Diário
Director

Independente
João de Sousa

Sábado, Novembro 2, 2024

Face a face

Marina Bueno Cardoso
Marina Bueno Cardoso
Marina Bueno Cardoso é jornalista e escritora brasileira, de São Paulo. Publicou os livros de crônicas “Petit-Fours na Cracolândia”(Editora Patuá) e “Descansar do Mundo” (Editora Penalux). Durante cinco anos ministrou a oficina multimídia “Ler é Viver” para Educação de Jovens e Adultos” e para a ONG Instituto Prof., na comunidade de Paraisópolis. Também é responsável pelas oficinas de crônicas “Coisas da Vida” no SESC/SP do interior do estado e em São Paulo

Já deu para perceber, fumo como você. Percebi que temos este vício em comum durante a entrevista que você deu para Joaquim Soller Serrano, em Madrid, acredito. Mas você é pior, fuma e bebe, um bom whisky, merecido, foi o que você pediu entre uma pergunta e outra. Quem sou eu, quando estive concedendo uma entrevista para meu segundo livro, até chegar na Cidade Universitária fui feito uma chaminé no volante. Ao chegar lá o jornalista fumava mais que eu. Tinha a barba e o bigode amarelados ao redor da boca, assim como os dedos.

Ele era parecido com um músico daqui chamado Hermeto Pascoal, que é albino e barbudo e cabeludo. Outros tempos, aqui ao invés de whisky fiquei no cafezinho e água para não dar vontade de fumar no estúdio  Ah, não, não, agora na maior parte do mundo é proibido fumar em locais fechados, bares, restaurantes, arenas de box, coisa que deve ser inconcebível para você, mas os seus franceses ainda são mais relax com o pito nicotinado. Ah olha só, coloquei uma música em sua homenagem “Years of Solitude” com Astor Piazzolla e Gerry Mulligan, para contrapor com o toque de lamento  e a voz sussurante de Chet Baket, que você adora, especialmente as eternas My Funny Valentine e Blue Room.

Sim bandoneón e saxofone contra um belíssimo trompete. É um páreo duro, concorda? Precisei ouvir algo com uma carga dramática enfatizada para atualizá-lo sobre meu país. Só assim tenho forças. Você que foi membro ativo do Tribunal Bertrand Russel, que lutava pelas questões de Direitos Humanos na América Latina não iria acreditar no presidente, sim com p minúsculo que temos: homofóbico, racista, miliciano, despreparado, que acha que de Arte, Literatura e enfim a Cultura brasileira só tem comunista e não dá a menor importância para estas áreas. Retrocesso em total em tudo: saúde, educação, moradia, questões das minorias seja negra, indígena e outras tantas. Ao lado você iria adorar ver o movimento, hoje internacional, por questões de gênero LGBTQI+ (depois eu explico a sigla, mas é porque como diz a canção, “Qualquer maneira de amor vale a pena”).

Além deste, o movimento negro está se firmando cada vez mais para que esta tenha sua voz e direitos assegurados. Imagine que este fato teve grande impacto nas passeatas dos EUA “I can´t breath”, após um negro morrer sufocado por um policial branco. Você acredita, nos EUA e depois se espalhou com força pelo resto do planeta. Mas vamos para as amenidades, sim, também gosto de boxe. Tive um namorado que adorava fazer amor após uma bela luta, sim, entregava-me como em seus contos, literalmente por nocaute. Ele foi O namorado maravilhoso pois fazíamos sexo tântrico. Você que é todo sedutor, entre um livro e uma palestra, e viagens também tem seu momento de encontrar a sua Carol, entre uma tradução e sua pesada vida de militância, acho que você curte o Tântra. Mas agora tem outro tipo de embate de corpos, sem sexo mas interessante: o MMA, você iria gostar muito de saber que o Belford está indicando uma nova luta, em plenos 43 anos vai voltar.

Excitante não é mesmo? Acendo agora meu cigarro e dou uma bela tragada vendo você no YouTube e fico triste por você não estar aqui, sentado ao meu lado, papeando como seus personagens da “Auto-estrada do sul”. Agora apago o cigarro e penso que encontrei com você naquela simpática praça em Buenos Aires, entre Calle Serrano e Honduras e como se não bastasse, quando estive em Paris, na também agradável e charmosa praça cerca do Quai de Bourbon, num canto da Île Saint Louis, local do seu belo conto “As babas do diabo”. Você é demais, ficou duplamente na história, tendo inspirado Antonioni a fazer o eterno “Blow-Up”. E feliz por saber que andas por Montparnasse e você e a sua amada Carol Dunlop tenham congelado a idade, você com 70 anos e ela na plenitude dos seus 66 anos. Por certo o Cronópio que os acompanha deve ter a lição para tal vida eterna. Você escondeu esta receita da eterna juventude e carisma em algum livro?


Texto em português do Brasil

Receba a nossa newsletter

Contorne o cinzentismo dominante subscrevendo a nossa Newsletter. Oferecemos-lhe ângulos de visão e análise que não encontrará disponíveis na imprensa mainstream.

- Publicidade -

Outros artigos

- Publicidade -

Últimas notícias

Mais lidos

- Publicidade -