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Domingo, Setembro 1, 2024

Festival Internacional de Cinema de San Sebastián

José M. Bastos
José M. Bastos
Crítico de cinema

Teatro Victoria Eugénia, e Tabakalera donostia San Sebastián | ZINEMALDIA

Grande qualidade nas secções paralelas

No texto anterior dedicado a este certame basco centrámos as nossas considerações na secção oficial e na mostra “Novos Realizadores”. A programação que foi disponibilizada a todos os que acorreram ao festival foi contudo muito mais vasta e muito do melhor cinema que se pôde ver estava nas restantes secções.

“Perlas” – Um festival de festivais

Em “Perlas” tivemos uma seleção de dezasseis filmes que brilharam (e em alguns casos foram premiados) nos principais festivais. Eram, por assim dizer, películas com “selo de garantia”. De entre elas destacamos a Palma de Ouro de Cannes – “I, Daniel Blake”, do britânico Ken Loach, o Urso de Ouro de Berlim – “Fuocoammare” do italiano Gianfranco Rosi, “Frantz” do francês François Ozon (prémio de Interpretação Marcello Mastroianni do Festival de Veneza, para Paula Beer), “Florence Foster Jennkins” de Stephen Frears (com Meryl Streep e Hugh Grant) e “Toni Erdmann” da alemã Maren Ade (que recebeu em San Sebastián o Grande Prémio FIPRESCI do último ano cinematográfico). Anote-se o facto de a Federação Internacional da Imprensa Cinematográfica, responsável pela atribuição dos prémios da crítica na maioria dos festivais ter, de há alguns anos a esta parte, escolhido o ZINEMALDIA para proceder à entrega da sua maior distinção anual.

Retrospectiva “Jacques Becker”

Igualmente com muito interesse foi o extenso ciclo (15 filmes) dedicado a Jacques Becker (Paris, 1906-1960) um dos nomes mais importantes de toda a história do cinema francês e que nos deixou obras incontornáveis como, e apenas a título de exemplo, “Casque d’ Or”, belíssimo retrato do ‘bas-fond’ parisiense dos anos 40 do século XX, com magistrais interpretações de Simone Signoret e Serge Reggiani e “Les Amants de Montparnasse” relato dos últimos tempos de vida do pintor Amedeo Modigliani, representado no filme pelo grande Gérard Philipe. 

“Zabaltegi – Tabakalera”

Curiosamente outra interessante secção do Festival de San Sebastián, “Zabaltagi – Tabakalera”, teve como filme de abertura “Voyage à travers le cinema français” um excelente panorama do cinema gaulês na perspectiva de Bertrand Tavernier que, ao longo de mais de três horas revela os autores que mais o influenciaram (ou de que mais gostou) e à cabeça lá estão Jean Renoir e o citado Jacques Becker, mas também François Truffaut, Claude Sautet ou Louis Malle. Em Zabaltegi-Tabakalera (que decorreu nas antigas e abandonadas instalações da fábrica de tabacos de Donostia/San Sebastián, transformadas pela Capital Europeia da Cultura num amplo e moderno espaço cultural) passaram filmes de cineastas tão importantes como o britânico Terence Davies, os norte-americanos Todd Solondz e Jim Jarmusch, e o filipino Lav Diaz, a nova coqueluche do cinema daquele país. Foi nesta secção que passou “O Ornitólogo” de João Pedro Rodrigues (prémio do melhor realizador no Festival de Locarno) e “A Cidade Onde Envelheço” co-produção luso-brasileira dirigida por Marília Rocha.

O prémio da secção “Zabaltegi-Tabakalera, dotado com vinte mil euros, foi para “Eat That Question: Frank Zappa in his own words”, co-produção franco-alemã dirigida por Thorsten Schüte. A curta-metragem “La disco resplandece”, produção turca realizada por Chema García Ibarra, obteve uma menção especial.

“Horizontes Latinos”

Esta é uma das áreas de programação mais dinâmicas e interessantes da mostra “donostiarra”. O cinema latino-americano tem vindo a afirmar-se nos últimos anos de forma muito positiva e a esse facto não é alheio o impulso que recebe habitualmente do Festival de San Sebastián. Em particular, do programa “Cine en Construcción” (partilhado com o Festival de Toulouse, e de que falaremos no terceiro e último texto de balanco do ZINEMALDIA), mas também da secção “Horizontes Latinos”.

Nesta edição foi constituída por 14 filmes, mas as múltiplas solicitações dos nossos dias de festival só nos permitiram ver “Era o Hotel Cambridge” da brasileira Elianne Caffé, vencedor de “Cine en Construcción” em 2015 e que nesta edição obteve uma menção especial do prémio “Cooperación Española”. Co-produção Brasil-França-Espanha, “Era o Hotel Cambridge” conta a história de um grupo de refugiados recentemente chegados ao Brasil que, em conjunto com trabalhadores com escassos recursos ou desempregados, ocupam um velho edifício no centro de São Paulo. A tensão diária da ameaça de despejo é o pano de fundo de um conjunto de relatos dramáticos e de diferentes visões do mundo pontuadas por um humor por vezes desconcertante. Magnífico.

O prémio Horizontes do 64º ZINEMALDIA, dotado com trinta e cinco mil euros, distinguiu “Rara”, co-produção chilena-argentina dirigida por Pepa San Martín. O filme com a história de duas irmãs que, depois que os pais se separaram ficam a viver com a mãe. Esta decide começar uma nova relação, com uma mulher. A vida diária desta família, semelhante à de qualquer outra , não é vista com bons olhos por muitas pessoas, nomeadamente pelo pai das jovens. “Rara”, que já tinha participado no Festival de Berlim, venceu também o prémio Sebastiane, atribuído (de entre todas as películas do festival) à melhor abordagem da temática LGBT.

