Assembleia Regional dos Açores em 1990-1991. Foi professor convidado no ISEG 1995-1996, bem como no ISCAL. É autor de alguns livros em economia e relações internacionais.

Não conheço tema de política pública que seja tratado de forma mais fraudulenta do que o do ‘Clima’. Coberto por absurdos conceitos como o da ‘Justiça Climática’, teceu-se nas últimas décadas um monstruoso aparelho de dissimulação, desinformação e propaganda a coberto do qual se escondem os mais inconfessáveis interesses e em que se impedem as mais apropriadas e necessárias medidas para prevenir impactos ambientais humanos negativos conhecidos ou potenciais, por exemplo, no funcionamento do clima terrestre.

  1. A realidade e a propaganda

O protocolo de Kyoto tinha já construído a ficção de um mundo em que se confrontavam equivalentes de toneladas de carbono com emissão supostamente identificada com graus de temperatura.

Na equação assim estabelecida criava-se um direito a poluir que poderia ser vendido, tornando-se assim o mecanismo numa máquina de subvenção dos grandes emissores de gases com efeito de estufa, e de transferência dessas actividades para o mundo menos desenvolvido, transferências absurdamente isentas de qualquer mecanismo preventivo.

Apesar de a prática ter confirmado que o protocolo de Kyoto nada fez pelo clima, ou sequer pela limitação da emissão de gases com efeito de estufa, o mundo dos grandes interesses pintado de verde, a coberto de generosas e ingénuas manifestações juvenis, continuou a sua campanha tendo conseguido obter das instituições europeias um enorme pacote de subvenções eufemisticamente designado de ‘Fundo para a Transição Energética’ destinado a subsidiar os grandes poluidores.

Embora esse fundo, como todo o orçamento comunitário, esteja dependente de um acordo orçamental de todos os Estados, a Comissão Europeia resolveu adiar para as calendas gregas o orçamento agrícola, dar como facto consumado que a coesão económica e social é verbo de encher, mas pressionar para que o sistema de subvenção à indústria poluidora se transforme num dado adquirido.

  1. Chuva de milhões para a EDP e multinacionais que usam carvão em Portugal

De acordo com a imprensa, a Comissária portuguesa responsável pela coesão económica e social – de quem não se conhecem quaisquer gestos ou declarações que ressuscitem a Coesão da morte anunciada pelas propostas da Comissão – veio anunciar uma chuva de milhões para a EDP e as multinacionais que exploram as centrais a carvão em Portugal em Abrantes e em Sines.

Ressalvando embora que tudo depende do ‘acordo a ser obtido pelos Estados’ numa mal escondida pressão para que Portugal abençoe uma proposta contrária aos seus interesses, diz a Comissária que haverá 80 milhões de subvenções para essas empresas no contexto de um pacote europeu que se cifra em 7500 milhões.

Começando por aqui, convém ter em conta que o orçamento comunitário é financiado totalmente pelas contribuições dos Estados que são obtidas pelos nossos impostos, fundamentalmente, em proporção da capacidade económica de cada Estado.

Como Portugal representa 2,31% da população europeia e tem um produto per-capita de 64% da economia da EU-27, em termos financeiros, isto quer dizer que qualquer chave de repartição que dê a Portugal menos de 1,5% do orçamento comunitário se traduz numa contribuição portuguesa ao resto da economia europeia.

Ora, a crer nos números divulgados pela imprensa com origem na Comissão Europeia, Portugal vai ficar apenas com 1,1% deste fundo, ou seja, vai assim financiar o orçamento do resto da Europa e não ser financiado como demagogicamente se afirma.

Em qualquer caso, é escandaloso que se queiram financiar centrais a carvão mais do que amortizadas e mais do que obsoletas (terão quase 40 anos de actividade na data de encerramento) pertencentes a entidades privatizadas a interesses estrangeiros, no caso da EDP, em condições mais do que discutíveis, em nome do clima ou do ambiente.

