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João de Sousa

Quarta-feira, Julho 17, 2024

Ex.mo Senhor Presidente da República

Paulo Casaca, em Bruxelas
Paulo Casaca, em Bruxelas
Foi deputado no Parlamento Europeu de 1999 a 2009, na Assembleia da República em 1992-1993 e na Assembleia Regional dos Açores em 1990-1991. Foi professor convidado no ISEG 1995-1996, bem como no ISCAL. É autor de alguns livros em economia e relações internacionais.

Tomo a liberdade de chamar a atenção de Vossa Excelência, em carta aberta, para a minha indignação pela aprovação e promulgação do novo regime de renovação do cartão de cidadão que diminui o estatuto dos cidadãos emigrantes (…)

Ex.mo Senhor Presidente da República

Assunto: Direitos constitucionais dos emigrantes restringidos

Tomo a liberdade de chamar a atenção de Vossa Excelência, em carta aberta, para a minha indignação pela aprovação e promulgação do novo regime de renovação do cartão de cidadão que diminui o estatuto dos cidadãos emigrantes.

Na sequência da instauração de um regime democrático em Portugal, a Constituição da República Portuguesa, nos seus artigos 48 e 49, institui como direito fundamental de cidadania o direito de voto.

Mais ainda, através do artigo 109 a Constituição diz-nos que:

‘A participação directa e activa de homens e mulheres na vida política constitui condição e instrumento fundamental de consolidação do sistema democrático, devendo a lei promover a igualdade no exercício dos direitos cívicos e políticos e a não discriminação em função do sexo no acesso a cargos políticos.’

E no ponto 2 do seu artigo 113:

‘O recenseamento eleitoral é oficioso, obrigatório, permanente e único para todas as eleições por sufrágio directo e universal (…)

Esta obrigatoriedade e universalidade do recenseamento é condicionada pelo artigo 121, que restringe especificamente o direito dos cidadãos portugueses não residentes à participação eleitoral na eleição do senhor Presidente da República.

Na minha leitura de cidadão da Constituição decorre portanto da sua letra e do seu espírito que são inconstitucionais quaisquer restrições ao princípio da obrigatoriedade e da universalidade no recenseamento dos cidadãos portugueses, com a excepção das dispostas pelo artigo 121 relativo à eleição para a Presidência da República.

Constato assim com espanto que por proposta do Governo, a Assembleia da República aprovou por unanimidade, e Vossa Excelência promulgou, a Lei n.º 47/2018 que derroga as condições de cidadania dos cidadãos portugueses residentes fora do país que eu pensava estarem consagradas constitucionalmente.

Transcrevendo o número 2 do citado artigo 48 da Constituição:

‘Todos os cidadãos têm o direito de ser esclarecidos objectivamente sobre actos do Estado e demais entidades públicas e de ser informados pelo Governo e outras autoridades acerca da gestão dos assuntos públicos.’   

Transcrevendo o citado artigo 49 da Constituição:

1. Têm direito de sufrágio todos os cidadãos maiores de dezoito anos, ressalvadas as incapacidades previstas na lei geral.

2. O exercício do direito de sufrágio é pessoal e constitui um dever cívico.’

Nestas condições, ter-me-á certamente escapado o dispositivo legal que torna compreensível o disposto os números 2, 3 e 4 do artigo 3.° da Lei n.° 13/99 de 22 de Março com a redação que lhe é dada pela Lei n.° 47/2018 de 13 de Agosto que Vossa Excelência promulgou:

2 — Todos os cidadãos nacionais, maiores de 17 anos, são oficiosa e automaticamente inscritos na base de dados do recenseamento eleitoral, adiante designada abreviadamente por BDRE, devendo a informação para tal necessária ser obtida via interoperabilidade dos serviços do cartão de cidadão.

3 — Os cidadãos nacionais residentes no estrangeiro podem, a qualquer momento, solicitar o cancelamento da inscrição no recenseamento automático junto das comissões recenseadoras do distrito consular, do país de residência, se nele apenas houver embaixada, ou da área de jurisdição eleitoral dos postos consulares de carreira fixada em decreto regulamentar das circunscrições de recenseamento da área da sua residência.

4 — Para os cidadãos referidos no número anterior, a opção pela inscrição ou cancelamento da inscrição no recenseamento eleitoral português consta do procedimento de obtenção ou renovação do cartão de cidadão.’

Não consigo com efeito entender como é possível a um cidadão referido no ‘número anterior’ ou seja o número 3, optar pela inscrição no recenseamento eleitoral português quando, como se explica no número 2, ele está lá inscrito, escapando-me ainda mais o sentido de lhe dar a opção de o fazer quando pretenda obter ou renovar o cartão de cidadão quando, como se explica no citado número 3, estamos a falar dos cidadãos que a qualquer momento poderão solicitar o cancelamento da inscrição.

Para além de não entender a redação de cláusulas que na língua apresentam ilogismos múltiplos, e que se interpretados à letra se traduzirão pelo convite ao crime pelo cidadão para que este se registe duas vezes no recenseamento eleitoral, não consigo entender como se compatibiliza a segunda opção com a Constituição da República Portuguesa que estipula exatamente o contrário: a obrigatoriedade e a universalidade do recenseamento eleitoral.

A menos que, no quadro da lei, se tenha estabelecido o crime de emigrar, punido com a pena de caducidade do direito de voto. Mas, permita-me senhor Presidente lembrar que, de acordo com o que li no artigo 44 da mesma Constituição, os cidadãos portugueses são livres de emigrar.

Muito agradeceria a Vossa Excelência os esclarecimentos que julgar necessários.

Com os melhores cumprimentos


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