Depois da revolução de Abril o sector público empresarial consolidou-se e cresceu, tendo estado por momentos em discussão em que medida iria crescer e qual o instrumento, se a aquisição por processos de direito privado, se a nacionalização.
Já tive ocasião de descrever aqui como o sector público empresarial português cresceu após a II Guerra Mundial:
A partir da II Guerra Mundial a opção desenvolvimentista traduzida, entre outras iniciativas, na aprovação da Lei de Electrificação Nacional e da Lei de Fomento e Reorganização Industrial levou o Estado, com recurso ao Fundo de Fomento Nacional, a participar no capital de numerosas sociedades sob a figura doutrinária de empresa de economia mista, e/ou a conceder empréstimos e garantias, designando administradores por parte do Estado e delegados do Governo (mais tarde a Previdência participaria também). Nalgumas dessas empresas como a TAP, o Metropolitano de Lisboa, a RTP e as empresas do sector eléctrico, a influência pública era dominante.
Entretanto o Estado Novo sempre seguiu a orientação de criar entidades públicas para operar os estabelecimentos de concessionárias, designadamente estrangeiras, cuja concessão devesse chegar ao termo, o que sucedeu com os STCP (concessão terminada em 1942, os TLP a primeira entidade criada como empresa pública em 1967, e estava previsto desde 1973 que viesse a suceder em Outubro do ano seguinte com as águas de Lisboa.”
Depois da revolução de Abril o sector público empresarial consolidou-se e cresceu, tendo estado por momentos em discussão em que medida iria crescer e qual o instrumento, se a aquisição por processos de direito privado, se a nacionalização. O Programa de Política Económica e Social, que ficou conhecido por Plano Melo Antunes, elaborado no seio do III Governo Provisório, previa uma expansão moderada, sobretudo no caso da Banca, em que o Estado se limitaria a retomar a maioria no Crédito Predial Português “tendo em conta as condições em que a perdeu” mas que em numerosos sectores se traduziria na criação de empresas públicas ou na tomada de “controle de pelo menos 51% do capital social das empresas” ou, existindo auxílios financeiros significativos em empresas intervencionadas, na conversão de créditos em capital. Os Governos Provisórios seguintes recorreram à nacionalização de empresas visando controlar sectores ou pelo menos, como no caso das pescas e da comunicação social, já no VI Governo, manter as empresas em funcionamento.
Será no entanto absurdo dizer que a nacionalização é um instrumento exclusivo da esquerda. Logo em 1974 o II Governo Provisório entendera necessário nacionalizar os bancos emissores – Banco Nacional Ultramarino, Banco de Portugal, Banco de Angola – e recorrera a Decreto-Lei, em cumprimento do que a Junta de Salvação Nacional já tinha previsto em diploma de 15 de Maio ao aprovar o Programa do Governo Provisório. Todos os diplomas foram promulgados pelo Presidente da República António de Spínola. Em 1980 o Governo Sá Carneiro recorre a Decreto-Lei para, por sua vez, nacionalizar em retaliação contra a República Popular de Angola que nacionalizara as acções do capital da Companhia de Diamantes de Angola, S. A. R. L., de que eram titulares entidades do sector público português (“Trata-se de uma nacionalização discriminatória, porque foram nacionalizadas todas as acções que naquele capital pertenciam a entidades do sector público português, e só essas”).
O objectivo das políticas de expansão do sector público, tal como anunciado pelos governos provisórios, era o controlo do poder económico, então largamente consensual, como o foram também as próprias nacionalizações. Nos vinte anos seguintes o apoio da opinião pública sofreu uma larga erosão e, para além do início dos processos de privatização assistiu-se à transformação da maioria das empresas públicas em sociedades anónimas. Correlativamente os políticos fugiram a utilizar e até a pensar a nacionalização 7 controlo público de empresas como instrumento de política económica e criaram uma inibição em relação à definição de orientações para a gestão de empresas em que houvesse participação de capital público.
Conversão de créditos em capital
A previsão de conversão de créditos em capital nos casos de empresas em situação financeira difícil, que já existia para a Segurança Social, foi admitida no I Governo Guterres como aplicável também aos créditos fiscais mas com fortes restrições constantes do diploma que a regulou:
Artigo 9.o
Conversão de créditos em capital
- A conversão de créditos em capital só será aplicável se o devedor revestir a forma de sociedade anónima.
- A participação resultante da conversão de créditos em capital poderá ser alienada a todo o tempo, podendo, não obstante, ser celebrado com a entidade devedora ou seus sócios contrato-promessa de compra e venda, com celebração do contrato prometido a executar dentro do prazo decorrente do plano de recuperação económica, pelo mais elevado dos valores, nominal e contabilístico, da participação.
