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Terça-feira, Novembro 5, 2024

Festival Internacional de Cinema de San Sebastián

José M. Bastos
José M. Bastos
Crítico de cinema

Kursaal

Decorreu no final do passado mês de Setembro a 64ª edição do Festival de cinema San Sebastián o mais importante certame dedicado ao cinema que se realiza na Península Ibérica. O elevadíssimo número de espectadores, a quantidade de filmes exibidos, a afluência de profissionais dos vários ramos do cinema e uma enorme cobertura mediática pelas centenas de jornalistas acreditados fazem da manifestação basca um evento de dimensão sem paralelo para cá dos Pirinéus. A tudo isto acresce o facto de este ano a bela cidade de San Sebastián ostentar o título de Capital Europeia da Cultura, partilhado com a polaca Wroclaw.

Por tal motivo o 64º ZINEMALDIA ofereceu aos seus frequentadores uma panóplia de opções ainda mais vasta do que o habitual, quer no número de filmes e sessões, quer na utilização de mais salas de projecção.

Mais de 180 filmes foram exibidos em cerca de 80 sessões diárias espalhadas por 18 salas de diferentes dimensões (desde a meia centena de lugares de uma das salas da Tabakalera aos vários milhares do Kursaal e do Velódromo).

“Classe A” dos festivais de cinema

Pertencendo à “Classe A” dos festivais de cinema (a mesma de Berlim, Cannes, Veneza, Locarno, Karlovy Vary, Mar de Plata, Montréal, Moscovo, …) San Sebastián tem, à partida, um importante constrangimento na selecção de filmes para a sua secção oficial competitiva: não pode selecionar filmes que tenham concorrido em festivais da mesma classe. Ora, como é natural, as grandes produtoras norte-americanas e europeias, privilegiam os festivais mais mediáticos para apresentarem os seus novos trabalhos.

Por isso, a secção oficial do Festival de San Sebastián refugia-se habitualmente nos filmes espanhóis e latino-americanos, em produções de cinematografias emergentes (especialmente asiáticas), no cinema independente norte-americano e em alguns trabalhos europeus de realizadores menos conhecidos. Ao contrário do que possa parecer, este aspecto não é obrigatoriamente negativo porque permite que esta mostra desempenhe um importante papel de descoberta e promoção de novos valores.

Desta vez, a secção oficial, com vinte e cinco filmes (um exagero!…) foi, do ponto de vista das procedências, um pouco mais diversificada do que é costume: tivemos filmes de Espanha, Argentina, França, Estados Unidos, Polónia, Japão, Coreia do Sul, Reino Unido, Islândia, Suécia, Canadá e China, alguns deles com co-produção de outros países. Contudo, esta oferta tão numerosa não teve correspondência na qualidade média da mostra que, em nossa opinião, não foi mais do que sofrível.

Não foi por isso nada fácil a tarefa do Júri Oficial presidido pelo cineasta dinamarquês Bille August (o autor de “Pelle, o Conquistador, vencedor de duas Palmas de Ouro em Cannes e um Oscar) e que integrou também a realizadora argentina Anahí Berneri, a produtora espanhola Esther García, o realizador chinês Jia Zhang-ke, a desenhadora de vestuário alemã Bina Daigeler, o director de fotografía norte-americano Matthew Libatique e a produtora russa Nadia Turincev.

Festival de Cinema de San Sebastián

“Concha de Ouro” e Prémio da melhor actriz: “I Am Not Madame Bovary”

A “Concha de Ouro” (galardão máximo do festival para o melhor filme) distinguiu o chinês “I Am Not Madame Bovary” de Xiaogang Feng, filme cuja actriz principal, Fan Bingbing, recebeu a distinção para a melhor actriz. A fita conta a história de uma mulher, residente numa pequena localidade de província, que se divorcia apenas por conveniência para obter um segundo apartamento e que depois de o conseguir quer voltar a casar-se com o ex-marido. Só que, entretanto, este casou-se com outra mulher. A protagonista inicia então um longo e absurdo processo judicial (que dura dez anos), para anular o divórcio, argumentando que ele não correspondia a uma situação real e era apenas encenado. Nas suas diligências vai envolvendo cada vez mais funcionários do Estado e dos tribunais e o assunto passa a ser discutido anualmente na reunião máxima dos dirigentes do “partido”. A anulação deste divórcio torna-se assim um assunto de Estado. Crítica mordaz da burocracia, dos jogos de influência e da promiscuidade entre os assuntos do Estado e os do “partido” o filme é feito com uma opção estética no mínimo curiosa: a imagem é quase sempre circular, num fundo negro (como se estivéssemos a ver o filme por um monóculo) e só quando a protagonista se desloca à grande cidade a imagem passa a ser quadrangular. Sem ser obra entusiasmante, “I Am Not Madame Bovary” foi, de facto, uma das poucas que nos ficaram na retina.