O argumento de que se trata de financiar a transição dos 650 empregos que se perderão não é tão pouco credível. Em primeiro lugar porque o sistema de energias renováveis é mais mão-de-obra intensivo e irá gerar mais emprego do que o que se geraria pelo investimento em novas centrais a carvão, pelo que, não creio que haja aqui perdas. Em segundo lugar, porque mesmo se se revelasse impossível a adaptação dos trabalhadores aos novos postos de trabalho, o financiamento em mais de 100.000 euros por posto de trabalho a reciclar não tem qualquer comparação com os números praticados noutros domínios (na agricultura, nomeadamente).

Como referi na última edição do Tornado, tudo leva a crer que, contrariamente ao que nos quer fazer crer o lobby carbonífero pintado de verde, a transição energética não precisa de subsídios, porque as energias renováveis são já competitivas com as assentes em recursos fósseis.

É necessário ainda muita investigação, desenvolvimento e disseminação para determinar as melhores soluções – que podem passar pela deslocalização industrial – e para ultrapassar alguns obstáculos técnicos, mas sobretudo institucionais e políticos, como o sejam a continuação da pesada subvenção europeia à utilização de fontes fósseis de energia (ler a esse propósito a apresentação de Dörte Fouquet, com quem tive o prazer de trabalhar há dez anos).

Posto isto, o caminho está traçado e não são precisas subvenções à produção energética para num espaço relativamente curto de tempo eliminarmos a utilização de combustíveis fósseis, basta vontade política e fim da demagogia e desinformação pintada de verde.

  1. Alternativas existem

Temos de começar por uma avaliação séria e não confessional de toda a agenda ambiental. Mesmo se partirmos dos dogmas da religião climática, a verdade é que como eu referi na citada edição do Tornado, todos os dados vindos a público confirmam que a principal concentração de gás com efeito de estufa é presentemente o metano com origem biológica, ou seja, que nada tem a ver directamente com a utilização de combustíveis fósseis.

Os dados existentes apontam para que a causa mais provável deste estado de coisas seja a eutrofização da água tanto pela agricultura como por uso doméstico, eutrofização da água que tem consequências muito mais vastas do que a emissão de gases com efeitos de estufa.

Mas mesmo que esta hipótese de trabalho se não venha a revelar totalmente fundada, ou seja, mesmo que a eutrofização da água não se venha a revelar como mais importante do que a utilização de combustíveis fósseis para as emissões de gases com efeitos de estufa, está fora de questão que se trata de um factor importante.

Posto isto, a questão é que no caso da energia falta fundamentalmente vontade política para enfrentar os problemas, dado que as energias renováveis são já concorrenciais, mas na agricultura, a solução para os problemas é muito mais complexa, sendo que a pressão colocada pela extensão do modelo alimentar moderno sobre as emissões é maior do que a pressão energética convencional.

Concluo portanto dizendo que a mudança do modelo agrícola presente é um desafio muito mais difícil e urgente do que a chamada transição energética, mesmo que raciocinemos no apertado espartilho da monomania climática.

É nesse quadro que há que apreciar o adiamento da reforma agrícola e o corte selvagem de fundos, que são importantes para o rendimento dos agricultores, que nos propõe a Comissão Europeia, na mesma altura em que se dá prioridade ao financiamento da EDP e das multinacionais do carvão.

É uma opção política errada, sem base objectiva, feita na base da força dos grupos de pressão e da propaganda, sem sensibilidade para com o ambiente e sobretudo que despreza o mundo rural.

O que eu proponho é que se aumente o orçamento para a investigação, desenvolvimento e disseminação de novas soluções ambientais, não fundamentalmente para a questão energética, mas para o nexo solo-água-alimentação e para a urbanização, e que o orçamento agrícola seja direcionado para o rendimento dos agricultores e para o fomento de actividades que conjuguem eficazmente esse objectivo com o desenvolvimento sustentável.


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