- Os poderes gestionários, directa ou indirectamente decorrentes da participação, poderão ser restringidos pelo decreto-lei que aprovar a conversão.
- O decreto-lei referido no número anterior fixará o regime de alienação e o prazo máximo para a manutenção da participação, findo o qual serão iniciadas, obrigatoriamente, diligências conducentes à alienação das participações.”
Participei activamente, como representante do Ministério das Finanças no Gabinete de Coordenação para a Recuperação de Empresas (GACRE), na construção da única solução que passou, ao abrigo desta legislação, pela conversão em capital de créditos fiscais e da Segurança Social à qual me referi em 2011 no meu blog pessoal nos seguintes termos:
…Num caso, pelo menos, foi impossível fugir a esta solução. A Fábrica Têxtil de Vizela (TEVIZ) empresa de grande dimensão, pesadamente endividada e com quase todo o seu património imobiliário hipotecado aos bancos, acabou por ter de recorrer à conversão de créditos fiscais e da Segurança Social em capital, num processo que obrigou a família titular a aceitar a transformação da empresa em sociedade anónima e a liderança do seu único membro cuja capacidade de gestão era reconhecida externamente.
E assim tivemos o Decreto-Lei nº 177/97, de 24 de Julho…
Muito gostaria de saber como é que a Direcção-Geral do Tesouro e o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social se houveram no papel de accionistas mais ou menos passivos que a lei lhes cometia. E que a operação fosse sendo avaliada pelos seus resultados.”
À época já tinha reparado que a Direcção-Geral do Tesouro havia posto em causa uma das medidas previstas no Decreto-Lei, ou seja que a TEVIZ (fiação) cedesse ao Estado e à Segurança Social, por dação em pagamento quotas nas suas participadas TEVITOM (confecção de vestuário) e DECOVIZ (decoração), para evitar fenómenos de vendas criativas dentro do grupo. Efectivamente, com o auxílio prestimoso de um plumitivo do Público que dava a DECOVIZ como exemplo de uma participação que não interessava ao Estado, o Tesouro conseguiu que uma Lei do Orçamento o exonerasse das participações com menor significado. Um brinde gratuito para os parceiros do Estado, que não deixei de criticar…
Contudo, tendo inicialmente a TEVIZ mostrado uma grande dinâmica de gestão – reduzindo os postos de trabalho que se pretendia preservar e criando uma operação na Roménia – e estando previsto que em 2005 os accionistas privados comprassem as participações públicas nem sequer me ocorreu averiguar do seu destino da TEVIZ e do da TEVITOM. A localização na INTERNET de Debates Parlamentares que reproduzem um Relatório sobre as Participações da Segurança Social mostraram-me agora que não só a participação pública na TEVIZ não só não foi recomprada em 2005 mas que ambas as empresas haviam dado origem por esta altura a processos de insolvência que permitiram reduzir o capital a zero, por absorção de prejuízos, e mantê-las na família sem parceiros públicos por subscrição de novo capital. A TEVITOM novamente insolvente em 2013, terá cessado o negócio, mas a TEVIZ continua a existir com 50 mil euros de capital social. Interrogo-me se os terrenos em tempos hipotecados à banca já estarão livres de ónus… e continuo a considerar que a participação das entidades públicas nas administrações é indispensável nestes casos, ao menos para vigiar os capitais “investidos”.
Banco Português de Negócios: uma nacionalização desastrada num novo quadro legal criado para o efeito
Quando a seguir a uma primeira intervenção – na gestão do Banco Privado Português – o Governo se convenceu de que no caso do Banco Português de Negócios seria necessária a nacionalização começou, no artigo 1º da proposta de lei submetida à Assembleia da República, por criar um “regime jurídico de apropriação pública por via de nacionalização.”.
O regime, que obteve apenas os votos favoráveis da então maioria absoluta socialista, é, convém ter presente, cauteloso e restritivo, conforme se espelha logo nos seus dois primeiros artigos:
Artigo 1.º
Finalidade
Podem ser objecto de apropriação pública, por via de nacionalização, no todo ou em parte, participações sociais de pessoas colectivas privadas, quando, por motivos excepcionais e especialmente fundamentados, tal se revele necessário para salvaguardar o interesse público.
Artigo 2.º
Acto de nacionalização
- Os actos de apropriação pública, por via de nacionalização, revestem a forma de decreto-lei, nos termos do presente regime.
- O decreto-lei referido no número anterior evidencia sempre o reconhecimento do interesse público subjacente ao acto de nacionalização, com a observância dos princípios da proporcionalidade, da igualdade e da concorrência.”
