A censura bolsonarista bem que tentou impedir o público brasileiro de conhecer essa história. Conseguiu por 2 anos. Mas a persistência de Wagner Moura e sua equipe venceu e finalmente, após peregrinar pelo mundo, o filme Marighella (2019), dirigido pelo cineasta baiano, estreia no Brasil, nesta quinta-feira (4), justamente no dia em que Marighella foi assassinado em 1969.
Mesmo circulando pela internet versões piratas da obra, vale a pena assistir a esse filme na telona de uma sala escura, com outras pessoas também usando máscara e com distanciamento para começar a compreender a luta armada no Brasil durante a ditadura fascista, que durou de 1964 a 1985.
Em um tempo onde não existia internet, o primeiro filme dirigido por Wagner Mouta mostra o debate da época sobre a adoção da luta armada ou a resistência “pacífica”. Muitos adotaram a luta armada, principalmente após o enrijecimento do regime, com a implantação do AI-5, em dezembro de 1968.
Mais uma obra que remete ao Cinema Novo (movimento dos anos 1960-70) na sua intenção de levar o Brasil como ele é na telona, além de vislumbrar como ele pode ser. Entre outras referências do cinema como o grego Costa-Gravas e o cinema político argentino, como o próprio Moura reconhece.
Assista trailer do filme
Pelo filme e pela realidade, a resistência armada impôs um determinado limite aos ditadores e impediu ainda maiores atrocidades contra a população. Certamente não houvesse resistência teria sido pior.
E os que tombaram sem medo para pôr fim à ditadura são heróis da democracia e da resistência ao culto ao ódio e à opressão.
Ao contar os anos finais da vida de Carlos Marighella (1911-1969) e a ação da Aliança Libertadora Nacional, o filme proporciona ao público sentir o drama e o debate vividos naqueles anos de dura repressão e violência contra a liberdade, contra a justiça e contra o país. Algumas cenas de tortura foram feitas para chocar e talvez choquem até mesmo os bolsonaristas mais empedernidos tamanha a covardia da repressão aos opositores do regime.
Ao contradizer a história contada por quem se postou ao lado dos Estados Unidos em plena Guerra Fria para impedir um suposto avanço do comunismo na América Latina, ver Marighella (na pele de Seu Jorge) como um herói da resistência com ligação direta aos acontecimentos atuais, ganha uma dimensão fundamental para a luta contra o fascismo, no Brasil representado hoje pelo presidente Jair Bolsonaro, eleito em 2018 com a pregação do ódio, da violência e do medo.
Marighella não foi o único, mas chegou a ser considerado o inimigo número um da ditadura, cercado e morto em uma emboscada, tamanho o medo dos policiais, comandados por Sérgio Paranhos Fleury (1933-1979, interpretado por Bruno Gagliasso) um dos maiores torturadores que o país conheceu.
Muito bom ver na telona o modus operandi de uma ditadura, chamada por alguns de “ditabranda”. Uma ditadura que instituiu um Estado terrorista, com torturadores covardes em real crime contra a humanidade. Com apoio de setores do empresariado e da mídia, cerceou a liberdade sindical e de organização da sociedade civil e prendeu líderes sindicais, intelectuais, estudantes e todos que resistiram.
A história não se repete, mas em 2021, o Brasil se vê na necessidade de não ter medo e resistir novamente ao fascismo que brotou dos esgotos e elegeu Jair Bolsonaro em 2018 e a todo custo tenta manter o cheiro fétido no ar. Resistir não é uma questão de escolha, mas de vida.
Como diz Wagner Moura, o filme remete às lutas populares de toda a história do país. Com a certeza de que o Brasil ainda será o Brasil dos sonhos de quem luta por vida digna a todas as pessoas.
Texto em português do Brasil