Dados do Instituto Nacional de Estatística (INE) citados pela imprensa revelam que em 2014 a taxa da população em risco de pobreza ou exclusão social manteve-se nos 27,5% – mais de 2,8 milhões de pessoas, sendo que a situação das mulheres se agravou (28,1% das mulheres residentes, mais 0,7% do que em 2013, ainda de acordo com o INE).
Desde 2009, a população residente em risco aumentou de 24,9% para 27,5% no ano passado. No item situação de privação material, em 2014 o INE registou 25,7% dos residentes no País em privação material e 10,6% em privação material severa, sendo que as famílias com crianças são as mais afectadas: 26,3% na situação de privação material e 11,3% na situação de privação severa. Acerca destes números e da realidade que eles representam, Alfredo Bruto da Costa acedeu a falar ao Tornado. Ex-ministro da Coordenação Social e dos Assuntos Sociais do V Governo Constitucional, engenheiro e doutorado em Ciências Sociais, docente da Universidade Católica Portuguesa, ISEG e ISCTE, o sociólogo deixa algumas críticas e alertas.
Sobre os números, “são publicados com um atraso de dois anos, o que os torna inúteis como base para políticas de curto prazo”. Além disso, “os ‘números oficiais’ sobre níveis de pobreza utilizam o conceito de taxa de risco de pobreza, que é algo totalmente destituído de sentido ou base científica”, acrescenta o sociólogo. Diz ser “inaceitavelmente lento” o ritmo da tendência decrescente verificada nas últimas décadas e lembra que, nos últimos dez anos, “a percentagem de desempregados entre os adultos pobres aumentou acentuadamente”. Sobre os fenómenos de pobreza explícita ou a chamada “pobreza envergonhada” avança com a hipótese de ambas terem aumentado: “é difícil quantificar a ‘pobreza envergonhada’ precisamente pelo facto de ser menos visível, por definição. A informação sobre a pobreza não contém referência à ‘pobreza envergonhada’. Tudo o que se sabe é através de serviços locais”, acrescenta Bruto da Costa, que diz não conhecer estimativas globais.
Sobre se os factores que levaram a esta situação tendem a estabilizar-se ou a agravar-se, afirmou que “tudo depende das políticas que venham a ser adoptadas pelo novo Governo. Como se sabe, a situação a esse respeito ainda é imprevisível”. O académico lembrou as diferenças entre política de assistência e política social, sendo que a primeira “destina-se a acorrer a pessoas que não conseguem satisfazer as necessidades humanas básicas (alimentação, vestuário, etc.). É por natureza uma política transitória, uma vez que deve ser complementada por políticas (sociais, económicas, etc.) que concorram para que o beneficiário da assistência se autonomize e deixe de necessitar de assistência”, enquanto a segunda “abrange a ‘assistência’ mas é muito mais ampla, abrangendo áreas como a educação, a saúde, a segurança social, a acção social, etc.”, explica Alfredo Bruto da Costa. Traçar uma fronteira entre uma política social e uma política de assistência “é fundamental”, sublinha o sociólogo, “para que o pobre possa conquistar a sua autonomia em relação a recursos, e deixe de precisar de medidas excepcionais que são as de assistência”. Porém, chama a atenção para um aspecto: “a ‘política de assistência’ deve assentar em direitos humanos e não ter natureza discricionária, como acontece com o ‘assistencialismo’”, enfatiza.
Os recursos gastos com a pobreza são um paradoxo
Alfredo Bruto da Costa defendeu na Universidade de Bath, no Reino Unido, uma tese de doutoramento em Ciências Sociais intitulada “Paradoxo da Pobreza: Portugal, 1980-1989”, e admite que em plena segunda década do século XXI, “a pobreza num País como o nosso é sempre um paradoxo, na medida em que os recursos globais existentes são suficientes para a erradicar. É um paradoxo também perante os recursos financeiros, humanos e outros que são regularmente gastos no País alegadamente no combate à pobreza”. Sobre a intervenção da sociedade civil e das Instituições Particulares de Solidariedade Social (IPSS), afirmou que “têm posto um esforço notável neste domínio” mas admitiu “dúvidas acerca dos fundamentos científicos com que trabalham” e confessou que gostaria de “ver os parceiros sociais mais empenhados no combate à pobreza”.
Críticas a quem recebe ajuda do Estado
Uma rápida visita pelos comentários, nas redes sociais, de notícias visando a questão da pobreza e do assistencialismo, demonstra que um crescente número de pessoas vê de forma muito crítica os casos de cidadãos que estarão a receber ajudas do Estado sem precisarem ou sem o merecerem, chegando mesmo a usar os termos de “subsídiodependência” ou “profissionais do subsídio”. Trata-se de um certo sentimento colectivo de que existirá uma situação instalada de pessoas a viverem à custa dessas ajudas, sem demonstrarem esforços ou iniciativas para saírem do corrente estado de pobreza. Sobre o problema, Bruto da Costa não acredita que tenha dimensão que o torne prioritário e recorda que “medidas de gestão dos benefícios podem facilmente resolvê-lo”, considerando que “o que é grave é que possa haver pessoas mais preocupadas com as ‘fraudes’ dos pobres do que com a erradicação da pobreza”. Sobre o muito discutido e temido risco de um colapso financeiro da Segurança Social, o académico acredita que a resposta clara virá “quando dermos conta de que, antes de financeira, a questão é política, implica opções políticas em diversos domínios (quer de despesa, quer de receita). Infelizmente, a maior parte dos debates têm incidido apenas em aspectos financeiros. Isto é curto”, alertou.
E será o povo português demasiado conformado com a situação? “É uma questão técnica, científica, cultural e política. É conformismo dos pobres e omissão dos não pobres e dos governos”, declara. O antigo ministro do V Governo Constitucional acredita que os media podem contribuir para a luta contra a pobreza, “aprofundando a compreensão do problema, um dos problemas sociais mais complexos e graves. A sua dimensão humana por vezes cria a ilusão de que bastam bons sentimentos para ter ideias consistentes sobre o assunto”, rematou.