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Sábado, Novembro 2, 2024

Fascismo escancarado, cantemos a Bella Ciao!

Tereza Cruvinel, em Brasília
Tereza Cruvinel, em Brasília
Jornalista, actualmente colunista do Jornal do Brasil. Foi colunista política do Brasil 247 e comentarista política da RedeTV. Ex-presidente da TV Brasil, ex-colunista de O Globo e Correio Braziliense.

“Ditadores armam o povo até o momento em que conseguem impor sua ditadura. Depois, desarmam, já não precisam mais do povo, já terão controle total sobre o poder armado do Estado. Todos os ditadores da História, especialmente os líderes do nazismo e do fascismo, seguiram este caminho. Bolsonaro escancarou a questão do fascismo”

O que houve de mais horripilante naquela reunião ministerial tenebrosa do dia 22 foi a explicitação da marcha de Bolsonaro para a fascistização do país. De resto, ela acabou com a esperança de que ele pudesse ser afastado pelo STF, com licença da Câmara, por crime comum. Ninguém agora poderá dizer que desconhecia o plano fascista, apresentado sem meias palavras por Bolsonaro.

– É escancarar a questão do armamento aqui. Eu quero todo mundo armado! Que povo armado jamais será escravizado. E que cada um faça, exerça o teu papel. Se exponha.

E em outros dois trechos:

– O povo tá dentro de casa. Por isso que eu quero, ministro da Justiça e ministro da Defesa, que o povo se arme! Que é a garantia que não vai ter um filho da puta aparecer pra impor uma ditadura aqui!

 

– Eu peço ao Fernando e ao Moro que, por favor, assine essa portaria hoje que eu quero dar um puta de um recado pra esses bosta! Por que que eu tô armando o povo? Porque eu não quero uma ditadura! E não da pra segurar mais! Não é? Não dá pra segurar mais.

Moro, já com a cabeça na bandeja, assinou a portaria no dia seguinte. É aquela que aumenta o limite para compra de munição, para quem tem armas, de 200 unidades por ano para 550 por mês. Em outras palavras, de 200 para 6.600 unidades por ano. E que sabemos nós de como anda a compra de munição país afora? E que sabemos nós sobre como anda este movimento de municiar-se, por parte dos que acreditam na possível guerra civil mencionada na nota dos militares da reserva que se solidarizaram com a nota golpista do general Heleno? Não sabemos nada mas algo sinistro pode estar acontecendo nas sombras.

Ditadores armam o povo até o momento em que conseguem impor sua ditadura. Depois, desarmam, já não precisam mais do povo, já terão controle total sobre o poder armado do Estado. Todos os ditadores da História, especialmente os líderes do nazismo e do fascismo, seguiram este caminho. Bolsonaro escancarou a questão do fascismo.

Quem pode fazer algo contra isso? O STF, que já está na linha de tiro, que já se tornou o alvo claro e brilhante das milícias do ódio e do próprio governo?

Que fará o STF contra a pregação de Abraham Weintraub: “Eu, por mim, botava esses vagabundos todos na cadeia. Começando no STF”. Esta semana teremos agentes públicos do campo democrático provocando o STF, mas que resposta poderá ser dada? Em verdade, o Brasil é, neste momento, um país sequestrado por Bolsonaro, além de que caminha para ser o país mais dominado pelo coronavírus.

Na marcha do fascismo, o ministro Paulo Guedes também escancarou que está discutindo com o ministro da defesa um outro plano macabro, o de aliciar jovens para serem aprendizes nas forças armadas, com bolsas de R$ 200,00. Jovens que podem ser manipulados e armados para o fascismo.

Disse Guedes:

 – Eu já tenho conversado com o ministro da Defesa, já conversamos algumas vezes. Quantos? Quantos? Duzentos mil, trezentos mil? Quantos jovens aprendizes nós podemos absorver nos quartéis brasileiros? Um milhão? Um milhão a duzentos reais, que é o bolsa família, trezentos reais, pro cara ir de manhã, faz calistenia, faz é… fa… né? Aprende … civil. .. organização social e como é que é o? OSPB, né? … Faz ginástica, canta o hino, bate continência. De tarde, aprende, aprende a ser um cidadão, pô! Aprende a ser um cidadão. Disciplina, usar o … usar o tempo construtivamente, pô! É … voluntário pra fazer estrada, pra fazer isso, fazer aquilo. Sabe quanto custa isso? É duzentos reais por mês, um milhão de cá, duzentos milhões, pô! Joga dez meses aí, dois bi. Isso é nada! Então, nós vamos pegar na reconstrução, nós vamos pegar um bilhão, dois bilhões e contratar um milhão de jovens aqui. A Alemanha fez isso na reconstrução.

Este projeto, que nunca foi anunciado mas pelo visto está em gestação, é outro perigo, pode fazer parte do plano fascista que está em marcha.

Eu relutei muito em falar em fascismo. Achava que era uma certa forçação de barra, por mais que o governo e Bolsonaro fossem autoritários, retrógrados, obscurantistas, negacionistas, entreguistas e tudo o mais. Mas eles mesmos foram escancarando a natureza do regime no poder, e agora é impossível não entender isso.

E o pior, não estamos respondendo. Não temos uma resistência de fato. Nem as panelas batem mais nas varandas. A pandemia nos imobilizou. Por ora, só nos resta cantar a Bella Ciao. Ainda que a canção antifascista não os possa deter, ela pode nos inspirar, ela pode nos lembrar que os italianos da resistência também venceram. De olhos bem abertos, é como devemos estar.

Há muitas gravações de Bella Ciao mas eu gosto particularmente desta, com Yves Montand.


Texto original em português do Brasil



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