“Concha de Prata” para o melhor actor: Eduard Fernández, “El Hombre de las mil caras”

A “Concha de Prata” para o melhor actor foi para o espanhol Eduard Fernández intérprete de “El Hombre de las mil caras”, interessante filme de Alberto Rodriguez (multi-premiado em San Sebastián e nos prémios Goya com o seu trabalho anterior, “La Isla Mínima”) que desta vez nos trouxe a história de um homem, o espião Francisco Paesa, que durante anos enganou toda a Espanha. Inspirada em factos reais, esta obra foi a que mais nos impressionou de entre todas as que estavam na competição.

O prémio para o melhor realizador foi para o sul coreano Hang Sang-soo, com “Yourself and Yours”. Ramiro Civita recebeu o prémio da melhor fotografia pelo seu trabalho em “El Invierno”, filme argentino de Emiliano Torres. O melhor guião foi de Isabel Peña e Rodrigo Sorogoyen em “Que Dios nos Perdone”, filme espanhol realizado por este último. O citado “El Invierno” e o sueco-dinamarquês “Jätten / The Giant” de Johannes Nyholm conquistaram, ex-aequo, o Prémio Especial do Júri.

“Nuevos Directores” – Novos Realizadores

Também com carácter competitivo, e dotada de um júri específico de que fez parte a actriz portuguesa Victoria Guerra, esta secção destinada a mostrar primeiras ou segundas obras dos seus autores foi constituída por dezasseis películas. Com uma oferta tão variada como a que nos é apresentada em San Sebastián ainda conseguimos ver quatro destes filmes. E acertámos no filme que viria a obter os cinquenta mil euros do prémio desta secção: “Park”, co-produção greco-polaca dirigida por Sofia Exarchou. Passado nas ruínas da “Cidade Olímpica” dos Jogos de Atenas/2004, agora completamente abandonada, acompanhámos um grupo de jovens que habitualmente frequentam o local, promovem lutas de cães e vivem num ambiente de marginalidade. Um retrato algo deprimente de uma juventude também abandonada e sem perspectivas de futuro.

Nesta secção assistimos à estreia mundial de “Porto”, co-produção entre Portugal, França e Estados Unidos, realizada pelo brasileiro Gabe Klinger. O projecto foi apoiado pela Câmara Municipal do Porto, nas pessoas do presidente Rui Moreira e do saudoso Paulo Cunha e Silva, e tem como produtores Rodrigo Areias e Jim Jarmusch.

O norte-americano de origem russa Anton Yelchin, falecido em Junho deste ano, e a francesa Lucie Lucas, dão corpo à história de um casal que se conhece acidentalmente e que partilha no Porto uma noite que irá mudar as suas vidas. A trama poder-se-ia passar noutra qualquer cidade do mundo. Mas o Porto cidade, longe de surgir no ecrã apenas como uma série de postais ilustrados, acaba por ser outra das personagens do filme emprestando-lhe uma ambiência muito particular. Desde Manoel de Oliveira que não víamos a cidade do Porto tão bem tratada no cinema. “Porto”, o filme, foi para nós, um dos melhores momentos deste ZINEMALDIA.

Prémio da Juventude do Festival foi “Bar Bahar”

Outro filme desta secção que vimos já depois de lhe ser atribuído o Prémio da Juventude do Festival foi “Bar Bahar” / In Between, co-produção israelo-francesa realizada por Maysaloun Hamoud. Três palestinianas com passaporte israelita optam por viver em Telaviv, longe da terra natal. Presas, por diferentes modos, às suas origens procuram escolher as suas profissões, escapar aos casamentos combinados pelas famílias e, num dos casos, lutar pela possibilidade de afirmar uma orientação sexual não aceite pelos pais. “Bar Bahar” é um filme fresco e jovem em que momentos muito tensos e dramáticos alternam com cenas de um humor muito inteligente, realizado por uma jovem mulher, e que é também uma mensagem de esperança num futuro melhor. Foi o último filme que vimos no Festival e podemos dizer que foi um “fecho em beleza”.

Festival Internacional de Cinema de San Sebastián

Parte 2

O balanço de um Festival de Cinema na Capital Europeia da Cultura

Teatro Victoria Eugénia, e Tabakalera donostia San Sebastián | ZINEMALDIA

No texto anterior dedicado a este certame basco centrámos as nossas considerações na secção oficial e na mostra “Novos Realizadores”. A programação que foi disponibilizada a todos os que acorreram ao festival foi contudo muito mais vasta e muito do melhor cinema que se pôde ver estava nas restantes secções.

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Parte 3

Um Festival de Cinema na Capital Europeia da Cultura

Museu de San Telmo

Nos textos anteriores falámos das várias secções que constituíram a programação do festival e de alguns dos filmes que mais se destacaram.  Nesta última peça sobre o ZINEMALDIA focamos a atenção em alguns episódios de maior “glamour” e impacto mediático. Abordamos também as actividades de apoio à produção (sobretudo latino-americana) e à aprendizagem pelos estudantes de cinema, vertentes do certame que têm vindo a adquirir uma importância cada vez maior.

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