A maioria dos projectos das novas construções continua a negligenciar os planos anti-sísmicos e as estruturas antigas foram adulteradas. Saiba que um sismo pode causar prejuízos equivalentes a duas ou três vezes o PIB de um país.A terra tremeu esta segunda-feira às 11.51 num raio de 30 quilómetros de Arraiolos. O sismo que atingiu os 4,9 na escala de Richter é o mais forte dos últimos 58 anos naquela região alentejana. O que sucederia ao País se a terra tremesse como em 1755? Para já, a certeza é que a história pode repetir-se. Ninguém sabe é quando. E na semana em que o sismo de Arraiolos foi sentido de Norte a Sul do País, justifica-se recordar os avisos deixados ao Jornal Tornado por dois peritos em sismologia.
Para João Appleton, especialista em estruturas e membro da Sociedade Portuguesa de Engenharia Sísmica (SPES), continua a faltar uma verdadeira consciência dos riscos de uma catástrofe. Com alguma ironia, referiu, em entrevista, que a maior parte das pessoas, em Portugal, acha que os terramotos são História e que os engenheiros a usam para justificar estudos, projectos ou obras dispendiosas. “Infelizmente, julgo que é um problema cultural, que dura gerações a resolver, a não ser que apanhemos um susto valente que nos acorde”, relatou.
O engenheiro civil garantiu que um sismo de idêntica violência ao ocorrido naquela manhã do primeiro de Novembro do século XVIII teria “consequências devastadoras” nas zonas mais povoadas do Algarve, da costa alentejana, da península de Setúbal e de Lisboa e Vale do Tejo. Tudo porque o contexto actual faz temer o pior – “milhares de mortos, milhares de milhões de prejuízos, perdas irreparáveis de património”: deficiente conservação dos edifícios mais antigos e alterações descuidadas nelas realizadas; falta de qualidade de projectos e de fiscalizações; e o desconhecimento do grau de vulnerabilidade sísmica de quase todo o edificado, como é o caso de muitos edifícios públicos.
Relativamente ao diploma da reabilitação urbana “low cost” teceu várias críticas: “é um logro que me envergonha e um fiasco na sua aplicação, já que qualquer promotor sensato não aproveita os ‘benefícios” que ele concede porque conduzem a um desastre do ponto de vista comercial”. Recorde-se que o chamado “pacote low-cost” para a reabilitação urbana entrou em vigor em Abril de 2014, mesmo depois dos sérios alertas de vários especialistas em medidas anti-sísmicas, que apelaram, inclusive, ao veto de Cavaco Silva.
O especialista em reabilitação de edifícios acrescentou ainda que aquele regime foi mesmo apresentado “com argumentos falsos”, como sendo factor de grande dinamização da reabilitação e com poupanças quantificadas “que são um autêntico logro”. “Os técnicos que participaram na elaboração desse documento prestaram um péssimo serviço ao País”, concluiu.
“Pode ser amanhã ou pode ser daqui a mil anos”
Também para o geólogo João Duarte, distinguido no ano passado pela União Europeia de Geociências, se acontecesse hoje um sismo de grande magnitude em território português, as consequências seriam dramáticas. O aumento da população, a ocupação do litoral e as construções em locais impróprios são as causas apontadas.
O investigador premiado pelo seu trabalho de divulgação científica em Geologia Marinha e Tectónica sublinhou que “o que mata as pessoas não são os sismos, são as casas” e assegurou que a classe científica tem “quase cem por cento de certeza” que vai haver um grande terramoto, não sabe é quando. “Pode ser amanhã ou pode ser daqui a mil anos. Quanto a isso não há nada a fazer, mas podemos apostar em estratégias de prevenção”.
Em entrevista ao Jornal Tornado, o geólogo estimou que um abalo sísmico pode causar prejuízos equivalentes a duas ou três vezes o PIB de um país. “É um custo incalculável!”, referiu. Apostar na prevenção sai, assim, bem mais barato. Hoje sabe-se que a decadência do império português começou com o terramoto de 1755, porque grande parte do ouro do Brasil tinha sido gasto em monumentos que em segundos desapareceram completamente, por isso a consciencialização das pessoas é extremamente importante, pode salvar-lhes a vida” Frisou.
9h45 da manhã. Primeiro dia de Novembro de 1755. Um forte abalo de terra é sentido na cidade Lisboa. O epicentro não é conhecido com exactidão: inicialmente aponta-se para uma zona junto ao Banco de Gorringe, actualmente calcula-se que terá sido mais junto à costa, na Falha Marquês de Pombal, entre 150 a 500 quilómetros a sudoeste de Lisboa.
O sismo de magnitude aproximada de 8.5 faz ruir edifícios e espalha destroços pelas ruas. Atinge com violência o Litoral do Algarve e Setúbal. Pouco depois das 10 horas parece que ondas de 20 metros invadem a baixa. Minutos mais tarde, novo sismo é sentido. As velas e as lareiras acesas pela cidade criam labaredas em cenário apoteótico. As estimativas divergem: entre 20 mil a 90 mil pessoas terão morrido no país. Assim reza a história daquele dia frio, há quase três séculos.
E se fosse hoje? De acordo com o simulador de danos sísmicos da Protecção Civil de Lisboa, o número de edifícios afectados poderia chegar aos 20 mil, e o de mortos ultrapassaria os cinco mil. Já para o Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC), a estimativa é mais elevada. Em 2005 calculou que um terramoto de grandes dimensões mataria entre 17 mil a 27 mil pessoas, apontando a falta de resistência sísmica da maioria dos edifícios portugueses como uma realidade.
Segundo a Sociedade Portuguesa de Engenharia Sísmica (SPES), a vulnerabilidade das construções não poupará hospitais, escolas, ministérios e grande parte de habitações privadas. Um dos poucos edifícios públicos com obras de reforço anti-sísmico foi a Assembleia da República (AR), em 2008.
Para os especialistas da SPES, um dos grandes grande problema dos edifícios que nasceram depois do terramoto de 1755 reside nas transformações que estes sofreram, assim como no envelhecimento sem conservação adequada. A construção pombalina das estruturas de gaiola de madeira em triângulo foram sendo sucessivamente destruídas e as construções novas não respeitam exigências regulamentares.
Vídeo publicado em 2014, pelo Smithsonian Channel da CBS, recriou a catástrofe do dia de Todos os Santos, a 1 de Novembro, de 1755