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Sexta-feira, Dezembro 20, 2024

Favelania – Cidadania na Favela

Alexandre Mello
Alexandre Mello
Pesquisador em inovação aberta e tecnologias sociais

A vida na favela é multicomplexa. Já foi tema de marchinha de carnaval, filmes de sucesso, novelas, pesquisas acadêmicas, projetos sociais, palanques eleitorais e, de uns tempos para cá, também entra para a moda do favelatour — o turismo da pobreza exótica para gringo ver.
O que tem de bom na favela?

A informalidade pode ser a chave para entender um dos fatores que levam os moradores a continuar na favela. A ausência do Estado nas negociações de imóveis nas favelas cria uma rede imobiliária informal, um vazio ocupado pelas associações de moradores, que acabam fazendo papel de imobiliária, de cartório e das Secretarias de Habitação e da Fazenda. Mesmo sendo mercado informal, tem instituições e regras que, em geral, são respeitadas. Não há mercado que funcione sem regras.

Essa informalidade se reflete na “famosa” gatonet, em não pagar condomínio ou IPTU, e se não comprova residência, não tem conta no banco, não faz financiamentos, ou seja, transações dentro da favela no fio do bigode e fora, só à vista.

Uma pesquisa do Instituto Data Favela revela mais alguns aspectos importantes: as amizades e a solidariedade entre os moradores das comunidades, trazem algum senso de pertencimento. Os filhos são criados coletivamente, e os adultos se apoiam. 94% das pessoas que moram nas comunidades se declaram felizes e otimistas. Dois terços não sairiam do lugar onde vivem mesmo que sua renda dobrasse.

Favela criativaA Secretaria de Estado de Cultura em parceria com a iniciativa privada se propõe a mobilizar um conjunto de projetos e iniciativas culturais que estão emergindo nas favelas, na formação apoiando com oficinas e capacitação, inserindo esse jovem na economia criativa, e no eixo do fomento facilitando o encontro com os parceiros e patrocinadores potenciais. Mais uma iniciativa que merece ser acompanhada de perto.

 

Favela chique, é coisa nossa?Terraços particularesO holandês Eric Vanderfeesten, especialista em planejamento urbano, está usando as favelas brasileiras como referência para projetos habitacionais. Segundo ele, o modelo adotado na Holanda (e em vários países do mundo) de casas iguais distribuídas em “colunas” é péssimo para a interação e identidade de seus moradores. A favela, com casas únicas em sua própria cor e formato, seria uma solução eficiente e mais agradável em áreas mais pobres. Até as lajes foram admiradas, e agora se chamam private balconies, algo como terraços particulares.Pintando a favelaOutros dois holandeses — uma dupla de artistas –, começou em 2006 a ideia de criar intervenções de arte conduzidas pela comunidade no Brasil. Seus esforços resultaram no favela painting, dois murais pintados na favela Vila Cruzeiro. As obras receberam uma cobertura mundial e se tornaram pontos de orgulho para a comunidade. No ano seguinte, na favela Santa Marta, com apoio das TintasCoral, a favela também começou a ficar chique. Em 2010, a CNN deu mais visibilidade ao projeto, fazendo o registro fotográfico.

 

 

Segurança habitacional e a desfavelização

Para se tornem bairros populares, alguns pontos estão mais claros na lista de prioridades: avançar na pacificação das favelas, na emergência de microempreendimentos e de microcrédito, na formalização do mercado imobiliário, na legalização das propriedades, infraestrutura e sustentabilidade para gerações futuras e, efetivamente, a entrada do Estado na favela com serviços e políticas públicas.

O importante é não fechar os olhos para essa realidade. Não se pode ignorar um filme como “Tropa de Elite”, que mostra os bastidores do tráfico, do tóxico, dos playboys da zona sul, das armas, das máfias, da violência, da bala perdida, da pobreza e da falta de oportunidades. Também não se pode ignorar um filme como “Cidade de Deus”, onde o Estado realocou a massa humana e não levou os serviços públicos para a localidade, deixando-a abandonada e entregue à própria sorte, criando outro problema social ainda pior.

 

Segurança habitacional e a reurbanização

As cidades asiáticas que enriqueceram são grande exemplo de transformação rápida e palpável. Nas fotos de satélite, áreas imensas de Seul e Tokyo ainda parecem favelas e, de fato, foram no passado. Seul tem imensas áreas com vielas estreitas e intransitáveis pra carros, que se tornaram bairros de classe média, onde as casas sofreram transformações significativas e ficaram agradáveis, muito melhores.

Ciudad Del Este, no Paraguay, fronteira com Foz do Iguaçu, abriga o maior entreposto comercial da América  Latina, algo em torno de 2/3 do PIB paraguaio. Paradoxalmente, abriga também um imenso bolsão de degradação urbana e pobreza. O projeto de reurbanização dessa importante área comercial prevê a reurbanização, organizar o espaço público e interligar com vários modais, ciclovias e uma segunda ponte.

Projetos de modernização são importantes porque trazem as cidades para a realidade inexorável da sustentabilidade. Não existe remédio único. Desfavelização, reurbanização, realocação de pessoas nos casos de risco, há sempre a melhor estratégia que permita às pessoas afetadas e seus filhos/netos experimentarem uma próxima onda de crescimento sustentável.

Entender as favelas é entender a própria história do Brasil. As favelas já estavam lá no Brasil Império, e continuaram lá na abolição, cerca de 11,4 milhões de brasileiros (6% da população) viviam em aglomerados subnormais na época do Censo 2010. O IBGE identificou 6.329 favelas em todo o país.

O autor escreve em português do Brasil

As opiniões expressas nos artigos de Opinião apenas vinculam os respectivos autores.

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