É discutível, ainda hoje, se a nacionalização do BPN era a melhor forma de atingir os objectivos da intervenção, mas é possível dizer que na medida em que se descobriu a existência fraudulenta de um “Banco Insular” que teve de ser aceite como integrando o perímetro do BPN, o Estado, que teve o cuidado de confiar a gestão à Caixa Geral de Depósitos, nacionalizou o que desconhecia e incorreu por aí em encargos desproporcionados. Agravados por estratégias de liquidação que se não entendem, como a venda do Banco Efisa por um valor inferior ao do aumento de capital que houve realizar. Ironicamente o BPN, vendido por um valor irrisório sob o Governo Passos Coelho a um pequeno banco angolano, que se fez absorver por ele dando-lhe o seu nome, tem sido gerido por Fernando Teixeira dos Santos, o ministro que o nacionalizou, de que um dos grandes feitos de gestão foi cobrar do sector público o prejuízo de uma operação que, nos termos das condições de venda, acabou por recair sobre este.
BANIF – Estado accionista passivo com maioria do capital e Novo Banco
Fruto de uma ajuda decidida pelo ministro das Finanças Vítor Gaspar o BANIF, actualmente em liquidação teve até à data do encerramento, uma participação de capital do Estado de 2.595.880.885, 00 euros, correspondente a 71, 78 % do capital, tendo o accionista maioritário aceitado ser representado na Administração por um membro sem direito de voto. Curiosamente esta situação passou quase despercebida.
A Comissão Europeia não aceitou, recorde-se, que fosse integrado na CGD. Enquanto haja um banco espanhol que possa ficar com os bancos que em Portugal estejam em má situação…
Não existindo no caso do Novo Banco um banco espanhol interessado, foi-se buscar um fundo americano. A nacionalização parece ter sido colocada fora dos cenários admissíveis pela Comissão Europeia, não sendo claro se o Estado português alguma vez a equacionou. Mas está a pagar – e muito – para não gerir ele o Banco.
EFACEC, TAP e … CTT ?
A nacionalização da EFACEC, diz Marcelo Rebelo de Sousa que só a promulgou por ser temporária. Permito-me considerar pelo contrário que uma nacionalização temporária seguida de privatização não serve o interesse público mas sim interesses privados, aliás respeitáveis. Importaria sim ter legislado no sentido de regular a administração, não só ordinária mas também extraordinária, inclusive a alienação, de bens que tenham sido objecto de arresto, designadamente quando sejam partes de capital social de empresas em actividade, que não podem ficar dependente de instruções dos tribunais que decretaram a providência.
A nacionalização da TAP veio dizer também Marcelo Rebelo de Sousa que nunca a promulgaria. Felizmente só o disse depois de negociada a saída da Azul, de outro modo poder-se-ia pensar que estava a puxar pelo preço que o Estado teria de pagar ao capital estrangeiro.
Nos CTT já se percebe que não haverá nacionalização, até porque aí o Ministro de facto parece ser Souto de Miranda. Não sei que andamento teve uma Iniciativa Legislativa de Cidadãos encabeçada por Manuel Carvalho da Silva que chegou a estar anunciada. Mas aí talvez se justifique revisitar a questão, que já abordei em “Investimento Público, Resgate de PPP, Reversão de Privatizações” num novo artigo.
Governo Provisório da República Portuguesa, Programa de Política Económica e Social, Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1975.
Decretos – Lei nº 420/74 (Nacionaliza o Banco de Angola), nº 421/74 (Nacionaliza o Banco Nacional Ultramarino) e nº 422/74 (Nacionaliza o Banco de Portugal), todos de 13 de Setembro.
Decreto-Lei nº 10-C/80, de 18 de Fevereiro (Nacionaliza as acções que a República Popular de Angola possui na Sociedade Portuguesa de Lapidação de Diamantes, S.A.R.L.
Ver José Manuel Leite Viegas, Nacionalizações e Privatizações: elites e cultura política na história recente de Portugal, Lisboa: Celta Editora, 1996.
Decreto-Lei nº 124/96, de 10 de Agosto (Define as condições em que se podem realizar as operações de recuperação de créditos fiscais e da segurança social previstas no artigo 59.º da Lei n.º 10-B/96, de 23 de Março)
“O stado, accionista passivo, uma experiência”
Lei nº 62-A/2008, de 11 de Novembro (Nacionaliza todas as acções representativas do capital social do Banco Português de Negócios, S. A., e aprova o regime jurídico de apropriação pública por via de nacionalização).
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