“Alba”, co-produção Equador-México-Grécia, de Ana Cristina Barrágan, recebeu a menção especial do prémio Horizontes.
Especial referência merece o facto de os realizadores e outros intervenientes nos filmes da secção “Horizontes Latinos” participarem habitualmente nos chamados “Desayunos Horizontes”, um espaço de conversa moderada pelo jornalista Julio Feo e transmitido pela televisão interna do Festival, que tem lugar num recanto da sala do Clube de Prensa, expressamente reservado para o efeito.

“The Act of Killing”

A retrospectiva temática desta edição do Festival foi buscar o seu título a “The Act of Killing” filme que Joshua Oppenheimer realizou sobre os esquadrões da morte indonésios. E aqui, permita-se-nos um parêntesis para referir que no passado domingo Oppenheimer esteve no Porto para participar no “Fórum do Futuro” promovido pela Câmara Municipal do Porto.

Mais de três dezenas de filmes tendo como característica comum a abordagem de situações de violência, nuns casos de forma explícita noutros num registo mais subtil, constituíram o ciclo “The Act of Killing” que foi um dos pontos altos da programação do ZINEMALDIA.

Do conflito da Irlanda do Norte, abordado em filmes como “Bloody Sunday” de Paul Greengrass, “Omagh” de Pete Travis ou “Hunger” de Steve McQueen, ao conflito bascoas retratado em “La Pelota vasca. La Piel contra la Piedra” de Julio Medem, “Al final del túnel – Bakerantza” de Eterio Ortega Santillana ou “Lasa eta Zabala” de Pablo Malo, passando pela situação israelo-palestiniana, pelo fundamentalismo islâmico e pelos dramas do Kurdistão, do Sahara Ocidental, da Ucrânia, do Afeganistão, do Ruanda, do Cambodja, do Chade ou da Bosnia, esta mostra lembrou àqueles que a frequentaram muita violência que se abate de uma forma mais declarada sobre muitos povos do mundo. Mas também estiveram presentes a luta pela sobrevivência dos pobres do Perú em “El Olvido” de Heddy Honigmann, a guerrilha mexicana em “El Violín” de Francisco Vargas ou a as acções terroristas na Alemanha dos anos 80/90 do século passado em “”The State I Am In” (Die Innere Sicherheit)” de Christian Petzold.

“Made in Spain” e “Zinemira” – Cinema espanhol e cinema basco

Aproveitando a presença no festival de algumas centenas de jornalistas estrangeiros o ZINEMALDIA procura, habitualmente, ser um local de promoção do cinema que se faz em Espanha. “Made in Spain” é a secção expressamente organizada para divulgar as mais recentes produções do país vizinho. Este ano foi constituída por dez películas das quais realçamos “Julieta” de Pedro Almodóvar (já estreada em Portugal) e “El Olivo” de Iciar Bollain. Em “Zinemira” o foco é o cinema basco que, nos últimos anos tem vindo a ter uma trajectória ascendente de afirmação (o último candidato espanhol aos Oscares foi o filme basco “Loreak”). O ciclo de cinema basco, que teve direito a uma noite de gala, foi constituído por dezassete longas metragens e sete curtas produzidas no último ano. Números impressionantes já que estamos a falar de uma região autónoma e numa época de escassez de recursos.

“Culinary Zinema” e “Savage Cinema”

San Sebastián é uma cidade muito referida quando se fala de gastronomia e estrelas Michelin (16 num raio de 25 quilómetros). Por isso, é natural que o festival de cinema da terra de Andoni Aduriz, Juan Mari Arzak, Pedro Subijana e Martín Berasategui tenha uma secção dedicada ao “Cinema e Gastronomia”. Na edição de 2016 foram exibidos sete trabalhos sobre esta temática, não só em salas de cinema, mas também em restaurantes nos quais a projecção foi acompanhada de jantar preparado por grandes cozinheiros bascos.

Os desportos de acção e aventura são o tema doutra secção que já vai fazendo tradição no certame. Este ano os cinco filmes que integraram “Savage Cinema” eram sobre o surf e o snow-board.

Festival Internacional de Cinema de San Sebastián

Parte 1

O balanço de um Festival de Cinema na Capital Europeia da Cultura. Numa competição frouxa a “Concha de Ouro” foi para um filme chinês

Fotografia noturna do Kursaal | ZINEMALDIA

Decorreu no final do passado mês de Setembro a 64ª edição do Festival de cinema San Sebastián o mais importante certame dedicado ao cinema que se realiza na Península Ibérica. O elevadíssimo número de espectadores, a quantidade de filmes exibidos, a afluência de profissionais dos vários ramos do cinema e uma enorme cobertura mediática pelas centenas de jornalistas acreditados fazem da manifestação basca um evento de dimensão sem paralelo para cá dos Pirinéus.

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Parte 3

Um Festival de Cinema na Capital Europeia da Cultura

Museu de San Telmo

Do “glamour” dos Prémios Donostia ao apoio aos jovens realizadores e aos estudantes de cinema
Nos textos anteriores falámos das várias secções que constituíram a programação do festival e de alguns dos filmes que mais se destacaram.  Nesta última peça sobre o ZINEMALDIA focamos a atenção em alguns episódios de maior “glamour” e impacto mediático.

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