Das notícias que recebo da Síria e que me dizem que a ajuda humanitária continua bloqueada e que o cessar-fogo é uma mistificação (a ONU grita com Assad, Assad não fala…) até à forma como saudei a 5 de setembro Vera Jardim, por ter sido empossado como novo presidente da Comissão de Liberdade religiosa, composta por 21 responsáveis das várias confissões existentes em Portugal, a última das quais a aderir foi a comunidade budista. (Agradeço uma vez mais o convite da S. Exa. a Ministra da Justiça, Drª Francisca Van Dunem, para assistir à cerimónia de tomada de posse do Presidente da Comissão da Liberdade Religiosa e restantes membros da Comissão, na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa. Desejo que a nova equipa da comissão para a liberdade religiosa comece a trabalhar em força em Portugal, cá estaremos para observar – e agir). De todas essas notícias, a leitura é sempre a mesma: o mundo precisa de uma mobilização constante dos nossos esforços, e não se coaduna com alheamentos.
É notável como os órgãos de informação não trazem à capa estas mesmas notícias com o destaque com que trabalham a inquietação. É que precisam de sangue para abastecer as veias famintas de um magro auditório. É também notório como esse auditório definha e se afasta dos meios de comunicação tradicionais, onde a prioridade do circo se sobrepôs à do pão e os títulos conflituosos ocupam os escaparates: este matou aquele, morreram muitos ontem e hoje, acolá mais uns quantos, tudo foi violento e sem justiça por perto – e a manchete esquece que a morte é um dos efeitos da vida e que não é nela que deviam assentar os conteúdos, mas num outro lado dela, na face do percurso que conduziu ao que a causou, com ou sem efeitos especiais, mas sempre com a aura dos mistérios da renovação.
Falta de conteúdo, portanto, nesta cultura da celebração de carrascos.
Se na maior parte dos casos a morte é absurda e sem mensagens, a espiritualidade que dela emana está muito acima dessa incomunicabilidade, desse inexplicável.
Foi desde a primeira hora, dessa morte inexplicada, do seu silêncio e da surpresa que continha, que nasceu a vontade de explicar a vida através do transcendente – e assim o ser humano das primeiras civilizações criou formas complexas de explicação de dois mundos: o visível que lhe mostrava a vida, por vezes inesperada, como a que trazia caules do chão sem ninguém entender porque brotavam ou crianças saídas de barrigas e atos ensanguentados mas esperançosos, ou a morte, súbita e definitiva, causada por razões abruptas ou inexplicáveis – sem que alguém lhes apontasse causa para tão fantásticos efeitos.
A banalização da morte, hoje, coloca o religioso num lugar ingrato.
Ninguém leva a sério que um fundamentalista que mata inocentes e que despreza a morte como efeito mega complexo da vida, o faça com argumentos de fé ou religião.
É óbvio que para o religioso – falo de quem tem uma estrutura de crença consistente, mesmo que nada tenha a ver com alguma Igreja ou instituição organizada – a morte tem valor. Porque antes dela a vida foi valorizada.
Um dos momentos mais sofisticados da cultura humana é esse mesmo: construir imaginários, apoderar-se do invisível como conforto de construção, estar com o transcendente num relacionamento individual – para lá de todas as metáforas.
O meu fim de Verão no OLR
Das minhas preocupações mais recentes – relacionadas com o Observatório para a Liberdade Religiosa, órgão de atenção que tem cada vez mais pessoas a procurá-lo, com desabafos e queixas, identifiquei na agenda alguns momentos altos.
No OLR os temas são vastos, desde saber o que está a acontecer atualmente nas linhas aéreas quanto à alimentação Kosher ou Halal ou ainda vegetariana que deixaram de ser servidas, à procura de outras garantias para a prática da liberdade religiosa – que em tempos de tensão é sempre mais limitada, apesar de vivermos num país de inteligência tolerante. Mas aqui no OLR, as minhas preocupações individuais vão também para a participação em dois Congressos – o primeiro é o Congresso Internacional do Espírito Santo – Génese, Evolução e Atualidade da Utopia da Fraternidade Universal, onde me debruço sobre simbólica num ponto ínfimo dentro do largo tema que é o Espírito Santo e a sua fecundação de utopias de concórdia, fraternidade, harmonia, paz e justiça sobre a terra.
O segundo, é o Congresso Cidadania e Religião Diálogo Inter-religioso criado em parceria do ACM com a Câmara Municipal de Lisboa, o Observatório para a Liberdade Religiosa, e a Área de Ciência das Religiões da Universidade Lusófona, para além da participação de várias comunidades religiosas, e tem como objetivo celebrar o diálogo inter-religioso e promover o debate. Para tal, temos a honra de contar com reputados especialistas nacionais e internacionais. (O ACM, I.P., é um Instituto Público na dependência direta da Presidência do Conselho de Ministros, tem por missão colaborar na definição, execução e avaliação das políticas públicas, transversais e sectoriais em matéria de migrações, relevantes para a atração dos migrantes nos contextos nacional, internacional e lusófono, para a integração dos imigrantes e grupos étnicos, em particular as comunidades ciganas, e para a gestão e valorização da diversidade entre culturas, etnias e religiões).
É um verão de intensidades. Daquelas que nos fazem olhar para o que nos rodeia, da morte à muita vida, com uma atenção renovada. E há sempre espaço para um novo olhar.